(…)
[Depois de Galamba ser arguido e de Escária e Lacerda] serem
detidos, a margem de manobra para Costa ficar no lugar era baixíssima.
(…)
Para ser benevolente, foi, no mínimo, negligência consciente.
(…)
O parágrafo que termina o comunicado da PGR fechou qualquer
decisão.
(…)
A PGR disse ao País que as suspeitas diretas sobre o
primeiro-ministro eram suficientemente graves e sólidas para serem públicas.
(…)
É uma suspeita expressa pela PGR sobre um primeiro-ministro em
funções.
(…)
No dia em que a frase de um procurador torna inevitável a queda de
um governo sem que corresponda uma enorme solidez nos indícios entregamos o
poder político a quem não o pode ter.
(…)
A PGR tem de esclarecer, com bases factuais e antes das eleições,
de forma oficial (…) a relação direta do primeiro-ministro
com este caso.
(…)
Se uma frase vaga e sem sustentação conhecida torna inevitável a
queda de um governo de maioria absoluta, ela tem de deixar de ser vaga e ganhar
sustentação.
(…)
Não ponho as mãos no fogo por vários intervenientes. Por
alguns, nem o dedo mindinho.
(…)
Assusta-me estar a assistir ao padrão judicial e mediático de
quase tudo o que acabou em pouco.
(…)
Na relação do poder político com o poder económico há linhas
vermelhas e zonas cinzentas.
(…)
Quando os maiores escritórios usam a advocacia para o tráfico de
influências, quando os interessados cumprem o papel do legislador e quando a
amizade com o primeiro-ministro é carreira, controlando o acesso a ele, temos
um problema.
(…)
Previ, há umas semanas, um embate entre Pedro Nuno Santos, que
sucederia a Costa no fim deste ciclo, e Pedro Passos Coelho, que substituiria
Montenegro depois das europeias. Avisei que as previsões eram inúteis.
(…)
O que teremos é uma fraca liderança à direita, pressionada pelo
crescimento do Chega, que está exultante com a lama, e um PS acossado por mais
um caso judicial.
(…)
Em vez da clarificação e do debate sobre o futuro do país, que engradece
a democracia, teremos a degradação da democracia.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
A demissão de António Costa tem
traços contraditórios.
(…)
Por um lado, revela uma
hipersensibilidade em relação às palavras de um comunicado da
Procuradoria-Geral da República.
(…)
No sentido oposto, por outro lado,
merece nota a total insensibilidade, diria mesmo astenia, do ex-PM perante os
precedentes e os problemas com a Justiça de alguns dos envolvidos neste caso,
mais próximos de si.
(...)
O mais preocupante, contudo, é
verificar como a III República vai minguando à medida que nos aproximamos do
meio-século da sua fundação.
(…)
É verdade que a democracia
representativa tem pouco mais de dois séculos.
(…)
Hoje, a democracia norte-americana
suscitaria angústia, e não esperança, aos Pais Fundadores dos EUA.
(…)
O Congresso transformou-se num leilão
legislativo entre tribos, todas elas vinculadas a poderosos interesses
económicos, que funcionam como a fonte do poder real, que só ritualmente reside
no voto popular.
(…)
A arcaica corrupção transformou-se
numa subordinação sistémica dos Estados aos negócios, ao Big Money.
(…)
Por isso, cada vez mais as políticas
públicas são míopes, ignorantes, contraditórias e hipócritas.
(…)
No caso português, as decisões onde o
voto dos cidadãos ainda conta um pouco são cada vez mais exíguas.
(…)
Na política monetária, financeira,
agrícola, de pescas, transferimos soberania total para Bruxelas e Frankfurt.
Em todas as outras, a transferência é parcial, mas crítica.
(…)
Sempre houve gente nos governos capaz
de trocar o interesse público por 30 dinheiros.
(…)
No passado, o poder de interesses
influentes arruinou a ferrovia, plantou autoestradas para ninguém, e pontes nos
sítios errados.
(…)
Agora querem fazer de Portugal o
Congo europeu do lítio e do hidrogénio. Não é só mais uma crise do regime. O
país está cada vez mais vulnerável.
[Gonçalo
Ribeiro Teles] demonstrou ser obrigatório, indispensável, um Ordenamento do
Território (OT) como processo de base técnico-científica para a organização do espaço
biofísico em que vivemos.
(…)
Com o
OT [ordenamento do território] apoiado em bases fornecidas pela análise das
potencialidades e capacidades do território, a actividade humana enquadra-se
nos limites da Natureza.
(…)
Assim
CN [conservação da natureza] e OT passaram a ser, depois de Gonçalo Ribeiro
Telles, os alicerces fundamentais de uma política ambiental eficaz e actuante.
(…)
Nas
últimas décadas foi seguida uma deriva neoliberal impulsionada pela União
Europeia, e vimos isso quer de governos ditos social-democratas (…) quer de
governos ditos socialistas
(…)
Porquê? Porque assim se diminui a presença do
Estado e se deixa terreno livre para os privados das agro-indústrias.
(…)
A CN
deixou de ser suporte basilar das decisões sobre o Ambiente, privilegiando-se
agora os atentados à biodiversidade em nome duma alegada e pusilânime
“imprescindibilidade do interesse público”.
(…)
Tudo isto, toda esta perda da noção de equilíbrio
da governação e do respeito pelos valores fundamentais do nosso território
(…) passa infelizmente ao lado da maioria da nossa população.
Fernando Santos Pessoa,
“Público” (sem
link)
O regime democrático poderá não estar em causa, contudo, não
se pode cair na ilusão de que a democracia está salvaguardada pelo “dar a
palavra ao povo sem temores”.
(…)
No nosso país, como na generalidade dos países da União
Europeia, há um crescendo de desconfiança na democracia face à execução de
políticas que se distanciam das respostas aos problemas concretos das pessoas.
(…)
[Muitos dos que mais gritam contra a corrupção] querem, sim,
gerar a perceção da generalização da corrupção para abrir espaço a regimes
autoritários e retrógrados.
(…)
Existe uma postura de embasbacamento, de parte de quadros e
dirigentes do Partido Socialista, perante relações e negócios com grandes
interesses privados.
(…)
O Ministério Público, cujo papel e funções atribuídas pela
Constituição da República devem ser valorizados e defendidos, evidenciou
perigosas lacunas procedimentais.
(…)
Estamos em tempo de luta redobrada pela democracia. A
extrema- -direita não respeita as instituições e valores democráticos.
(…)
É preciso retomar com força, ou implementar, negociações
laborais e profissionais em todos os setores e áreas em que há problemas
acumulados.
(…)
À Esquerda parece mais claro que nunca não existir espaço
para o Partido Socialista vir com a demagogia de que o seu reforço é a barreira
à extrema-direita.
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