sexta-feira, 31 de março de 2023

CITAÇÕES

 
Suponho que não haverá alma alguma entre nós que não sinta os sucessivos episódios do NRP Mondego como uma metáfora das dificuldades do país e da fanfarronice com que são tantas vezes tratadas.

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Nem mesmo a mais sinistra das conspirações — e já tivemos algumas insinuações sobre essas forças maléficas — conseguiria conjugar uma novela tão sumarenta.

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Isto foi assim pela triste razão de que é assim. 

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Já lá está tudo o que desmente um simples azar: temos uma nau à deriva no mar, a ordem do comando reduzida a uma farsa, a chefia desaparecida depois de ter feito voz grossa.

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É tudo demasiado pequeno para não parecer uma caricatura.

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Nem a vergonha contém o frenesim do autoelogio das contas governamentais, que estavam tão certas ao longo de tanto tempo que a corveta voltou arrastada por um cabo depois de morrer à vista da costa. 

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Desde que os spin doctors assim o determinaram, a maioria passou a chamar-se “dialogante”.

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É nisto que está o Estado, degradado por décadas de incúria, incompetência e modorra. E se fosse só isso.

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O problema mais profundo é mesmo a escolha: as políticas públicas são destroçadas por estratégia.

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Ainda o Mondego não se tinha tentado aventurar pelo mar adentro e já havia mais dinheiro para reparações, dito por um governante que, prudência a quanto obrigas, agora prefere calar-se. 

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Haverá então investimento. Só nos hospitais é que não pode ser.

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Na saúde o pouco investimento será para sobreviver. É o Estado a esquecer o país.

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Mas vai haver dinheiro. Há um jorro de milhões para baixar o IVA de 44 produtos até outubro, o que virá depois será curioso de ver. 

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Esclareça-se que a cebola não é importada da Ucrânia e que os custos de produção nem subiram um quinto daquele valor, alguém ganha a diferença.

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O povo tem que acreditar nos resultados sem conhecer a medida, mesmo tendo a certeza de que já está a perder.

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[O Governo] não tem nenhuma razão para pensar que a funesta degradação do Estado seja sequer um problema.

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A corveta, os hospitais, os preços especulativos, tudo isso foram azares. Nossos, é bom de ver.

Francisco Louçã, “Expresso”

 

[No] Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravatura e do Tráfico Transatlântico de Escravos, no passado 25 de março, António Guterres (…) reconheceu que “o legado do comércio transatlântico de escravos persegue-nos até hoje”, colocando entraves ao desenvolvimento do continente africano “por séculos”.

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Guterres defendeu que deveriam ser introduzidos nos currículos escolares conteúdos sobre o que foi a escravatura e as “cicatrizes” que deixou.

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Esta tomada de posição, embora não reconheça explicitamente o racismo estrutural, admite que o racismo tem origem no colonialismo e na escravatura transatlântica.

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O secretário-geral da ONU não afirma, contudo, que parte da desconstrução e reparação do legado da escravatura transatlântica passa, exatamente, pela recusa nos currículos escolares de uma narrativa glorificante da história colonial portuguesa.

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Nesses motes, a expansão colonial é apresentada muitas vezes enquanto uma grande aventura, uma espécie de expedição científica.

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Uma pessoa incauta pode até pensar que a expansão colonial foi uma imensa expedição botânica e que o tal “encantamento” não foi, afinal de contas, estupro, escravatura, morte e arrebanhamento de recursos.

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[Oculta-se, sobretudo, que a colonização serviu], o enriquecimento e a fortuna de uma minoria privilegiada.

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As pessoas negras escravizadas surgem entre as “trocas comerciais” colocadas ao nível de “produtos de origem africana”, como o marfim, malagueta, óleo de palma, algodão, ouro, desumanizando-as, mais uma vez.

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Num enviesamento lusotropicalista, se prefira salientar como resultado desse processo a miscigenação ou “aculturação” (…) e não as desigualdades estruturais e o racismo que marcam as nossas vidas ainda hoje.

Cristina Roldão, “Público” (sem link)

 

A literatura pode ofender, perturbar, causar indignação, fazer emergir em nós a necessidade do vitupério; ela existe para isso, para nos abanar, provocar, para nos arrancar das âncoras das verdades inabaláveis e nos deixar em perigo nos mares agitados da dúvida permanente.

António Rodrigues, “Público” (sem link)

 

O lapso temporal e a falha na cronologia parece ser matéria onde todos se entendem [no que diz respeito ao acordo alcançado na segunda-feira a fim de reduzir e estabilizar os preços dos bens alimentares].

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Na versão de Marcelo, a esperança não é a última a morrer: antes, morre o poder de compra que continua a perder-se.

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Será imperioso que o patamar último de confiança não seja demolido.

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Os abusos das distribuidoras e o aproveitamento face à inflação têm colocado o nível de desconfiança em picos históricos.

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A infracção alimentar é três vezes superior à geral quando todos assistimos a descidas e subidas, montanha-russa nos preços da energia e combustíveis. Alguém explique.

Miguel Guedes, JN

 

Hoje assinalamos o Dia Internacional da Visibilidade Trans e a esse propósito estive a ler o respectivo manifesto.

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O manifesto situa a luta “trans” no contexto da luta de classes e não vira costas a relacioná-la com a luta dos trabalhadores ou com a luta por melhores condições socioeconómicas.

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Para quem tiver dúvidas, assume-se a luta “trans” como sendo anticapitalista.

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É de elogiar que os que defendem uma causa se dirijam à sociedade posicionando a sua luta na grande luta coletiva e que não deixem margem para equívocos.

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Ao integrar-se na luta dos trabalhadores, a luta “trans” está a dizer não à precariedade e a reivindicar direitos que são essenciais às classes socioeconómicas mais baixas.

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Isto não implicou que tenham abdicado das suas reivindicações específicas e refiro, como exemplo, a realização de cirurgias em tempo razoável no SNS e nova legislação para trabalhadores do sexo.

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Hoje é dia de darmos visibilidade a uma luta de pessoas que afirmam sentir-se invisíveis e desprotegidas.

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Há um longo caminho para percorrer e já se faz tarde. Nenhuma luta tem mais urgência.

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[As pessoas “trans”] são pessoas vítimas de ódio e discriminação e estão, de forma organizada, a reivindicar direitos fundamentais.

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[A mensagem de luta que passa é que] parece ser mais eficaz ocupar à força os espaços onde pretendem ter presença.

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Nenhuma luta se ganhou sem luta.

Carmo Afonso, “Público” (sem link)

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