(…)
Mais para o final da semana, comentadores e cronistas
criticarão os políticos pela superficialidade do debate e, claro, por
sucumbirem à politiquice.
(…)
Quem aprovará o próximo orçamento? A troco de quê?
(…)
A barganha orçamental (…) encara com naturalidade que
qualquer partido, de qualquer espectro político, o Chega ou o PS, viabilize o
projeto da direita.
(…)
É estranha e perigosa a ideia de que a participação dos
partidos no processo orçamental só existe se houver negociação para viabilizar
o documento.
(…)
Mais bizarro ainda é a tentativa de imposição de um novo
senso comum, que naturaliza o apoio a uma governação de sentido oposto, desde
que haja “sucesso na negociação” de meia dúzia de propostas a incluir ou
excluir.
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Uma democracia composta por versões aproximadas do mesmo
algoritmo perde potência, desvitaliza-se, torna-se uma câmara corporativa
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Se “não há alternativa”, não há política. Se não há política, só sobra politiquice.
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O programa do PSD, que o governo já recusou “desvirtuar” no
Orçamento (…) não é apolítico, como nada é. É um programa de uma direita
neoliberal.
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As escolhas já consumadas (…) são medidas que deixarão
marcas profundas no país, na economia, na vida das pessoas que partilham
Portugal.
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O impasse em que muitas democracias ocidentais estão
enredadas não é circunstancial e não será solucionado por fracos arranjos
temporários de geometria parlamentar
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Perante tudo isto, “quem aprovará o orçamento?”.
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Não é conversa de políticos, é a política de um país.
Mariana Mortágua, “Expresso” (sem
link)
Um velho decreto de meados da década de 1980 estipula que,
nas atividades de comércio, escritórios, hotéis, restaurantes, cafés, serviços
públicos ou salas de espetáculo, por exemplo, a “temperatura dos locais de
trabalho deve, na medida do possível, oscilar entre 18ºC e 22ºC.
(…)
Mas o que fazer quando os patrões não agem e a Autoridade
para as Condições de Trabalho se limita a dar orientações?
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O problema do calor extremo e do “stress térmico” tem
merecido cada vez mais atenção internacional, num planeta que atravessa uma
crise climática sem precedentes.
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Num relatório publicado em 2019, a Organização
Internacional do Trabalho chamava a atenção para que “temperaturas superiores a
39°C podem matar”.
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Já este ano, um novo relatório contabilizava em pelo menos 2400 milhões o
número de trabalhadores expostos anualmente ao calor excessivo no trabalho, ou
seja, 70% da força de trabalho global.
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Este será um dos grandes temas que a OIT quer debater no
próximo ano.
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Em Portugal, estamos muito atrasados no debate.
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O recuo da sindicalização e da contratação coletiva, que
poderia regular algumas destas questões, também não ajuda.
(…)
Claro que cabe às empresas, até pela Constituição, garantirem
condições em que o exercício do trabalho seja compatível com a vida e a saúde.
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Deveria existir legislação vinculativa sobre os limites das
temperaturas de trabalho.
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Desde 1958 que há Convenções internacionais que procuraram
regular o trabalho com calor excessivo, nomeadamente na indústria.
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Há que olhar, sem dúvida, para a raiz do seu agravamento: o
aquecimento global, o capitalismo fóssil, um modo de produção predatório. Mas
há medidas urgentes que não podem ser adiadas.
(…)
Até hoje, apesar dos debates, nenhum avanço foi ainda
produzido. E no entanto, o tema é inadiável quando falamos de “trabalho digno”
ou de “transição justa”.
Com a viabilização dos sete diplomas aprovados no Parlamento
(cinco dos quais com os votos contra dos partidos que apoiam o Governo),
Marcelo premiu um botão-gatilho, operando bem mais do que uma mudança de canal.
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[Marcelo] obrigou todos os jogadores do tabuleiro político a
irem para intervalo das férias a pensar na forma como vão aprovar o Orçamento
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Marcelo Rebelo de Sousa sabe bem que as suas decisões influem
apenas quanto baste num contexto de um Executivo minoritário.
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Mais do que garante da estabilidade, disse claramente que a
estabilidade é ele.
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Os sete diplomas promulgados têm um impacto financeiro
evidente, estando a factura das quatro medidas do Partido Socialista estimada
em 733 milhões de euros para 2025.
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O presidente da República abriu um manual de política e
distribuiu o cardápio de desculpas inevitáveis a todos os quadrantes,
desacelerando o tempo político.
Por essa Europa fora, partidos passam meses a negociar até
haver uma maioria estável ou, pelo menos, previsível para formar Governo.
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Aqui, a urgência adia os problemas.
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O Presidente deixou que se instalasse a ideia de que isto
seria um período de transição, em que se decidiria quem seria punido por uma
crise política.
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Marcelo não é visto como um fator de estabilidade.
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[Marcelo] tem de reduzir o dramatismo político em torno do
Orçamento.
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A AD quer aplicar o seu programa e enfraquecer a oposição
nesse processo.
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Se Marcelo quer criar um ambiente propício à negociação, tem
de reduzir os benefícios de quem acha que pode ganhar alguma coisa com uma
crise.
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Sendo provável que o Presidente nunca diga uma coisa destas,
o PS fez mal em entrar nas negociações.
(…)
Ninguém quer eleições, ninguém confia no Chega, e o PS será
culpado por uma crise política.
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A AD sabe disso, domina a narrativa e não cederá em mais do
que pormenores.
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Um dos Governos mais minoritários da nossa democracia tem de
fazer cedências à dimensão dos deputados que lhe faltam para a maioria ou a
negociação é uma encenação.
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Depois de ouvir o Governo dizer que o fundamental não está em
negociação, o PS deveria ter-se posto de fora.
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Entrando numa negociação que o Governo diz ser para
pormenores, o PS meteu-se numa armadilha.
(…)
Se [o PS] viabilizar, este será, mesmo que não seja, o seu
Orçamento, porque o negociou previamente.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
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