(…)
Esta
vaga populista, presente em quase todas as democracias ocidentais, reflete o
descontentamento de muitos perante as promessas falhadas da globalização
económica, da democracia e da liberdade.
(…)
A
globalização acelerou nas décadas de 1980 e 1990, com uma aposta clara na
liberalização dos mercados e na responsabilização individual.
(…)
O neoliberalismo defendia um Estado mais pequeno e menos
interventivo, apostando em menos impostos, menos burocracia e menos regulação.
(…)
Mais de quarenta anos depois, é evidente que a crença no
mercado como panaceia para os maiores problemas revelou-se ilusória.
(…)
O
cidadão comum viu o papel do Estado nas suas vidas diminuir, a segurança no
emprego enfraquecer e o seu nível de vida estagnar.
(…)
A
globalização fragilizou os Estados, forçando-os a competir entre si através de
políticas fiscais e laborais cada vez mais desiguais.
(…)
A
liberalização dos movimentos de capital facilitou a deslocalização de
indústrias para países com custos de produção muito inferiores, como os
asiáticos.
(…)
Em
média nos países membros da OCDE (clube de países ricos), 10% da população no
topo capturam cerca de 40% de todos os rendimentos frutos do trabalho, 40% da
classe média levam cerca de 40%, e os restantes 50% mais pobres colhem apenas
de 20% da distribuição dos rendimentos.
(…)
Não há
dúvida que o trabalho se tenha revelado um caminho para a prosperidade.
Infelizmente, isso é verdade apenas para uma fasquia ínfima da população.
(…)
Nos anos 80, as heranças passaram a ser o principal fator de
desigualdade económica.
(…)
Para a maioria dos trabalhadores, os salários e o poder de
compra, ajustados à inflação, pouco evoluíram desde 1980.
(…)
A
erosão do papel do Estado e a estagnação dos salários foram acompanhadas por
uma transformação profunda das instituições democráticas, frequentemente
capturadas por interesses económicos e elites políticas.
(…)
[A] “captura do Estado”, resulta numa democracia
cada vez mais ao serviço de poucos, em detrimento do interesse coletivo.
(…)
Quanto maior
a concentração de riqueza, maior a capacidade de influenciar leis e políticas,
perpetuando a desigualdade e minando a confiança dos cidadãos nas instituições.
(…)
A
perceção de que as decisões políticas beneficiam minorias poderosas, e não o
interesse geral, reforça o ciclo de desconfiança, apatia e impotência.
(…)
[Falta à maioria da população] formação e ferramentas
para desenvolver opiniões políticas críticas e informadas.
(…)
A evolução para uma democracia representativa reduziu o
processo democrático a momentos eleitorais.
(…)
A
democracia deveria ser um processo contínuo de reflexão e deliberação, com
participação alargada e informada, em que todos podem contribuir para definir
prioridades políticas.
(…)
Exemplos como os orçamentos participativos, já adotados em
várias cidades, mostram que é possível aproximar o poder dos cidadãos.
(…)
Para
promover uma participação democrática mais igualitária, é fundamental garantir
o acesso à informação, a pluralidade de pontos de vista e a compreensão das
consequências de cada decisão política.
(…)
A
liberdade de expressão é uma das maiores forças das democracias, mas também
pode ser um elo mais fraco, se não for acompanhada de literacia cívica.
(…)
[Há
que] investir sistematicamente na educação das suas populações sobre as
dinâmicas, os direitos, obrigações e limites da cidadania.
(…)
Reformar
a cidadania implica reconhecer as fragilidades atuais das democracias liberais
e agir em várias frentes: combater as desigualdades, devolver transparência e
representatividade às instituições e investir de forma séria e sistemática na
educação cívica.
Gonçalo Diniz, “Público” (sem link)
Os problemas sociais e políticos complexos, como são os que
vivemos, têm um emaranhado de causas e consequências.
(…)
[Lídia Jorge] teve a lucidez e a coragem de assumir a posição
cívica que se impõe perante os desmandos crescentes dos extremistas, a quem
todos os dias é estendida a passadeira para o espaço público, onde manipulam,
mentem e semeiam ódio.
(…)
A ideia de um grupo de lusitanos mantido puro num espaço por
onde passaram e onde se mantiveram, em alguns casos por séculos, uma imensidão
de povos e culturas é um embuste, uma mentira que o fascismo cultivou.
(…)
[Aos 21 anos] comecei a percecionar a maior das divisões que
uma sociedade pode sentir: ter uma governação prenhe de “verdades” contra o seu
povo.
(…)
Apesar das enormes perdas, materiais e outras, sofridas pelas
centenas de milhares que tiveram de regressar a Portugal, houve capacidade
deles próprios e de toda a sociedade, para uma boa integração na vida coletiva
do país.
(…)
Portugal não é dos cristãos, nem dos muçulmanos, nem dos
agnósticos ou dos ateus. É de todos eles, de todos nós.
(…)
Lamentavelmente, um candidato presidencial titubeou perante
os ataques à democracia.
A ideia de que o mal pode ser cometido por pessoas
ordinárias, que não questionam as estruturas do poder e agem com indiferença
moral, ressoa profundamente diante das atrocidades contemporâneas,
nomeadamente, na Ucrânia e em Gaza.
(…)
Efetivamente, o conflito na Ucrânia demonstrou como decisões
políticas insanas podem mergulhar milhões na violência.
(…)
A indiferença cresce, tanto entre os executores, como nos
observadores distantes, anestesiados pela repetição de imagens de horror.
(…)
Por seu turno, na Faixa de Gaza, o ciclo de violência entre Israel
e o Hamas alcançou níveis de brutalidade impensáveis.
(…)
Civis palestinianos enfrentam uma catástrofe humanitária.
(…)
Milhares de mortos, hospitais destruídos, e a utilização da
fome como arma.
(…)
[O mal aparece] como a consequência inexorável de um sistema
que normaliza a violência, transformando vidas humanas em estatísticas ou meros
danos colaterais.
(…)
Nos dias de hoje a banalidade do mal emerge quando a vilencia
se automatiza, despersonalizada, e se torna rotina.
(…)
É neste contexto que o conceito da banalidade do mal deve ser
hoje equacionado.
(…)
A banalidade do mal atinge-nos a todos, ganhando novos meios:
o descanso, o esquecimento, a indiferença.
(…)
A banalidade do mal triunfa quando nos acostumamos com o
inaceitável.
(…)
Escrever, denunciar e lembrar é uma forma de resistência.
Santos
Cabral, “Diário de Coimbra” (sem
link)
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