segunda-feira, 17 de agosto de 2020

PARA QUE NUNCA MAIS (032)

 

A imagem acima é mais uma (com 6 a 7 décadas) das que retratam a vida dos portugueses no tempo da ditadura de Salazar. Provavelmente, crianças numa escola, vestidas de uma forma andrajosa e, a maior parte delas descalças ou usando sapatos em deplorável estado de conservação. Nesse tempo, a miséria grassava “com exceção de uma ínfima parte da população, os ricos” como afirma Clara Ferreira Alves numa das suas crónicas semanais na Revista do semanário “Expresso”, da qual retirámos o seguinte excerto.  

“Tão felizes que nós éramos”

Anda por aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e, claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança. Eu não ponho flores neste cemitério. Nesse Portugal toda a gente era pobre com exceção de uma ínfima parte da população, os ricos. No meio havia meia dúzia de burgueses esclarecidos, exilados ou educados no estrangeiro, alguns com apelidos que os protegem, e havia uma classe indistinta constituída por remediados.

Uma pequena burguesia sem poder aquisitivo nem filiação ideológica a rasar o que hoje chamamos linha da pobreza. Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo não existia, estávamos orgulhosamente sós. Numa rua de cidade havia uma mercearia e uma taberna. Às vezes uma carvoaria ou uma capelista. A mercearia vendia açúcar e farinha fiados. E o bacalhau. Os clientes pagavam os géneros a prestações e quando recebiam o ordenado. Bifes, peixe fino e fruta eram um luxo.  


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