(…)
[No
entanto]o relatório da
APAV de
2023 constatou que 60% dos homicidas tinham alguma relação com a vítima.
(…)
O Relatório
Anual de Segurança Interna que
concluiu que em 2024 foram registadas mais de 30 mil denúncias de violência
doméstica, sendo que 26 mil casos o agressor era marido ou companheiro da
vítima.
(…)
Assim,
(…) a pessoa mais perigosa na vida de uma mulher mais depressa é o ex-namorado
ou parceiro do que um desconhecido.
(…)
Todos estes casos [histórias acabadas de citar]
seguem o mesmo nível de misoginia sistémica, tanto no dia-a-dia das mulheres
como na Justiça portuguesa.
(…)
O
conceito misógino de propriedade, no qual os homens sentem que são donos das
mulheres, cria um ambiente fértil para tragédias.
(…)
Este
conceito [misógino], tomado como sentimento de poder pelos homens, é
patrocinado pela masculinidade
hegemónica, que
lhes ensina que as mulheres a eles lhes pertencem.
(…)
É importante dizer que nenhuma vítima se pôs a
jeito: a culpa nunca é da vítima, mas sempre do agressor.
(…)
Se calhar, está na altura de (…) garantir uma
Justiça que combata a misoginia sistémica.
(…)
A violência doméstica, no namoro ou familiar
não tem mais ou menos importância conforme o género da vítima.
O primeiro-ministro Luis Montenegro afirma que
"precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado que precisamos
também de ter um país seguro".
(…)
O ministro Leitão Amaro diz a respeito da
operação [conduzida pela PSP no Martim Moniz em Lisboa] que quem se encontra
irregular em Portugal “tem de ter consequências”.
(…)
Encostam dezenas de migrantes à parede.
Põem-nos em fila e revistam-nos.
(…)
Em vésperas de eleições legislativas, o governo
anuncia que 18 mil pessoas serão notificadas para abandonarem o país com um
prazo legal de 20 dias.
(…)
É um espectáculo posto em cena para que toda a
gente o veja, tanto estrangeiros como portugueses, e foi escrito por dois
motivos.
(…)
[Estamos fartos de saber que] não existe
qualquer ligação entre migração e criminalidade e que os migrantes contribuem
mais para a Segurança Social do que beneficiam dela.
(…)
O segundo motivo consiste em dar ao governo uma
aparência de controlo sobre o tal perigo.
(…)
O governo gera a percepção de uma ameaça, para
se poder apresentar como a única forma de a combater.
(…)
Por muito que o que motiva este espectáculo
seja a relação com o espectador, as suas vítimas são-no de verdade.
(…)
Quem recebe uma notificação de abandono
voluntário terá mesmo apenas mais 20 dias de estada legal no país.
(…)
Note-se que este não é um espectáculo
português. Longe disso. Nos últimos anos, esteve em cena em quase todo o mundo
ocidental.
(…)
Por detrás da violência, por detrás de toda
esta performance de crueldade, está o facto bem conhecido pelos governos destes
países de as nossas economias dependerem do trabalho migrante.
(…)
Não há nenhum país no mundo que faça um número
de deportações comparável ao número de imigrantes em situação irregular
presentes no seu território.
(…)
Nos EUA, a probabilidade de ser detido por
trabalhar ilegalmente é semelhante à de ser atingido por um relâmpago.
(…)
Os governos dos países ocidentais toleram o
trabalho de migrantes irregulares porque isso significa mão-de-obra barata em
sectores fundamentais.
(…)
Também o governo português está ciente da sua
dependência de trabalho migrante.
(…)
Uma pergunta impõe-se: se as economias do mundo
ocidental estão tão dependentes de trabalho migrante, porque vemos um discurso
cada vez mais inflamado no que toca à imigração?
(…)
A nacionalidade passa a ser um critério
aceitável para definir quem tem direito a ter direitos. Como tal, serve como
critério para a exploração do trabalho migrante.
(…)
Os alvos da deportação não são tanto aqueles
que acabam deportados, mas todos aqueles que permanecem deportáveis.
(…)
Do centro do palco diz-se bem alto, para que se
ouça: estrangeiros não são bem-vindos aqui.
(…)
[Mas] nos bastidores, ouve-se outra mensagem:
precisamos de estrangeiros para trabalhar, mas preferimo-los sem direitos.
Miguel Duarte, “Expresso” online
Há quem fale do Estado Novo como se tivesse
sido uma época ordeira, limpa, respeitável.
(…)
A maioria destas pessoas não viveu aquele
tempo, nem nunca se dedicaram a estudá-lo minimamente.
(…)
Não
viveram a censura, a polícia política, o medo de falar. Não sabem o que foi o
Tarrafal, nem o que significava uma carta a ser aberta pelo Estado.
(…)
[Não] foram obrigados a combater numa guerra
colonial que parecia não ter fim.
(…)
[A memória] também se constrói com aquilo que
se escolhe contar – e principalmente com aquilo que se omite.
(…)
Uma
versão em que o império foi só feito de “descobrimentos”, em que Salazar era um
homem de contas certas, em que os portugueses eram todos ordeiros e felizes até
ao 25 de Abril lhes ter estragado a festa.
(…)
[Este discurso] serve para justificar políticas
de exclusão.
(…)
É um discurso perigoso, porque oferece
respostas simples a problemas complexos.
(…)
[A extrema-direita] escolhe aquilo que lhe
convém e transforma-o em verdade absoluta.
(…)
Porque
o ensino da História foi sendo empurrado para os cantos, desvalorizado,
encurtado. Porque há gerações inteiras a crescer sem perceber o que foi e o que
é o fascismo.
(…)
[Trata-se de] reconhecer que lhes foi retirado
[aos jovens] o tempo, o espaço e o estímulo para pensar criticamente o passado.
(…)
E quando a História deixa de ser ensinada com
profundidade, os mitos ocupam o lugar da memória.
(…)
Sem memória, ficamos à mercê de qualquer
narrativa que grite mais alto.
(…)
[A História] tem de nos servir para pensar o
presente – não para o envenenar.
(…)
[Temos] de lembrar que o progresso não foi
dado: foi conquistado.
(…)
[Temos de lembrar] que os direitos não caíram
do céu: foram exigidos, muitas vezes com custos altos.
(…)
[Temos de lembrar] que a liberdade não é
garantida – é defendida todos os dias, também nas palavras que escolhemos usar.
Valter Mendes
Fernandes, “Público” (sem link)
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