(…)
O Presidente
pode demitir o Governo. Em meio século de democracia, seria a primeira vez que
isso aconteceria contra a vontade de um primeiro-ministro que conquistou, ele
mesmo, uma maioria absoluta.
(…)
A
crise política é artificial. Não são artificiais os casos.
(…)
Só um
Governo caiu por causa de casos: foi o de Santana Lopes, porque a sua
legitimidade política era quase nula.
(…)
[Com
Cavaco] todos esperávamos pela sexta-feira para saber que novo escândalo nos
reservava um governo pejado de gente eticamente pouco recomendável.
(…)
E, no
entanto, o Governo cumpriu o seu mandato.
(…)
Quem
não punha os pés no Parlamento, se recusava a participar em debates nas
legislativas e chamava “força de bloqueio” ao Tribunal de Contas dificilmente
pode dar lições de respeito democrático.
(…)
O
ciclo que nos empobrece começou com a adoção de um modelo de integração
monetária de que Cavaco Silva foi um entusiasta e de que nenhum governante se
afastou.
(…)
[Aconteceu
com a “geringonça”] um dos raros momentos em que o peso dos salários no PIB
aumentou.
(…)
A
crise que realmente interessa às pessoas — distribuição injusta dos custos da
inflação, aumento das taxas de juro, “contas certas” à custa da degradação dos
serviços públicos e da sangria de profissionais qualificados do Estado, falta
de habitação — não será interrompida se Costa der lugar a um Montenegro
enxertado de Rocha e dependente de Ventura.
(…)
Para
mim, o crescimento e o défice não resumem o bloqueio da nossa economia.
(…)
António
Costa pensa mal a política que conta, mas sabe da que sempre moveu o bloco
central.
(…)
Por
mais bloqueado que o país esteja, os ciclos económicos existem.
(…)
Como
bem sabe Cavaco, que apodreceu no poder durante dois anos marcados por
escândalos semanais, os mandatos não se encurtam quando o fim do ciclo político
se aproxima.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
[Os recentes lucros das grandes empresas multinacionais em
2022 (…) resultam de um assalto em grande escala permitido pelos
governos a quem controla os principais monopólios do capital global.
(…)
A espiral inflacionista em que ainda vivemos foi espoletada
pela opção das empresas petrolíferas de usarem o monopólio sobre o sistema
energético para compensarem as quedas de lucros durante os lockdowns do Covid.
(…)
Todos os acordos sociais foram rasgados e agora só sobra a
barbárie.
(…)
Outros desequilíbrios fora do controlo da elite já estão a
manifestar-se.
(…)
A onda de calor que neste momento devasta o continente
asiático fez, em plenos meses de temperaturas moderadas como Março ou Abril,
baterem-se recordes.
(…)
A abundância da produção de algodão e de têxteis a nível
global foi comprimida, os preços aumentaram.
(…)
As colheitas de milho, trigo e arroz foram afetadas pela seca
nos Estados Unidos, na Europa e na China.
(…)
O Alqueva e a absurda quantidade de culturas irracionais
altamente dependentes de água praticadas no Alentejo está no limite da
viabilidade.
(…)
Já vivemos noutro planeta e não naquele onde foram criadas
todas as relações de exploração, as instituições e o sistema bancário e
financeiro que consolidaram o capitalismo.
(…)
Quem tinha um empréstimo viu o seu valor aumentar, enquanto
os preços de todos os bens aumentavam também.
(…)
O Silicon Valley Bank nos Estados Unidos faliu por causa da
subida das taxas de juro, porque era um banco especializado em dívida.
(…)
O que aconteceu com o Silicon Valley Bank e com outros
repetir-se-á no futuro.
(…)
O endividamento das famílias está a aumentar para combater os
preços elevados.
(…)
A crise climática continuará a exprimir-se diretamente como
uma crise de custo de vida.
(…)
A subida do nível das taxas de juros aumentou ainda mais na
dívida pública dos países mais pobres.
(…)
[Os países do Sul Global] tornaram-se maioritariamente
dependentes da importação de comida que era “barata” mas já não é nem voltará a
ser.
(…)
As dívidas crescentes vão, em quantidades cada vez mais
maiores, não ser pagas.
