Numa altura em que vai ter lugar uma nova
greve climática por parte dos jovens de todo o mundo, em defesa da humanidade
tal como a conhecemos, tem todo o cabimento que os mais relevantes
especialistas na defesa do ambiente se pronunciem relativamente à catástrofe de
que se abeira o nosso planeta, caso não sejam tomadas medidas da máxima urgência
no que diz respeito às alterações climáticas em curso. Há mais de trinta anos
que cientistas de relevo se vêm pronunciando sobre a necessidade de se impedir
que a destruição da vida na Terra atinja um ponto de não retorno. Quase todos
os pronunciamentos sobre esta temática têm caído em saco roto perante a força
de interesses poderosíssimos em várias áreas, nomeadamente no que diz respeito
ao travão que deve ser colocado no consumo de combustíveis fósseis.
Feliz coincidência é também a realização das
eleições europeias que trouxeram à baila a discussão das alterações climáticas
ainda que com intervenções de grande hipocrisia por parte daqueles que durante
anos não quiseram discutir esta temática.
Sobre o tema em apreço, deixamos aqui mais
um oportuno artigo de opinião, assinado por João Camargo, investigador em
alterações climáticas, que veio à estampa no “Público” de hoje.
Não foi surpreendente ouvir o ministro
do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, dizer no Parlamento que uma declaração
de Emergência Climática em Portugal seria apenas simbólica. Foi
coerente e há que reconhecer a coerência a quem nunca mostrou perceber a
química da atmosfera. Jovens por todo
o mundo sairão novamente às ruas para demonstrar, num movimento cada
vez mais continuado, que a impotência de governantes não produz automaticamente
impotência na população.
Os números devem ser repetidos, precisam ser repetidos: segundo o
Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, para evitarmos um
aumento de temperatura acima dos 1,5ºC, precisamos cortar 50% das emissões de
gases com efeito de estufa até 2030. Será a maior revolução da História da
Humanidade e consegui-lo não será apenas de um processo adaptativo, mas sim de
uma deslocação fundamental do poder, a retirada de uma força incomensurável do
comando dos destinos da Humanidade.
Precisamos repetir: desde 2015 que
devíamos ter parado todos os novos projectos de combustíveis fósseis à escala
global, para manter o aumento da temperatura abaixo dos 2ºC (a meta
indicativa do Acordo de Paris). Com a meta dos 1,5ºC, temos de
fechar infra-estruturas fósseis já em funcionamento e que se manteriam ainda no
futuro.
Estamos a falar das nações mais ricas do
mundo e das empresas mais poderosas que já existiram abdicarem de cerca de 90%
do que têm em reservas de petróleo, de gás e de carvão. Porque, ao contrário da
obediência cega a regras financeiras e orçamentais, nomeadamente à ideia de que
deve haver um equilíbrio nas contas públicas entre despesas a receitas, há um
desprezo total pelo equilíbrio orçamental do carbono atmosférico. O problema é
que desprezar o orçamento de carbono significa destruir as condições materiais
que permitiram o surgimento da civilização humana e condenar a Humanidade a
tentar sobreviver num planeta que ser-lhe-á mais agressivo do que nunca.
Uma parte relevante da economia
capitalista e das forças políticas que a gerem (sejam partidos, empresas ou think
tanks) estão a tentar vender-nos a ideia de que é possível negociar com a
química da atmosfera, estão a repetir-nos quase diariamente que é possível
convencer moléculas de dióxido de carbono e de metano a não absorverem tanto
calor. Temos adultos a subir a púlpitos e a falar directamente para microfones,
dizendo a países inteiros que “estão a fazer o que é politicamente possível”.
Mas uma molécula de dióxido de carbono não está minimamente preocupada com
questões de justiça, uma molécula de metano está-se borrifando para
expectativas de rendimentos futuros, as concentrações atmosféricas não poderiam
estar mais longínquas da discussão acerca da necessidade da economia crescer ou
qual a competitividade de um país em relação ao outro. A única coisa que
acontece quando há mais moléculas na atmosfera a receber mais radiação é que
fica mais quente. Não é um processo de negociação, com troca de argumentos,
retórica, e se conseguirmos uma capa de jornal ou a abertura de um telejornal a
dizer que o dióxido de carbono é um extremista ou um radical, ou que o metano é
irrazoável nas suas exigências, tal não provocará nenhuma modificação nas
características químicas dessas moléculas. E, por isso, quantas mais moléculas
forem colocadas na atmosfera, mais nos aproximaremos da inviabilidade.
Segundo a ciência climática, estamos na
década zero para podermos evitar ultrapassar concentrações atmosféricas sem
retorno que implicarão fenómenos climáticos de escala global que passarão a
reforçar o aquecimento do planeta, como o colapso da Amazónia ou a paragem da
circulação termoalina. As moléculas de dióxido de carbono que colocarmos hoje
na atmosfera ficarão lá em média 120 anos e as de metano em média 12.
Não havendo negociação possível com a
química da atmosfera, resta negociar com pessoas que compreendam a química da
atmosfera e o que significa a modificação destas concentrações. Os cientistas
estão a informar-nos há pelo menos três décadas daquilo que está a acontecer,
mas só agora há, pela primeira vez, movimentos de
massas em apoio à justiça climática e à acção climática contundente.
A resposta de Matos Fernandes no
Parlamento representa a satisfação de ser Campeão do Mundo do Fim do Mundo.
Portugal é – de facto – um dos países do mundo que mais políticas climáticas
tem aprovado, em particular na última década e meia. Mas o grave é que nem um
dos países do mundo com mais políticas climáticas aprovadas está a fazer o
suficiente para evitar o colapso climático. Se as políticas de Portugal fossem
as de todos os países do mundo, não conseguiríamos travar o aumento de
temperatura nos 2ºC, mas os dirigentes políticos escudam-se na inacção de
outros para evitarem ter políticas coerentes com o que diz a ciência. Portugal
não está a fazer o suficiente. Os outros países ainda menos. Nesta corrida para
o precipício a mediocridade e a cobardia política serão factores tão
importantes quanto a negação da ciência, em países muito mais importantes e com
muito mais responsabilidades do que Portugal alguma vez terá.
Estando no final a campanha eleitoral, agora quase todas as candidaturas
assumem discursos de “miss” a reivindicar acção contra a crise
climática, depois de a maior parte ter passado anos a fazer exactamente o
contrário disso. Não temos tempo para recriminações sobre o passado, mas
tampouco temos tempo para nos escudarmos em falsas soluções e na ideia de que
este será um processo lento que não afectará o status quo. Foi o status
quo do capitalismo global que nos pôs nesta situação, não a resolverá, e só
com imensa coragem colectiva conseguiremos ganhar a maior tarefa que alguma vez
foi colocada à espécie humana. Os jovens voltam
às ruas e o movimento global pela justiça climática está com eles.
Coragem, já é tarde demais para ser pessimista.
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