A pronuncia sobre o Estado de Emergência
Climática levou hoje a presença do Governo na Assembleia da Republica para responder
a uma interpelação do Bloco de Esquerda. Esta interpelação faz todo o sentido
uma vez que outros países, como a Irlanda e o Reino Unido, já fizeram
declarações de Estado de Emergência Climática e sabemos que Portugal está na
rota de catástrofes provocadas pelos transtornos que o clima está a sofrer.
De qualquer maneira, não causa grande
admiração que o ministro do Ambiente, Matos Fernandes desvalorize a interpelação do Bloco, uma vez que nos encontramos em período de campanha eleitoral e dá
pouco jeito considerar pertinente um tema tão importante vindo de um adversário
político directo nestas eleições.
O que faz todo o sentido é deixarmos aqui
um importante artigo de opinião sobre o Estado de Emergência Climática que José
Camargo, investigador em alterações climáticas assina no “Público” de hoje.
A agenda da justiça climática fugiu da
prisão em notas de rodapé a que estava confinada pela imprensa internacional. A
declaração de Estado de Emergência Climática será discutida em breve no nosso
Parlamento. E se for aprovada?
Para rebentar temporariamente a bolha comunicacional foi necessário
que milhões de estudantes por todo o mundo fizessem greve às aulas pelo clima
com manifestações multitudinárias, ao mesmo tempo que activistas climáticos
bloqueavam e invadiam estruturas, estradas, pontes, edifícios e eram detidos
por isso. Seria mais simples ouvir o que os cientistas dizem há 30 anos. Mas
este não é um assunto técnico, nem nunca foi. O aumento da concentração de
dióxido de carbono na atmosfera é uma questão política.
Conhecemos o efeito de estufa desde 1824
(Fourier), sabemos o sentido que as mudanças das concentrações de gases
atmosféricos provocam na variação de temperatura desde 1859 (Tyndall) e temos
uma previsão do aquecimento global pela duplicação do dióxido de carbono desde
1896 (Arrhenius). É simples: mais moléculas na atmosfera absorvem mais radiação
solar que se manifesta em mais energia sob a forma de calor. Como a queima de
combustíveis tem como efeito a produção de energia e dióxido de carbono, a
construção de uma economia baseada nessa queima não poderia senão aumentar
drasticamente a concentração de dióxido de carbono na atmosfera. Em 2019 temos
a maior concentração de dióxido de carbono atmosférico dos últimos 3 milhões de
anos. Nós existimos há 300 mil. Temos civilizações há 12 mil. Começámos a
queimar combustíveis fósseis há 200 anos. Não somos nós que não conseguimos
mudar, são os donos do capitalismo que não querem abdicar do seu monstruoso
poder.
Recentemente foi declarada a Emergência
Climática nos Parlamentos britânico, escocês, galês e irlandês. Há neste
momento duas propostas de declaração da emergência climática em Portugal (PAN e
BE). Mas sabemos que é uma forma simbólica de assinalar a realidade confirmada
por diferentes áreas do conhecimento: estamos na 6ª extinção em massa de
espécies, entrámos numa nova era geológica, há uma crise migratória que leva
dezenas milhões de pessoas a mover-se por todo o mundo porque os territórios
deixam de conseguir sustentar populações. São sequências que se vão tornando
normais: alterações climáticas, mais desastres naturais, meteorologia errática,
queda da produção agrícola, aumento da pobreza, migração para as zonas urbanas,
aumento de pressão nas regiões e estados, redução da produtividade e receita
fiscal, decréscimo de capacidade dos estados de enfrentarem exigências
crescentes e, em certas circunstâncias, violência colectiva até ao colapso.
Para evitar estes guiões conhecidos, a declaração de uma Emergência Climática
necessita de ser acompanhada de acção adequada.
Em 2018 Portugal conseguiu
a maior redução de emissões de CO2 na UE. Foi celebrada pelo governo e
divulgada pela imprensa, num exemplo do que pode ser uma emergência climática
declarada sem qualquer acção. Em 2018 as emissões caíram relativamente a 2017
porque em 2017 Portugal teve a quinta maior subida de emissões da UE, num ano
de incêndios florestais catastróficos e seca prolongada, com queda abrupta da
produção eléctrica hídrica. Já se celebra a “normalidade” como vitória. Mas não
há nenhuma normalidade: segundo o FMI, em 2017 os Estados de todo o mundo deram
o equivalente a 6,5% do PIB mundial às petrolíferas e empresas de carvão. 6,5%
do PIB mundial. A UE ofereceu-lhes 289 mil milhões.
Precisamos parar de fingir que não há
políticas climáticas em Portugal, na UE e no mundo. Há políticas e leis que
incentivam mais emissões, mais alterações climáticas, mais aquecimento global:
criam mais infra-estruturas fósseis como concessões petrolíferas, gasodutos,
aeroportos, portos GNL, auto-estradas. São leis que incentivam o colapso
climático e protegem a indústria fóssil, que restringem o movimento de
populações e comunidades em fuga da desestruturação natural e social. São todas
políticas climáticas. Os nossos impostos é que estão a criar o colapso.
Frente ao Parlamento, nas próximas sextas-feiras, jovens e menos jovens vão
ficar a noite toda em protesto, até à Greve Climática
Estudantil no dia 24 de Maio, para exigir a declaração de emergência
climática. Se for aprovada, precisamos que essa declaração sirva para alguma
coisa, começando por rasgar as leis que favorecem o colapso climático e
seguindo para a um programa político que comece a criar equilíbrio social e
natural. Olhando para quanto os fósseis recebem, será muito difícil argumentar
que não há dinheiro.
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