Desde há anos que se tem vindo a assistir a um aumento significativo da transferência dos rendimentos do trabalho para o capital. Ultimamente essa transferência tem acelerado e vai tornar-se vertiginosa com a entrada em vigor do novo Código do Trabalho imposto pela direita, apadrinhado pelo PS e aceite pela UGT. As desigualdades estão em crescendo e ameaçam tornar-se paisagem se os principais afectados continuarem a aceitá-las como uma inevitabilidade. Sabendo-se que nunca houve tanto dinheiro em circulação e estando as desigualdades a acentuar-se isso só pode significar que a riqueza se está a concentrar em muito poucos, em detrimento de uma larga maioria. Não é admissível que um idoso não possa comprar um passe de autocarro por a pensão de reforma não chegar ou que alguém deixe de comprar medicamentos essenciais por falta de recursos quando os dinheiros públicos estão a servir para, por exemplo, “tapar o buraco que os amigos de Cavaco deixaram no BPN e o que sobrar é para subsidiar a compra do BPN pelos angolanos”. A desigualdade não tem defesa possível nem é uma inevitabilidade a não ser que a aceitemos como uma espécie de castigo por um suposto pecado consumista que a propaganda do sistema tem usado com o maior despudor.
Na crónica que hoje assina no “Público”(*), José Vítor Malheiros aborda este tema de forma muito contundente como poderemos verificar pela transcrição seguinte:
“O discurso de defesa da desigualdade crescente - que já não é apresentada como um flagelo a combater mas como uma infeliz inevitabilidade, quando não como uma ferramenta da promoção da competitividade internacional - é, aliás, cada vez menos eufemístico. Num dos últimos programas da Quadratura do Círculo, o advogado António Lobo Xavier levava a desfaçatez ao ponto de declarar que a redução das desigualdades sociais não era "sustentável" e dizia que a relativa redução das desigualdades durante dois anos dos governos Sócrates teria provado isso mesmo, pelo descalabro financeiro que teria provocado. O mantra da direita caceteira que temos no poder é "gostávamos de combater as desigualdades, mas não temos dinheiro para isso", da mesma forma que Paulo Macedo diz que a única forma de defender o Serviço Nacional de Saúde é destruí-lo e que Mota Soares diz que a única forma de defender o Estado social é acabar com ele. Os indicadores da desigualdade enchem todos os dias as páginas dos jornais: há 463 mil desempregados sem qualquer tipo de apoio, há 40 mil idosos em Lisboa que deixaram de ter dinheiro para comprar passe, os escândalos tornaram-se estatística quotidiana. O discurso político demoniza estes miseráveis, humilhados e ofendidos. São o peso-morto que o Estado não pode suportar, que nos "puxam para baixo". Era bom se os pudéssemos ajudar, mas não temos meios. É pena, mas vamos ter de os deixar morrer. Todo o dinheiro que temos é para pagar aos banksters, a esses não podemos deixar de pagar. O dinheiro que temos é para tapar o buraco que os amigos de Cavaco deixaram no BPN e o que sobrar é para subsidiar a compra do BPN pelos angolanos. Não temos dinheiro para mais. Não temos dinheiro para ser solidários, não temos dinheiro para ser humanos. E, aliás, as pessoas já estão a habituar-se. Para Pais do Amaral, seria um choque deixar de ter dinheiro para comer, seria impensável, sorrimos perante a simples ideia, mas é uma pessoa de outra qualidade. Esta gente está habituada. A humanidade não é sustentável, a dignidade não é sustentável. É isso que a direita teima em nos ensinar: a humanidade não é uma opção política. Será que eles sabem mesmo o que nos estão a dizer?”
(*) A dignidade não é sustentável?
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