(…)
[Ainda
hoje os liberais atrevem-se mesmo a uma lição social]:
se
todos formos gananciosos, mais próspero será o país.
(…)
Para
[Bernard] Mandeville, só o vício poderia ser o pilar da sociedade, dando o
exemplo dos hospitais.
(…)
A
crítica de [Adam] Smith foi implacável: nem aceitava a abolição da distinção
entre o vício e a virtude, nem que a frivolidade da vaidade pudesse ser
considerada a origem da virtude.
(…)
Para
ele [Smith] a simpatia era um dos fundamentos morais da sociedade.
(…)
Outro
liberal, Jean Baptiste Say, reforçou este ponto de vista: as instituições da
sociedade moderna devem ter como motivação não a ganância, mas sim a utilidade
social e até o propósito de reduzir a desigualdade das fortunas.
(…)
Que os
liberais modernos ignorem este debate inconveniente, isso faz parte do seu
instinto de sobrevivência.
(…)
O
melhor exemplo, como não podia deixar de ser, é o que se passa na habitação.
(…)
O que
os liberais dos vários matizes nos propõem é simplesmente proteger o maior lóbi
de Portugal, a teia finança-imobiliário-turismo.
(…)
Percebo
que a causa mereça tanta devoção, é a fonte do seu poder.
(…)
Os
“nómadas digitais” são a mais recente raça de colonizadores que desembarcou na
nossa praia, festejados como enviados divinos.
(…)
Se
houver mais investimento neste negócio, os empreiteiros farão pela vida e
construirão casas para os preços mais altos.
(…)
De
2019 a meio de 2022 mais de metade das compras de casas foi a pronto, isto não
diz nada?
(…)
O
aumento da oferta nestas condições só agrava a impossibilidade de jovens e
classes médias e populares acederem a habitação.
(…)
A isto
respondeu o governo com subsídios, para aguentar provisoriamente o arrendamento
por jovens, e com exuberantes propostas, obras de Santa Engrácia, de construção
de casas que teriam preços controlados.
(…)
Mas
entretanto, para satisfazer o lobby [da construção], em 2023 autoriza um novo
hotel por cada cinco dias, só em Lisboa serão mais 17.
(…)
E
permite a dupla espoliação de uma grande parte da população.
(…)
O que
restaria para reabilitação é o que não se constrói em quarenta anos do ritmo
atual.
(…)
Essa é
a oferta que falta: construção pública, acordos com os proprietários para
reabilitar e controlo de preços.
Uma
testemunha abonatória é aquela que, não tendo presenciado os factos que são
discutidos num julgamento, é inquirida sobre a personalidade e o caráter da
pessoa que está a ser julgada.
(…)
É isto
que o juiz Carlos Alexandre está disponível para fazer
pelo agente da PSP Carlos Canha no processo em que este está acusado de ofensas
à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria.
(…)
Chama-se Cláudia Simões a mulher que Carlos Canha agrediu.
(…)
Dificilmente conseguiremos esquecer a sua cara desfigurada,
resultado de hematomas, cortes e lesões várias, denunciando agressões brutais.
(…)
Foi deixada – e encontrada – inconsciente à porta da esquadra
da PSP.
(…)
Cláudia
Simões é uma mulher racializada, vive na periferia e faz parte de uma classe
socioeconómica baixa. Cláudia Simões é pobre.
(…)
As descrições detalhadas dos factos ocorridos são chocantes. A PSP fala
numa queda de Cláudia Simões.
(…)
Mas um
dos juízes mais conhecidos da magistratura portuguesa dará o seu contributo
para que o tribunal conclua que não houve culpa de Carlos Canha.
(…)
Não
conheço Carlos Canha e não faço afirmações acerca do seu caráter. O que poderia
dizer sobre este homem é péssimo.
(…)
[O que está em causa é] a sua [de
Carlos Costa] decisão de ser inquirido, com o propósito de o ajudar, num
julgamento em que se vão discutir factos gravíssimos a que não assistiu.
(…)
Carlos
Alexandre surge ao lado das forças policiais e num episódio exemplar: uma
mulher racializada acompanhada pela sua filha menor, desarmada, é brutalmente
agredida por um agente da PSP numa periferia.
O juiz
Carlos Alexandre não representará o povo português quando prestar depoimento
abonatório a favor do agente que agrediu Cláudia Simões.
Carmo Afonso, “Público” (sem link)
A invasão da Ucrânia pela Rússia criou na Europa uma situação
extremamente perigosa.
(…)
Por
outro lado, a perceção da guerra entre o invasor e o invadido diluiu-se para
emergir uma guerra entre a Rússia e os EUA/NATO/UE.
(…)
[Há quem esqueça] o recente desmembramento
levado a cabo da Jugoslávia e a sua ulterior alteração das fronteiras agravada
com a criação totalmente artificial do Kosovo.
(…)
Então, os EUA não pretendem impor a alteração das fronteiras
da China?
(…)
O
pedido de adesão da Ucrânia à NATO colocou em cima da mesa a segurança russa,
como era de esperar.
(…)
Os
dados são claros: a Rússia não aceita sair da Ucrânia sem os territórios
ocupados onde se encontra a população russófona e o Ocidente repudia esse
objetivo.
(…)
Tal
significa que a guerra vai continuar e provavelmente com maior intensidade.
(…)
Porque não negociar e apresentar de parte a parte cedências
dignas e que impeçam este abismo dos donos da guerra?
(…)
Os problemas entre a Ucrânia e a Rússia valem uma guerra
mundial?
(…)
Os
ditos valores da Ucrânia são os de um Presidente que até às vésperas de tomar
posse usava offshores e
proibiu a população russófona de falar russo. Isto vale uma guerra entre a NATO
e a Rússia?
(…)
Acresce ser a primeira vez que uma guerra desta dimensão não
gera um estremecimento na opinião pública.
(…)
A
morte de centenas de milhares de gente nova entrou na normalidade. Aqui ou na
Palestina de que se não fala, apesar da ocupação militar israelita.
(…)
O
mundo não parece inquietar-se quando os generais dos EUA falam da guerra com a
China em 2025 pelo simples facto de a China ter ido a jogo, aderindo à
Organização de Comércio Mundial, e estar a passar a perna aos americanos.
(…)
A
financeirização da vida económica leva a uma competição infernal, uma guerra de
todos contra todos, o regresso ao homo
homini lupus. E aí está a guerra como normal.
(…)
Fazem
falta as vozes dos pacifistas que não se deixam confundir com a política de
Putin, nem se deixam intimidar por defender a paz contra a decisão militar.
Domingos Lopes, “Público” (sem link)
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