quarta-feira, 13 de março de 2024

CITAÇÕES À QUARTA (94)

 
Vivemos no pesado “hoje” da ressaca emocional de uma noite eleitoral em que a extrema-direita arrecadou mais de um milhão de votos e consegue quase 50 mandatos, elegendo em quase todos os distritos.

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Este ano celebramos os 50 anos do 25 de Abril: estará a extrema-direita de volta ao governo aquando destas celebrações?

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Como? As pessoas não têm memória? Não se lembram do que foi a ditadura?

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Em Portugal, o Chega utilizou precisamente o mesmo slogan que era utilizado pela ditadura fascista – Deus, Pátria, Família acrescentando-lhe apenas Trabalho.

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O próprio termo “memória” é alvo de acesos debates.

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Perguntemo-nos então: como ficou a memória de Abril?

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Quando os mais jovens votam de forma considerável na extrema-direita, o que dizemos nós sobre a transmissão de memória entre gerações, sobre o dever de recordar?

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Porque se esquecem as pessoas dos horrores, mesmo quando nem um século deles passou?

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Talvez seja interessante pensarmos a memória de Abril desta forma [torná-lo politicamente neutro].

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Enquanto alguns partidos e movimentos sociais e cívicos guardam uma memória revolucionária e anticapitalista de Abril, ele foi alvo de um processo generalizado de despolitização.

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[As suas políticas da memória de Abril já mais bem-comportada] esfregaram as mãos enquanto destruíam o Estado social, abriram as portas às privatizações, desmembraram a Constituição e enterraram o sonho de um país de iguais.

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As suas políticas empurram as pessoas para uma vida na qual o futuro se apresenta como uma mera repetição desesperante de um presente de dificuldades e, ao mesmo tempo, dizem-lhes que isto é o projeto de Abril.

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Como podemos reacender o sonho que se encerra nela para as gerações mais jovens - para quem a ditadura é uma referência longínqua?

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Precisamos de tirar o passado do seu santuário e lançá-lo para o meio da rua, onde se desenrolam as vidas das pessoas.

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Quero terminar dizendo que este não é um texto de desespero ou de conformismo com a inevitabilidade da ascensão do ódio. 

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Vamos em frente, sim, com pessimismo do intelecto mas otimismo da vontade.

Leonor Rosas, “Expresso” online

 

Os indicadores de aceitação do discurso populista e da aceitação de valores propagados pelos partidos de extrema-direita sempre estiveram cá, o que faltava era um protagonista.

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André Ventura, crescido e formado dentro do PSD, aceitou dar o passo que Manuel Monteiro ou Paulo Portas nunca ousaram.

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Ventura rasga esse compromisso, achando que volta a entrar no sistema pela força bruta dos votos de quem exige que se digam “umas verdades”.

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É esse passo que o faz, pela primeira vez, ir buscar o exército que vinha engrossando a abstenção nas últimas décadas.

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Foi o pior resultado de sempre dos partidos que constituem a AD [apesar do contexto negativo em que o PS se encontrava mergulhado].

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A AD venceu apesar de Montenegro e da sua campanha.

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O único dado relevante sobre a vontade de mudança que levou à perda de quase meio milhão de votos no PS foi mesmo a votação em André Ventura e no Chega.

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O Chega muda o quadro político nacional, obrigando a geometrias parlamentares muito mais complexas.

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[O discurso do Chega] encontra um público recetivo.

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[As razões para os 18% do Chega] são sempre incompletas e correspondem quase sempre àquilo que nós queremos que o “protesto” queira dizer.

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Acredito que há uma confluência de razões transversais às sociedades ocidentais, ou o fenómeno não seria transversal.

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As redes sociais não são um pormenor. Elas polarizam a vida política a níveis impensáveis há poucas décadas. 

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Ventura consegue eleger deputados em todos os círculos eleitorais.

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Há presidentes de junta de freguesia a constatar o elevado número de brasileiros que pede informações sobre o recenseamento eleitoral para poder votar em André Ventura.

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O Chega transmite a ideia de protesto contra o regime.

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A presença de imigrantes no bairro onde se vive também não parece determinar particularmente o voto. 

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O discurso repetido, e as perceções que o mesmo cria, parecem contar tanto ou mais que a realidade conhecida.

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Há imensas razões para o crescimento do Chega em Portugal e de toda a extrema-direita em toda a Europa.

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Uma das coisas que dizemos aos demagogos é que não há explicações e soluções simples para problemas complexos.

Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)

 

[Mais de 1 milhão de votantes] aumentou a representatividade do partido [Chega], mas não o transformou numa força política séria.

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O Chega não sofreu nenhuma transformação por ter conseguido convencer – a palavra rigorosa é “enganar”  tantos portugueses.

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O processo de erosão desta direita é evidente e notório e a tendência é para se acentuar.

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Não será numa coligação ou no âmbito de um entendimento com o Chega que a AD conseguirá manter (ou fazer crescer) o seu espaço junto do eleitorado.

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Por outro lado, se debater com Ventura é difícil, governar com ele não será melhor. Não tem a ver com as suas qualidades, mas sim com a sua falta de escrúpulos. A governação do país ficaria entregue a um lamaçal.

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Muitos eleitores votaram AD por causa da garantia dada por Montenegro [“não é não”] e não voltarão a fazê-lo se se sentirem enganados.

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[Um entendimento entre a AD e o Chega] será certamente a sentença de morte da direita democrática.

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Teremos, se depender do PS, um ciclo curto desta governação da AD.

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Se o PS assumir esse papel [de assegurar a estabilidade da governação da AD] deixará ao Chega o protagonismo de principal força política da oposição e dará razão aos argumentos de Ventura quando afirma que PS e PSD são os partidos do sistema e que o Chega é a grande alternativa.

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Curiosamente esta é a solução que agrada a muitos moderados, não só à direita, o que não se estranha, mas também à esquerda.

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E, por fim, há os que estão a favor da atribuição de responsabilidades governativas a Ventura por acreditarem que essa será a única maneira para – de uma vez por todas – fazer os portugueses perceberem que as suas propostas não valem nada.

Carmo Afonso, “Público” (sem link)


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