(…)
Os prémios de seguro globais estão em ascensão porque o risco
está a deixar de ser risco para passar a ser certeza.
(…)
Todos os riscos são muito maiores e o risco de grandes
catástrofes climáticas é generalizado.
(…)
Quem pagará estes desastres? As pessoas desses países através
do Estado, o último garante.
(…)
O aumento do custo de vida já é uma consequência da crise
climática e os preços altos são e continuarão a ser impostos às pessoas porque
a oferta geral de bens e produtos está em queda.
(…)
Os sistemas de saúde ficam à beira do colapso, as pessoas não
conseguem pagar rendas, não se conseguem deslocar para trabalhar sem custos
exorbitantes, deixam de pagar contas e dívidas.
(…)
E dir-nos-ão sempre que é necessário salvar a banca, porque
senão toda a economia colapsa.
(…)
Os modelos económicos e financeiros não estão desenhados para
a crise climática.
(…)
Nenhum governo do mundo está a fazer ou sequer a planear os
cortes de emissões necessários para travar o aumento de temperatura abaixo dos
1.5ºC.
(…)
A qualidade de vida está em regressão por todo o mundo por
causa da crise climática e do sistema em que vivemos, que recusa-se a
resolvê-la.
(…)
A alienação é generalizada entre a população e portanto
torna-se muito difícil traduzir que as crises financeiras em que o capitalismo
sempre viveu agora também têm uma ligação umbilical à crise climática.
(…)
A crise climática será a mãe de todas as crises financeiras,
porque é a crise fundamental da espécie humana e irá repercutir-se em todos os
sistemas humanos.
(…)
Temos de puxar o travão de emergência para travar o caos.
João Camargo, “Expresso” online
[Segundo os padrões de consumo ocidentais] generaliza-se
a ideia de que quanto mais consumimos ou quanto mais podemos consumir, maior é
o nosso bem-estar, o nosso conforto e a nossa felicidade.
(…)
[Os] padrões deste ‘conforto’ que, culturalmente, aceitamos
como universais, pois são eles que ameaçam a sustentabilidade e o equilíbrio
socioecológico.
(…)
Identifica-se, assim, uma associação simbólica entre consumo
e bem-estar/conforto. Identifica-se, assim, uma associação simbólica
entre consumo e bem-estar/conforto.
(…)
A forma como esta noção de conforto pode funcionar como uma
barreira à mudança e impedir a adoção de práticas ‘sustentáveis’.
(…)
A associação entre consumo e bem-estar pode conduzir-nos a
visões redutoras que priorizam o conforto, de curto prazo, os desejos materiais
mais imediatos, em detrimento do equilíbrio e sustentabilidade de longo prazo.
(…)
O desafio é conseguir ver além deste lado material e
desconstruir estes conceitos que servem o modelo de organização social e
económica instituído nas sociedades ocidentais.
Fátima Alves, “Diário as beiras”
As relações entre a Europa e os Estados Unidos com a China e
a Rússia, por um lado, e com a África do Sul, tornaram-se cada vez mais tensas
nas últimas semanas.
(…)
[A África do Sul é] um dos únicos países a defender o bom
senso internacional através do diálogo e de uma solução de paz mediada no
conflito na Ucrânia, reconhecendo a violação da soberania pela Rússia.
(…)
O G7, que representa somente 10% da população mundial,
considera Pretória “desalinhada” juntamente com os mais de 40% dos BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
(…)
Todavia, no país de Mandela, valoriza-se com apreciável grau
de civismo a diferença, sempre em prol do respeito e o diálogo entre culturas,
sem o cancelamento à la carte como se assiste atualmente na Europa.
Carlos Henriques, “Diário as beiras”
A «cultura do ódio» é um vírus letal para a democracia, que
acaba até por contaminar setores com propostas próximas, capazes de se
digladiarem de forma agressiva, fechando-se em vez de estabelecerem consensos.
(…)
O sociólogo Manuel Castells viu a origem deste negativo
estado de coisas «nas promessas que a democracia liberal não cumpriu»,
ampliando o universo do ressentimento.
Rui Bebiano, “Diário as beiras”
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