terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

A REALIDADE (QUASE DESCONHECIDA) DA URGÊNCIA HUMANITÁRIA NO YÉMEN



Nos tempos que correm assistimos a uma crescente manipulação da informação e, nem sequer nos estamos a referir às notícias falsas que encontramos a cada passo nas redes sociais. Basta estarmos com alguma atenção para detectarmos grosseiros desvirtuamentos da realidade dos factos até porque começamos a associá-los à mesma origem. É bem provável que muitas pessoas, fartas de tantas tentativas de manipulação da verdade a que são sistematicamente sujeitas já tenham deixado de frequentar algumas redes sociais. Ninguém gosta de ser enganado.
Infelizmente, não é só nas redes sociais que se deturpa a verdade e, em muitos casos, de forma subtil, quase imperceptível. Estamos a referir a alguma imprensa escrita e a noticiários televisivos. Há muito quem não olhe a meios para atingir os fins. Esta situação é, neste momento, particularmente notória em relação à crise que se vive na Venezuela com notícias contraditórias e em que se percebe que a exactidão dos factos não é, de todo, uma preocupação que se note. Trabalha-se a informação sem qualquer espírito crítico e sem ser confrontada com várias fontes, mas em que o tom geral é claramente favorável ao autoproclamado presidente Juan Guaidó.
Em contrapartida, assistimos a uma quase ausência de notícias sobre o genocídio que está a ser perpetrado pela Arábia Saudita no Yémen, com muitos milhares de mortos particularmente devido à fome e onde são em especial atingidas as crianças.
Por que razão assistimos a critérios tão díspares na divulgação da informação? De certeza, não nos enganaremos se a resposta a esta pergunta se traduza apenas numa palavra: petróleo.
De qualquer maneira, há fontes de informação que nos merecem toda a credibilidade e, entre elas, está a do Subsecretário-geral das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários, Mark Lowcock que assina no “Público” deste sábado o artigo de opinião que reproduzimos a seguir, onde é referida a urgência humanitária que se vive neste momento no Yémen e a que a “comunidade internacional” tem dado pouca importância.

Em novembro passado, conheci um menino extraordinário chamado Fawaz num hospital em Aden, no Iémen. Aos 18 meses de idade, esta criança pesava pouco mais de 4 kg. Severamente desnutrido, Fawaz estava no hospital há mais de um mês, reagindo mal ao leite terapêutico que lhe era administrado. No entanto, ele perseverou, determinado a viver. A mãe de Fawaz, Rokaya, esteve na sua cabeceira dia e noite como se estivesse num pacto silencioso com o filho para garantir que ele sobreviveria.
Ao contrário da maioria das crianças gravemente desnutridas, Fawaz não respondeu bem aos dois tipos de leite terapêutico normalmente utilizados ​​para tratar estas crianças. Após semanas de tratamentos sem resultados e várias transfusões de sangue, os médicos optaram por receitar leite hipoalergénico, que é mais caro e que teve de ser pago pela família de Fawaz.
Sem este leite, a criança não teria recuperado. No entanto, a sua convalescença teve um preço tremendo para esta família. Cada lata de leite custa cerca de 30 dólares e, para as famílias que sobrevivem com poucos dólares por dia, isto tem consequências devastadoras. Cuidados médicos prestados a uma criança significam menos comida e uma refeição a menos por dia significa um maior risco de desnutrição para as outras crianças do agregado familiar.
Esta história tem um final feliz. Fawaz venceu, tendo deixado o hospital a 20 de dezembro e continua a recuperar.
Contudo, milhões de iemenitas continuam a enfrentar condições igualmente terríveis, estimando-se que 85 mil crianças no Iémen terão perdido a luta contra a fome desde 2015.
De um total de 20 milhões de pessoas que precisam de ajuda para garantir alimentos, quase dez milhões estão a um passo da fome, perto de 240 mil enfrentam níveis catastróficos de fome e mal conseguem sobreviver.
Neste momento, apenas metade das unidades de saúde do país estão em funcionamento pleno. Centenas de milhares de pessoas adoeceram no ano passado devido às más condições de saneamento e a doenças transmitidas através da água. As necessidades são cada vez maiores. Hoje, milhões de iemenitas estão mais famintos, mais doentes e mais vulneráveis do que há um ano.
As Nações Unidas e os parceiros humanitários estão a fazer o seu melhor para proporcionar a crianças como Fawaz uma oportunidade para lutar.
Ao longo de 2018, apesar de ser um dos ambientes operacionais mais perigosos e complexos em todo o mundo, cerca de 254 parceiros internacionais e nacionais foram ativamente coordenados para chegar a ainda mais pessoas no Iémen. Juntos, ajudámos cerca de oito milhões de pessoas, todos os meses, em todo o país, naquela que é já a maior operação humanitária do globo. Somente em dezembro, prestámos assistência alimentar a um número recorde superior a dez milhões de pessoas.
Contudo, não é suficiente. Sabemos que podemos salvar milhões de vidas este ano mas estamos a ficar sem tempo. E estamos a ficar sem dinheiro.
É por isso que, a 26 de fevereiro, as Nações Unidas promovem uma conferência de alto nível em Genebra, coorganizada pelos governos da Suécia e da Suíça. São necessários mais quatro mil milhões de dólares para a resposta humanitária no Iémen este ano, um aumento de 33% em relação ao ano passado, para fornecer alimentos mas também tratamento a crianças desnutridas como o Fawaz, cuidados de saúde, água potável e muito mais.
A quantia de dinheiro necessária pode parecer avultada mas ajudará 15 milhões de iemenitas, cerca de metade da população, revertendo a cólera, protegendo crianças contra doenças mortais, combatendo a desnutrição e melhorando as condições de vida das pessoas mais vulneráveis. Sem financiamento adicional, isso simplesmente não pode acontecer.
Os países doadores têm continuado a financiar o Plano de Resposta Humanitária para o Iémen e nós esperamos que o façam, uma vez mais, este ano. Todos devemos evitar que a tragédia humanitária que está a ter lugar no Iémen se deteriore ainda mais. Tenho toda a esperança de que nossa ação coletiva, em Genebra, possa salvar mais vidas e reforçar o processo político em direção a uma solução pacífica.
Mais populares
Devemos isso às crianças do Iémen e às suas famílias.

Sem comentários:

Enviar um comentário