Sem
termos tempo para nos alongarmos em algum comentário, aqui fica mais um
excelente artigo de opinião (título acima) de José Vitor Malheiros no Público
de hoje, tendo como pano de fundo a esperança e a alegria que atingiu por estes
dias os democratas em geral e as pessoas de esquerda em particular, com a
chegada ao poder da esquerda e a possibilidade de se ver, no mínimo, atenuada a
política de austeridade criminosa que uma quase ditadura de direita impôs aos
portugueses nos últimos quatro anos.
Os
últimos dias deram muitas razões de alegria aos democratas. Não, não digo às
pessoas de esquerda. Digo aos democratas. Àquelas pessoas que acreditam que a
soberania reside no povo e que todos os cidadãos, todos sem excepção, são
iguais em direitos e devem ser livres para exercer esses direitos e para
beneficiar dos seus frutos. Àquelas pessoas que acreditam que a liberdade é um
valor universal e que pertence a todos por igual e não apenas aos que têm mais
rendimentos, um nome de família mais ilustre, mais instrução ou mais qualquer
outra coisa.
Depois
de um Governo onde a desigualdade foi transformada em valor supremo, onde nos
tentaram convencer de que a educação devia ser distribuída conforme a origem de
classe dos estudantes, que a cultura apenas devia servir para benefício dos
ricos, que o desenvolvimento do país exigia que se aumentassem as desigualdades
salariais porque aí estava o segredo da competitividade, que a posição de
Portugal na União Europeia devia ser a de um subalterno dos países mais poderosos,
que a segurança no desemprego, na doença e na velhice dos cidadãos apenas podia
ser garantida a quem tivesse um pé-de-meia considerável no banco, pôr um ponto
final nessa iniquidade não pode ser visto senão como um sinal de esperança
pelos democratas.
O
grande motivo de alegria é pois o fim de um Governo de patriotas de lapela e
colaboracionistas no coração que se dispunha a destruir alegremente o país,
pilhando o património que pudessem, destruindo o Estado e humilhando os
trabalhadores, aumentando a dívida pública e recusando-se a defender o país nos
organismos internacionais para não indispor os poderes.
Outro
motivo de alegria é o programa do Governo do Partido Socialista, onde o combate
ao empobrecimento, ao desemprego, a defesa dos serviços públicos e a aposta na
educação, na investigação e na inovação ocupam um papel central. É curioso que
os senhores antiliberais que se chamam a si mesmo “liberais” para fingir que
prezam a liberdade, mas que apenas defendem a liberdade dos poderosos explorarem
os mais frágeis, nunca vieram a terreiro dizer que a pobreza e o desemprego
eram intoleráveis porque reduziam a nada a liberdade de escolha dos cidadãos.
Outro
motivo de alegria - aqui, principalmente para os cidadãos de esquerda - são os
acordos de incidência parlamentar celebrados entre os PS e os partidos à sua
esquerda para viabilizar o Governo, o programa e a governação socialista.
Estes
acordos não deveriam ser apenas motivo de satisfação para as pessoas de
esquerda porque eles significam algo que todos os democratas deveriam prezar: o
fim do famigerado conceito antidemocrático de “arco da governação”, que
defendia e pretendia incutir no espírito dos cidadãos a ideia segundo a qual
alguns partidos possuíam um direito divino a exercer a governação e que outros
deveriam para sempre ficar relegados à oposição, numa espécie de coro sem
poder; e o fim de uma tradição de acção política por parte dos partidos à
esquerda do PS baseada na crítica e no protesto mas que só raramente era
submetida à prova da realidade. A entrada do BE, do PCP e do PEV para o clube
dos partidos que podem participar na governação - como manda o direito, a
democracia e a decência em relação a todos os partidos com assento parlamentar
- significa que, pela primeira vez na história da democracia, a reserva de
ideias onde mergulham as raízes da governação é mais rica do que antes e
permite, por isso, encontrar melhores soluções.
Agora
que o Governo está em funções e que tivemos uns dias para celebrar, entramos na
fase mais séria da acção política. Sabemos todos que os riscos são imensos: a
nossa economia está tão frágil como antes do XIX Governo de Passos Coelho; as
nossas finanças estão ainda mais frágeis (apesar da propaganda); as reformas
estruturais necessárias (justiça, administração pública, energia, inovação,
formação profissional, etc.) não foram feitas e apenas se procedeu, com esse
nome, à redução dos salários e à precarização do trabalho; a fragilidade dos
bancos é maior; a situação económica e financeira da Europa está mais frágil; o
ambiente internacional mais agitado. O que nos espera é difícil e será
provavelmente duro. Como cidadãos, o que nos cabe é exercer o dever da maior
exigência cívica que este país já viu em relação ao Governo de António Costa. A
nossa responsabilidade é - ao contrário da deselegante descarga de fel de
Cavaco Silva e da irresponsável oposição sistemática prometida pelo PSD e pelo
CDS - garantir ao novo Governo toda a lealdade e toda a cooperação mas nenhuma
condescendência, nenhuma complacência. Não temos tempo. Este Governo vai ter de
governar bem em tempos difíceis e isso também depende de nós, da exigência que
demonstrarmos, da vigilância que exercermos, das críticas que fizermos, dos
debates que promovermos.
Uma das circunstâncias que me
dão maior confiança neste Governo é, curiosamente, uma que preocupa alguns
comentadores: a sua dependência parlamentar do BE e do PCP. A mim, essa
vigilância dá-me confiança e espero que, com ela, o PS possa mostrar o melhor
de si.
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