(…)
Não é
apenas a eficácia militar que está em causa, mas a democracia.
(…)
O topo
da hierarquia é o poder político, civil e eleito, a quem os militares devem
obediência.
(…)
[Quando]
o Ministério das Finanças liberta dinheiro uns dias depois deste episódio,
mostrando que governa ao sabor das manchetes, transmitem incentivos à
indisciplina.
(…)
Mesmo
sendo implacáveis nesta matéria, temos o dever de perceber, sem justificar, de
onde vem a desordem.
(…)
A
descrição do estado daquele navio é a descrição do estado dos serviços públicos
e das funções de soberania: a meter água por todos os lados.
(…)
É
impossível compreender o clima de insubordinação nas Forças Armadas sem
perceber o estado do Estado.
(…)
Sempre
que se fala de “contas certas” ignoram-se as contas erradas que elas acumulam.
(…)
Os
números não enganam: foi com o euro que todos os indicadores nacionais
começaram a cair.
(…)
Não é
por incompetência congénita que as coisas correm mal, como demonstram os
resultados históricos da TAP pública em contraste com o desastre da gestão
privada.
(…)
A
austeridade eterna está a asfixiar funções necessárias do Estado, seja um SNS
que vive em crise aguda, uma escola pública a quem faltam professores ou uma
Marinha que tem navios que saem do porto rebocados.
(…)
A
obsessão pela transparência e a cacofonia de discursos retiraram a todos os
agentes do Estado, até àqueles a quem se exige mais sobriedade, o dever
institucional do recato.
(…)
A
desinstitucionalização do Estado, que se alimenta da decadência da sua
autoridade e da decadência das condições materiais para o seu funcionamento,
explica a intolerável indisciplina na Marinha.
(…)
Que
Gouveia e Melo resolveu acompanhar, transformando a reprimenda à guarnição num
momento de autopromoção televisionada.
(…)
Mas,
de camuflado e com voz de comando, o almirante soube gerir a sua imagem,
inchando com a popularidade que o momento lhe garantiu.
(…)
Aproveitando
o ativo conquistado, o almirante tem dado gás à ideia de que pode ser candidato
presidencial.
(…)
Perigoso
é esse militar no ativo usar as suas funções para ir fazendo campanha política
e mediática.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
Apesar
da cimeira consideração por parte de alunos, encarregados de educação e opinião
pública, os professores inscreveram, nos últimos vinte anos, a ausência de
apoio no crucial universo que cruzou a política com a opinião mediatizada.
(…)
Para a
desvalorização da defesa do grupo profissional que mais protestou na Europa,
prevaleceram duas ideias: o gesto desagrada a eleitores e não se defende uma
corporação.
(…)
[Houve uma] dramática perda de
atractividade da profissão, "fuga" como o substantivo mais sonhado
por quem resistiu, ou não teve alternativa, e custos elevados para os alunos e
para a democracia.
(...)
Em rigor, perdeu-se qualidade na escola pública e no livre
exercício de ensinar e aprender.
(…)
Mas há
certezas nas causas que empurraram o exercício para a queda: o
ultraliberalismo, que impôs o salve-se quem puder e os cortes a eito na
educação.
(…)
Não
adianta repetir-se que os professores não querem ser avaliados, quando o que
sobra é uma farsa administrativa que suporta uma febre
"meritocrática" que infantiliza as organizações.
(…)
E se a máquina diabólica da avaliação do desempenho foi
imposta por políticos, foram professores que a desenharam e aplicaram.
(…)
A queda das escolas em ambientes de amiguismo e parcialidade
teve o histórico cunho dos concordantes.
(…)
A dilaceração ética cresceu e o final de 2022 assistiu ao
grito em curso.
(…)
O
Governo, espantosamente desorientado e surpreendido com uma falta de
professores que se adivinhava há mais de uma década, limitou-se a recuar 20
anos em matéria de concursos.
(…)
A
engrenagem continua a triturar a dignidade que resta e os jovens professores
captam de imediato uma insanidade repleta de injustiças que os avalia com
quotas e sem qualquer "olhos nos olhos".
(…)
O nosso século XX formou a geração mais habilitada num lugar
democrático ímpar na nossa História: a escola pública.
Paulo Prudêncio, “Público” (sem link)
A necessidade do aumento dos salários
continua ausente dos discursos ministeriais e, sem esse aumento, nos setores
privado e público, não se resolvem as carências com que os portugueses se
debatem.
(…)
No setor privado, salvo raríssimas
exceções, aqueles que amealham os ganhos vindos da inflação não se dispõem a
travar a apropriação de riqueza e a negociar com os trabalhadores e os seus
sindicatos a melhoria dos salários.
(…)
Governo e grandes poderes privados
colocam, sem pingo de vergonha, as políticas salariais entregues às sobras que
ficarão das apropriações de riqueza a que entendem ter direito.
(…)
A escalada da desvalorização salarial
iniciou-se em 2010, disparou com o memorando da troica e com o corte de
salários nominais imposto pelo Governo PSD/CDS.
(…)
Agora, a inflação trouxe o regresso
agressivo da retórica falaciosa do sacrifício dos salários.
(…)
O Governo coloca sistemáticos
condicionalismos orçamentais, as "contas certas", a justificar a
contínua perda salarial dos trabalhadores da Administração Pública.
(…)
Sem salários dignos e profissões
valorizadas, não há direitos fundamentais, não há democracia.
Hoje,
é interessante ver a forma como se utiliza, sem debate, a expressão eufemística
de “abusos sexuais” na Igreja, tal como se utiliza para as violências sexuais
contra mulheres.
(…)
Abusar
é utilizar mal, utilizar em excesso, sem colocar em causa a questão da
propriedade ou de uma “utilização normal”.
(…)
Ora,
em momento algum a violência física, sexual, independentemente do grau de
gravidade, contra crianças é “normal”, e estas não são propriedade da Igreja.
(…)
Ainda
mais do que pais, professores ou médicos, [padres e freiras] são as criaturas
que mais se aproximam do “nosso Criador”, os mensageiros privilegiados da
“Palavra do Senhor”, quase divinos.
(…)
Se os
crimes sexuais existem em tantos outros domínios, é necessário compreender a
especificidade desta violência no seio da Igreja.
(…)
As
violências sexuais contra crianças, como contra as mulheres não são nem amor,
nem abusos, são agressões, são violência, são crimes.
Luísa Semedo, “Público” (sem link)
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