(…)
Essa
memória foi traída até chegarmos a isto: 2,3 milhões de pessoas trancadas num
gueto, bombardeadas dia e noite, metade das quais deslocadas, sem água, comida,
assistência.
(…)
[Os 700 mil colinos que Israel implantou na Cisjordânia e em
Jerusalém Oriental, de forma ilegal] impedem a “Solução Dois Estados”,
como os líderes mundiais — todos eles — estão cansados de saber.
(…)
Há quem fosse criança na Primeira ou na Segunda Intifada,
ainda há pouco, agora.
(…)
Depois de Auschwitz houve Hiroxima, e de cada vez nada vimos:
nada vimos que nos faça melhores.
(…)
É o
Estado de Israel — (…) — ter erguido um muro em torno de cinco milhões de
pessoas, e essas vidas desaparecerem do lado de lá.
(…)
Valiam menos que as dos israelitas?
(…)
Cinco milhões é metade de Portugal. E metade desses cinco
milhões são crianças.
(…)
Os que
visitaram [a Terra santa] nos últimos anos já viram Belém atrás de um muro. O
Santo Sepulcro cercado de soldados. A Via Dolorosa cheia de metralhadoras.
(…)
Mas raríssimos puderam entrar em Gaza.
(…)
Em
2006, o Hamas ganhou as eleições gerais palestinianas, uma vitória limpa — e
não surpreendente, dado o falhanço da Fatah —, mas que a UE decidiu não
reconhecer, colando-se aos EUA nisso, contribuindo para alienar e radicalizar o
Hamas.
(…)
Uma oportunidade perdida. Tudo mudou para pior.
(…)
Há muito que os israelitas perderam o contacto civil com o
horror do outro lado.
(…)
Portanto,
muito pouca gente no mundo entrou em Gaza. As novas gerações de Israel não
conhecem a Palestina senão como soldados.
(…)
E foi debaixo de fogo e ocupação, atrás de um muro, entre checkpoints humilhantes, que as novas gerações palestinianas nasceram.
(…)
Alguém acha mesmo estranho que se “radicalizem” jovens assim,
presos, sem perspectiva, rodeados de morte?
(…)
Sempre senti que o milagre na Palestina, mas sobretudo em
Gaza, era a vida apesar de tudo.
(…)
Toda a gente não ter enlouquecido, apesar de tudo.
(…)
E quem
vai justificar isso para as novas gerações pelo mundo? Quem lhes explica porque
é que a Europa não trava esta matança?
(…)
A memória do que foi o Holocausto vai da concentração dos
judeus em guetos até ao extermínio.
(…)
Somos todos herdeiros dessa memória, de uma forma colectiva e
contínua que se pode resumir assim: nunca mais.
(…)
Nunca mais é o espelho que está diante de cada um agora, e
esse espelho diz: ainda sou humano?
(…)
Desde
o ataque do Hamas a 7 de Outubro, os líderes da União Europeia (UE) não tiveram
palavras novas para a escuridão inédita em que estamos.
(…)
É
Direito Internacional, resoluções da ONU assinadas pelos países da UE e boa parte
do mundo. Mas essa palavra [ocupação] não estava lá.
(…)
Ao longo de todas estas décadas, a Europa falhou em estar à
altura do que ela mesma votou.
(…)
Quando
isso [direitos humanos, a paz e a civilização]
é violado pelo Estado de Israel, os responsáveis da UE não questionam que
Israel seja uma democracia, e não forçam a aplicação do que assinaram.
(…)
A inacção da Europa é uma acção contra a sua própria palavra.
(…)
Israel voltou-se para dentro, e o abismo só servirá a extrema-direita, e esse parasita da guerra que é Netanyahu.
(…)
Esta é uma geração madura para uma mudança que não aconteceu
na minha.
(…)
Que a Europa ouça esta geração, porque eles sabem tudo sobre
urgência. Era ontem, é já.
(…)
Precisamos
muito que os líderes da Europa ousem contrapor-se às armas que os EUA empunham
já, aliando-se ao governo de Netanyahu.
Alexandra Lucas Coelho, “Público” (sem link)
Assinalou-se, na passada terça-feira, o Dia Internacional
para a Erradicação da Pobreza.
(…)
Em Portugal há uma enorme condescendência com a pobreza e uma
tensão latente entre a cultura da esmola e a cidadania social.
(…)
Nenhum indivíduo é livre e cidadão pleno, se estiver
dependente da vontade de outrem.
(…)
Alguma vez o Estado social teria avançado sem os estados
fixarem aumento da despesa permanente?
(…)
A redução da pobreza monetária tem como variável determinante
o aumento dos salários, das pensões e das prestações sociais.
(…)
[Guterres] denunciou a indiferença dos poderosos perante a
crise climática, a crescente falta de água e de condições básicas de saúde, o
escorraçar de povos para o abismo.
(…)
Considerou o sistema financeiro que domina o Mundo como
“disfuncional” e “moralmente falido”.
(…)
Como é possível, por exemplo, termos uma taxa de pobreza
acima de 30% na Região Autónoma da Madeira e vermos governantes com longa
responsabilidade a ufanarem-se pelo “desenvolvimento” conseguido com as suas
políticas?
(…)
As transferências sociais têm impacto positivo no combate à
pobreza, mas têm de ser maiores e os seus focos ampliados para grupos que estão
desprotegidos.
Tudo
isto é absurdo. Não é possível tomar partido por Israel em nome de valores que
o Exército israelita viola todos os dias. Não é possível tomar partido pelo
Hamas que mata e tortura da maneira mais cruel.
(…)
Não é
possível tomar partido em nome de valores absolutos que são continuamente desmentidos
pela realidade fluente e mutável que lhes escapa.
(…)
Tudo o
que se consegue é procurar encaixar os acontecimentos nos valores, avaliar a
acção e os comportamentos em função de aproximações relativas ao ideal.
(…)
Na verdade, tornámo-nos, objectivamente, uns grandes cínicos.
(…)
Que fronteira clara separa a retaliação justa da punição
inadmissível?
(…)
Quando
se trata de julgar o Hamas, só os palestinianos que aderem à doutrina dos dois
Estados parecem dispostos a recorrer ao direito internacional e aos seus
valores para rejeitar a guerra e promover a paz.
(…)
As sociedades acolhem e convivem, hoje, com um grau de
violência como jamais se viu.
(…)
Nesse
sentido [da aceitação mais ou menos resignada da
barbárie], o conflito Israel-Hamas é a expressão condensada e
exemplar dos dilemas e do caos com que se debatem as sociedades democráticas
ocidentais.
José Gil, “Público” (sem
link)
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