(…)
E é
pelo sistema, e não por cada caso, que a ministra responde. Então, porque se
demitiu?
(…)
[A
ministra demitiu-se] porque sabia que não tinha apoio político para aguentar
mais uma polémica.
(…)
Como
ficou claro na edição do Expresso da semana passada, o primeiro-ministro
isolou-a para a deixar cair.
(…)
Não há
nada mais fácil do que fritar um ministro da Saúde.
(…)
São
incontáveis os ministros que a Ordem dos Médicos já decapitou.
(…)
E, num
país onde os investidores se refugiam em setores protegidos da concorrência
externa e com procura inelástica, os grupos privados de saúde também concentram
bastante poder.
(…)
Um
político não precisa de lhes fazer frente, e Temido não fez, para se tornar
indesejada.
(…)
Basta
que não esteja ao seu serviço, e Temido não estava.
(…)
Como
as corporações, o lóbi privado move-se nas redações, nas sedes partidárias e em
Belém ou São Bento.
(…)
Mas a
sobrecarga [da pandemia] degradou a qualidade, deixou muitos por tratar e
exauriu os profissionais.
(…)
Era
preciso aumentar o financiamento, direcioná-lo para recuperar o SNS e não para
tapar buracos fora do sistema e resolver problemas adiados.
(…)
Era
previsível que, não se tendo desgastado na resposta à pandemia, [o privado] aproveitasse
o momento para desfazer a carcaça de um SNS exangue.
(…)
Fernando
Medina deu o mote e foi acompanhado recentemente por Costa: se havia problemas,
a culpa era dela [Temido]. Não teria dinheiro nem apoio político.
(…)
O seu [de
Temido] capital [político] foi usado na campanha e esvaziado quando chegou a
fatura da pandemia.
(…)
Com a
maioria absoluta, Costa deixou de se preocupar com o flanco esquerdo.
(…)
No
Governo, todos percebem que se tiverem de enfrentar um poder capaz de os
destruir devem ceder ou empurrar com a barriga. Porque sabem que
não contam com o chefe.
(…)
As
reformas da Saúde serão feitas ao sabor das pressões dos interesses.
(…)
A
forma como Temido foi abandonada é um sinal à navegação.
(…)
Os
ministros que venham e os que já lá estão sabem quem manda. O
primeiro-ministro, esse, está a tratar do seu futuro.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
E aqui
no Simplex [ambiental] também há uma verdade inegável: que a burocracia
portuguesa é imensa, lenta e perversa, estimulando a arte da corrupção e
beneficiando habilíssimos juristas.
(…)
Mas
por que razão traz este Simplex metida na sua bagagem a possibilidade matreira
de arrombar mecanismos preciosos com que o Estado protege os bens comuns?
(…)
No recheio
de tão úteis disposições meteu-se um conjunto de venenos e alçapões que, a
serem aprovados, irá pôr-nos a todos à mercê de iniciativas e interesses que se
queiram impor à racionalidade da decisão pública e ao interesse comum.
(…)
Porquê
dispensar de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) intervenções que podem ser
altamente danosas para os recursos naturais e até de saúde pública?
(…)
As AIA
são instrumentos preventivos que servem para acautelar os bens públicos e o
bem-estar das populações face aos impactos de atividades industriais e outras.
(…)
E que
dizer também da renovação automática das licenças ambientais ao fim de 10 anos
sem exigência de reavaliação e de qualquer fiscalização?
(…)
Depauperados
como estão os serviços da Administração Pública (…), o resultado é
previsivelmente grave.
(…)
Ainda
por cima este projeto de lei (…) esqueceu-se de convidar também (…)
as ONGA, que neste caso teriam sido particularmente úteis.
(…)
Se
esta lei [Simplex ambiental] não é gato escondido com o rabo de fora, pelo
menos parece.
Luísa Schmidt “Expresso” (sem link)
Muito do que consideramos ser adquiridos civilizacionais
está, neste momento, em risco de se perder.
(…)
Um
deles é a privacidade, a capacidade de uma pessoa ser possuidora de um espaço
de intimidade e privacidade (duas coisas complementares).
(…)
A importância da privacidade é que ela está directamente
associada à liberdade no seu sentido mais pessoal e íntimo.
(…)
Andámos
200 anos para que uma pequena parte da humanidade, muito pequena, aliás,
pudesse ter as condições económicas e sociais mínimas (…) direito a viver sem ser numa aldeia em que toda a
gente sabe tudo.
(…)
Esses
200 anos estão a ir por água abaixo diante dos nossos olhos e perante a nossa
indiferença, quando não a nossa activa colaboração.
(…)
É um rombo na nossa liberdade e, por essa via, na democracia.
(…)
Os inimigos da privacidade são antigos,
Governos e Estados, que, em nome de várias coisas benévolas, assumem o direito
de nos vigiar cada vez mais.
(…)
Convém
não ter qualquer dúvida de que portugueses e estrangeiros, sem qualquer
controlo e conhecimento, podem saber de tudo sobre nós, podem e sabem.
(…)
É
sempre em função de grandes valores que se restringe a privacidade, em nome da
eficácia da segurança, do combate à corrupção, da “transparência”, uma palavra
de uso sinistro nos nossos dias.
(…)
No
sistema político não há qualquer cultura de defesa da privacidade, por partidos
cuja noção do poder do Estado tem poucos limites na liberdade das pessoas
“quando é preciso”.
(…)
[A] Iniciativa Liberal, que está muito mais interessada no
abaixamento dos impostos do que nas desnecessárias violações da privacidade
pelo fisco.
(…)
O
sistema judicial pode ter as melhores leis do mundo de defesa da privacidade,
mas há muito que deixou de ser uma garantia de nos proteger de todos os que (…)
interferem indevidamente na privacidade alheia.
(…)
Não, não nos “habituarmos” é hoje um elemento fundamental
para defender a nossa identidade.
(…)
Mas o
declínio da privacidade nos nossos dias tem novos riscos, em grande parte
vindos de uma cultura de exibição nas redes sociais.
(…)
A
ecologia das redes sociais é nos dias de hoje uma das maiores ameaças contra a
privacidade, a liberdade e a democracia.
Pacheco Pereira, “Público” (sem link)
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