Donald Trump congratulou-se por ter acabado com
sete guerras em sete meses, misturando escaramuças, conflitos de poucos dias,
tensões que se mantêm e duas guerras inexistentes.
(…)
De fora ficaram, claro, guerras reais, como na
Ucrânia e em Gaza, que Trump jurara que acabaria num ápice.
(…)
Para o herdeiro mimado, o Nobel tem a mesma
função de quase tudo o que faz: alimentar o seu ego inseguro.
(…)
Sei que, há não muitos anos, se um Presidente
dos EUA inventasse, perante a Assembleia-Geral da ONU, ter posto fim a duas
guerras inexistentes, e isso não resultasse de uma gafe, o tema seria a sua
saúde mental.
(…)
Os critérios para os líderes forjados por este
tempo são diferentes.
(…)
A mentira é detetada pela bolha que se informa
pelos meios que usávamos no passado.
(…)
Mas uma realidade paralela segue o seu caminho.
(…)
O ser humano está, como um demente, a
desligar-se da realidade.
(…)
A democracia está a morrer porque morreu
qualquer ideia de verdade partilhada por uma comunidade.
(…)
Nem a verdade científica, transformada em
cabala de elites, sobrevive.
(…)
A verdade foi substituída por um subproduto: a
boçalidade.
(…)
Perdemos o que nos faz adultos: distinguir a
realidade da fantasia e manter regras sociais de contenção.
(…)
Esta infantilização coletiva, com o
endeusamento amoral do sucesso individual, é uma das causas para a ascensão de
egomaníacos como Trump.
(…)
O povo parece ter recuperado o fascínio por
mentes perturbadas.
(…)
Como numa ditadura, o
único imperativo que sobra é a vontade do ditador.
(…)
Sou dos
que acreditam que vivemos o ocaso da democracia moderna, experiência curta na
história da humanidade.
(…)
Sem
estruturas mediadoras que enquadrem a vida social com regras (…) não sei
se é possível travar a queda.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
Se há alguma base cientifica para o mito
neofascista da “substituição” (…) essa base está, ironicamente, no próprio sistema económico que a
direita tanto defende: o capitalismo.
(…)
É
hoje um consenso que a precariedade dos jovens — em termos de emprego, salários
e habitação — combinada com o enfraquecimento de serviços públicos essenciais,
como o SNS, tem sido um entrave significativo à constituição de família e à
decisão de ter filhos.
(…)
Na
prática, uma parte considerável dos jovens só consegue ponderar ter filhos
quando, após o falecimento dos pais ou avós, herda algum património que lhes
permite finalmente alguma estabilidade.
(…)
É
profundamente irónico que o capitalismo neoliberal, baseado na ultracompetição,
que supostamente reflete a “eficiência” e a “meritocracia” da “seleção natural”
(…) acabe por produzir uma
realidade em que só os filhos daqueles que herdam (…) conseguem, por sua
vez, constituir família.
(…)
Entretanto, os únicos que continuam a procriar (…)
são, frequentemente, os imigrantes mais pobres e racializados.
(…)
Nestas camadas sociais, independentemente da
origem étnica (…) a constituição de uma família burguesa nunca fez parte
do imaginário.
(…)
A decisão de ter filhos (…) depende antes
de uma combinação de múltiplos outros fatores — que os moralistas burgueses
sempre classificaram como “baixas morais” da plebe.
(…)
É claro que muitas dessas crianças crescerão em
condições difíceis, como sempre aconteceu entre os mais pobres no capitalismo.
(…)
Mas isso pouco importa ao sistema: a procriação
aqui é uma forma de acumulação primitiva de capital.
(…)
Trata-se da produção de mão de obra barata, da
próxima geração de trabalhadores superexplorados.
(…)
Serão
estes jovens que, dentro de vinte anos, trabalharão nas obras, nas plataformas
logísticas, nos portos, nos Uber e no retalho.
(…)
As desigualdades geradas pela competição
económica produzem efeitos sociais distintos em diferentes camadas da sociedade.
(…)
Entre a classe trabalhadora com alguns direitos (…)
observa-se uma drástica diminuição da fertilidade.
(…)
Essa classe com alguns direitos (…) tende,
assim, a desaparecer juntamente com esses mesmos direitos, enquanto não superar
o capitalismo.
(…)
Já entre aqueles que vivem nas margens da
sociedade (…) é
precisamente a ausência de perspetivas de futuro — em que os filhos surgem como
única forma de segurança social — que impulsiona a decisão de ter filhos.
(…)
E o capital agradece essa carne barata.
(…)
É claro que nenhuma solução razoável virá da
extrema-direita que, na sua cruzada contra a chamada “grande
substituição”, procura privilegiar ainda mais os direitos sociais
de forma excludente aos cidadãos nacionais nativos ao mesmo tempo que
pretende aprofundar a superexploração dos setores mais excluídos da classe
trabalhadora.
(…)
Que
não existam jovens com medo de ter filhos por falta de habitação ou de emprego
com direitos, nem mães que sintam necessidade de ter filhos apenas para assegurar
apoio na velhice.
(…)
É
igualmente essencial garantir um SNS que funcione em condições, para que as
mulheres não tenham receio de dar à luz, bem como assegurar serviços públicos
gratuitos.
Jonas Van Vossole, “Público” (sem link)
O bloqueio policial à passagem de Emmanuel Macron nas ruas de
Nova Iorque quando deixava a sede da ONU é simbólico de um país que faz stop à
marcha do mundo civilizado, coage a liberdade de expressão, censura
comediantes, questiona a ciência e a democracia.
(…)
É difícil imaginar onde estará o Mundo daqui a dez anos ou
como a História julgará este tempo daqui a cem.
(…)
Dificilmente se conseguirá evitar que o julgamento do tempo
olhe no retrovisor para os actuais grandes líderes e responsáveis políticos
mundiais sem que caracterize este período como o do apogeu dos pequenos homens
risíveis.
(…)
O que se espreme desta casta de uva americana é puro veneno.
Miguel Guedes, JN
As consequências da acção de Trump a nível internacional
resumem-se numa palavra: caos.
João
Paulo Craveiro, “Diário de Coimbra” (sem link)