quarta-feira, 15 de maio de 2019

A EMERGÊNCIA CLIMÁTICA FAZ TODO O SENTIDO



A pronuncia sobre o Estado de Emergência Climática levou hoje a presença do Governo na Assembleia da Republica para responder a uma interpelação do Bloco de Esquerda. Esta interpelação faz todo o sentido uma vez que outros países, como a Irlanda e o Reino Unido, já fizeram declarações de Estado de Emergência Climática e sabemos que Portugal está na rota de catástrofes provocadas pelos transtornos que o clima está a sofrer.
De qualquer maneira, não causa grande admiração que o ministro do Ambiente, Matos Fernandes desvalorize a interpelação do Bloco, uma vez que nos encontramos em período de campanha eleitoral e dá pouco jeito considerar pertinente um tema tão importante vindo de um adversário político directo nestas eleições.
O que faz todo o sentido é deixarmos aqui um importante artigo de opinião sobre o Estado de Emergência Climática que José Camargo, investigador em alterações climáticas assina no “Público” de hoje.

A agenda da justiça climática fugiu da prisão em notas de rodapé a que estava confinada pela imprensa internacional. A declaração de Estado de Emergência Climática será discutida em breve no nosso Parlamento. E se for aprovada?
Para rebentar temporariamente a bolha comunicacional foi necessário que milhões de estudantes por todo o mundo fizessem greve às aulas pelo clima com manifestações multitudinárias, ao mesmo tempo que activistas climáticos bloqueavam e invadiam estruturas, estradas, pontes, edifícios e eram detidos por isso. Seria mais simples ouvir o que os cientistas dizem há 30 anos. Mas este não é um assunto técnico, nem nunca foi. O aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera é uma questão política.
Conhecemos o efeito de estufa desde 1824 (Fourier), sabemos o sentido que as mudanças das concentrações de gases atmosféricos provocam na variação de temperatura desde 1859 (Tyndall) e temos uma previsão do aquecimento global pela duplicação do dióxido de carbono desde 1896 (Arrhenius). É simples: mais moléculas na atmosfera absorvem mais radiação solar que se manifesta em mais energia sob a forma de calor. Como a queima de combustíveis tem como efeito a produção de energia e dióxido de carbono, a construção de uma economia baseada nessa queima não poderia senão aumentar drasticamente a concentração de dióxido de carbono na atmosfera. Em 2019 temos a maior concentração de dióxido de carbono atmosférico dos últimos 3 milhões de anos. Nós existimos há 300 mil. Temos civilizações há 12 mil. Começámos a queimar combustíveis fósseis há 200 anos. Não somos nós que não conseguimos mudar, são os donos do capitalismo que não querem abdicar do seu monstruoso poder.
Recentemente foi declarada a Emergência Climática nos Parlamentos britânico, escocês, galês e irlandês. Há neste momento duas propostas de declaração da emergência climática em Portugal (PAN e BE). Mas sabemos que é uma forma simbólica de assinalar a realidade confirmada por diferentes áreas do conhecimento: estamos na 6ª extinção em massa de espécies, entrámos numa nova era geológica, há uma crise migratória que leva dezenas milhões de pessoas a mover-se por todo o mundo porque os territórios deixam de conseguir sustentar populações. São sequências que se vão tornando normais: alterações climáticas, mais desastres naturais, meteorologia errática, queda da produção agrícola, aumento da pobreza, migração para as zonas urbanas, aumento de pressão nas regiões e estados, redução da produtividade e receita fiscal, decréscimo de capacidade dos estados de enfrentarem exigências crescentes e, em certas circunstâncias, violência colectiva até ao colapso. Para evitar estes guiões conhecidos, a declaração de uma Emergência Climática necessita de ser acompanhada de acção adequada.
Em 2018 Portugal conseguiu a maior redução de emissões de CO2 na UE. Foi celebrada pelo governo e divulgada pela imprensa, num exemplo do que pode ser uma emergência climática declarada sem qualquer acção. Em 2018 as emissões caíram relativamente a 2017 porque em 2017 Portugal teve a quinta maior subida de emissões da UE, num ano de incêndios florestais catastróficos e seca prolongada, com queda abrupta da produção eléctrica hídrica. Já se celebra a “normalidade” como vitória. Mas não há nenhuma normalidade: segundo o FMI, em 2017 os Estados de todo o mundo deram o equivalente a 6,5% do PIB mundial às petrolíferas e empresas de carvão. 6,5% do PIB mundial. A UE ofereceu-lhes 289 mil milhões.
Mais populares
Precisamos parar de fingir que não há políticas climáticas em Portugal, na UE e no mundo. Há políticas e leis que incentivam mais emissões, mais alterações climáticas, mais aquecimento global: criam mais infra-estruturas fósseis como concessões petrolíferas, gasodutos, aeroportos, portos GNL, auto-estradas. São leis que incentivam o colapso climático e protegem a indústria fóssil, que restringem o movimento de populações e comunidades em fuga da desestruturação natural e social. São todas políticas climáticas. Os nossos impostos é que estão a criar o colapso. 
Frente ao Parlamento, nas próximas sextas-feiras, jovens e menos jovens vão ficar a noite toda em protesto, até à Greve Climática Estudantil no dia 24 de Maio, para exigir a declaração de emergência climática. Se for aprovada, precisamos que essa declaração sirva para alguma coisa, começando por rasgar as leis que favorecem o colapso climático e seguindo para a um programa político que comece a criar equilíbrio social e natural. Olhando para quanto os fósseis recebem, será muito difícil argumentar que não há dinheiro. 

Sem comentários:

Enviar um comentário