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Este
ano celebramos os 50 anos do 25 de Abril: estará a extrema-direita de volta ao
governo aquando destas celebrações?
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Como?
As pessoas não têm memória? Não se lembram do que foi a ditadura?
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Em
Portugal, o Chega utilizou precisamente o mesmo slogan que era utilizado pela
ditadura fascista – Deus, Pátria, Família acrescentando-lhe apenas Trabalho.
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O próprio termo “memória” é alvo de acesos debates.
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Perguntemo-nos então: como ficou a memória de Abril?
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Quando os mais jovens votam de forma considerável na
extrema-direita, o que dizemos nós sobre a transmissão de memória entre
gerações, sobre o dever de recordar?
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Porque se esquecem as pessoas dos horrores, mesmo quando nem
um século deles passou?
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Talvez seja interessante pensarmos a memória de Abril desta
forma [torná-lo politicamente neutro].
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Enquanto alguns partidos e movimentos sociais e cívicos
guardam uma memória revolucionária e anticapitalista de Abril, ele foi alvo de
um processo generalizado de despolitização.
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[As suas políticas da memória de Abril já mais
bem-comportada] esfregaram as mãos enquanto destruíam o Estado social,
abriram as portas às privatizações, desmembraram a Constituição e enterraram o
sonho de um país de iguais.
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As suas políticas empurram as pessoas para uma vida na qual o
futuro se apresenta como uma mera repetição desesperante de um presente de
dificuldades e, ao mesmo tempo, dizem-lhes que isto é o projeto de Abril.
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Como podemos reacender o sonho que se encerra nela para as
gerações mais jovens - para quem a ditadura é uma referência longínqua?
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Precisamos de tirar o passado do seu santuário e
lançá-lo para o meio da rua, onde se desenrolam as vidas das pessoas.
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Quero
terminar dizendo que este não é um texto de desespero ou de conformismo com a
inevitabilidade da ascensão do ódio.
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Vamos em
frente, sim, com pessimismo do intelecto mas otimismo da vontade.
Leonor Rosas, “Expresso” online
Os
indicadores de aceitação do discurso populista e da aceitação de valores
propagados pelos partidos de extrema-direita sempre estiveram cá, o que faltava
era um protagonista.
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André
Ventura, crescido e formado dentro do PSD, aceitou dar o passo que Manuel
Monteiro ou Paulo Portas nunca ousaram.
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Ventura rasga
esse compromisso, achando que volta a entrar no sistema pela força bruta dos
votos de quem exige que se digam “umas verdades”.
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É esse passo
que o faz, pela primeira vez, ir buscar o exército que vinha engrossando a
abstenção nas últimas décadas.
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Foi o pior
resultado de sempre dos partidos que constituem a AD [apesar do contexto
negativo em que o PS se encontrava mergulhado].
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A AD venceu
apesar de Montenegro e da sua campanha.
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O único dado
relevante sobre a vontade de mudança que levou à perda de quase meio milhão de
votos no PS foi mesmo a votação em André Ventura e no Chega.
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O Chega muda
o quadro político nacional, obrigando a geometrias parlamentares muito mais
complexas.
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[O discurso
do Chega] encontra um público recetivo.
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[As razões
para os 18% do Chega] são sempre incompletas e correspondem quase sempre
àquilo que nós queremos que o “protesto” queira dizer.
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Acredito que
há uma confluência de razões transversais às sociedades ocidentais, ou o
fenómeno não seria transversal.
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As redes
sociais não são um pormenor. Elas polarizam a vida política a níveis
impensáveis há poucas décadas.
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Ventura
consegue eleger deputados em todos os círculos eleitorais.
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Há
presidentes de junta de freguesia a constatar o elevado número de brasileiros
que pede informações sobre o recenseamento eleitoral para poder votar em André
Ventura.
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O Chega
transmite a ideia de protesto contra o regime.
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A presença de
imigrantes no bairro onde se vive também não parece determinar particularmente
o voto.
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O discurso
repetido, e as perceções que o mesmo cria, parecem contar tanto ou mais que a
realidade conhecida.
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Há imensas
razões para o crescimento do Chega em Portugal e de toda a extrema-direita em
toda a Europa.
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Uma das
coisas que dizemos aos demagogos é que não há explicações e soluções simples
para problemas complexos.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
[Mais de 1 milhão de votantes] aumentou a representatividade
do partido [Chega], mas não o transformou numa força política séria.
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O Chega não sofreu nenhuma transformação por ter conseguido
convencer – a palavra rigorosa é “enganar” – tantos portugueses.
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O processo de erosão desta direita é evidente e notório e a
tendência é para se acentuar.
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Não
será numa coligação ou no âmbito de um entendimento com o Chega que a AD conseguirá
manter (ou fazer crescer) o seu espaço junto do eleitorado.
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Por
outro lado, se debater com Ventura é difícil, governar com ele não será melhor.
Não tem a ver com as suas qualidades, mas sim com a sua falta de escrúpulos. A
governação do país ficaria entregue a um lamaçal.
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Muitos
eleitores votaram AD por causa da garantia dada por Montenegro [“não é não”] e
não voltarão a fazê-lo se se sentirem enganados.
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[Um entendimento entre a AD e o Chega] será certamente a
sentença de morte da direita democrática.
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Teremos, se depender do PS, um ciclo curto desta governação
da AD.
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Se o
PS assumir esse papel [de assegurar a
estabilidade da governação da AD] deixará ao Chega o protagonismo
de principal força política da oposição e dará razão aos argumentos de Ventura
quando afirma que PS e PSD são os partidos do sistema e que o Chega é a grande
alternativa.
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Curiosamente
esta é a solução que agrada a muitos moderados, não só à direita, o que não se
estranha, mas também à esquerda.
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E, por
fim, há os que estão a favor da atribuição de responsabilidades governativas a
Ventura por acreditarem que essa será a única maneira para – de uma vez por
todas – fazer os portugueses perceberem que as suas propostas não valem nada.
Carmo Afonso, “Público” (sem link)
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