Cada eleição tem um carácter diferente das
outras e, particularmente a que se refere à que diz respeito ao Parlamento
Europeu (PE). Ainda que se saiba que as decisões deste órgão são determinantes para
o futuro de todos nós, inexplicavelmente, os eleitores portugueses têm vindo a
desinteressar-se cada vez mais das chamadas “eleições europeias” como se fosse
uma “coisa” que quase não nos diz respeito. No entanto, é do PE que vêm todas
as ordens decisivas para as nossas vidas. Isto significa que não faz o mais pequeno
sentido que se transponha os resultados das eleições do domingo passado para a
realidade nacional, projectando “os resultados das europeias numa contagem
hipotética de deputados nas legislativas” do próximo mês de outubro como afirma
Francisco Louçã na crónica que assina no “Expresso” Diário de hoje. Nenhuma ilação
é possível tirar a menos que esta projecção tenha um carácter estritamente
académico que deve ser salientado à partida, para que os portugueses não se
iludam com as configurações políticas que têm surgido na comunicação social
escrita e falada. Tudo não passa de pura especulação e é nessa base que deve ir
o nosso raciocínio. É, pois, muito interessante lermos o alerta de Louçã.
Percebo a tentação de projetar os
resultados das europeias numa contagem hipotética de deputados nas
legislativas. Vários jornais fizeram o exercício, entre os quais este em que escrevo. É interessante, desde
que se saiba que é uma fábula. O efeito alimenta todas as especulações: o PS, o
BE e o PAN com mais deputados, o PCP com menos dois, o PSD em queda abismal, o
CDS reduzido a metade, três dos pequenos partidos com um deputado cada. E, a
partir daí, o passo seguinte é simular as configurações políticas que resultam
desta projeção e, como se sabe, a imaginação não tem limites. Só que é tudo
especulação.
“A lógica do voto nas europeias é
muito diferente da lógica nas legislativas”, avisa Pedro Magalhães. Pois é.
Nas legislativas votam mais eleitores, incluindo de sectores sociais, regionais
e etários menos representados nas europeias; o efeito favorável ao partido de
Governo pode ser maior, a não haver nenhuma surpresa nas vésperas; o cálculo do
efeito do voto em círculos regionais, e já não no círculo nacional, pode
condicionar algumas escolhas e fazer desaparecer pequenos partidos. Por isso,
deve-se tratar este exercício de simulação com alguma cautela.
Para quem lê esta página e se pergunta
se estes exercícios de projeção não serão fumo com fogo, sugiro então dois
exercícios de memória. O primeiro é fazer para a realidade (passada) o que nos
sugerem agora para a imaginação (futura). Pegue nos resultados das eleições
europeias de 2014 e calcule os deputados que assim seriam obtidos nas
legislativas seguintes, comparando-os depois com os resultados reais de 2015.
Se fizéssemos o que hoje está a ser feito com os dados das europeias de 2014,
projetando-os para as legislativas, o PS ganharia (31,5%) e a coligação PSD-CDS
perderia (28%), o PCP arrasaria (13%) e o MPT também (7%), o Bloco cairia
(4,5%) e o Livre elegeria dois deputados (2,2%). Ora, não foi nada disto que se
passou nas legislativas. O PS ficou pelo mesmo resultado, a coligação das
direitas teve mais 10%, o MPT reduziu-se para 0,4% e o Livre para 0,7%, o Bloco
subiu para 10,2% e o PCP ficou em 8,3%. Está a ver a diferença? Quem tivesse
feito o seu prognóstico para as legislativas na base dos resultados das
europeias ter-se-ia enganado num total de 29% dos votos. Seria um engano
colossal. Se está tentado a fazer o mesmo, lembre-se do que a realidade ensina.
Um segundo exercício reforça
esta nota de precaução quanto ao projecionismo. Imagine agora que o exercício
que está a ser feito dos resultados das europeias para as legislativas tinha
sido feito das autárquicas para as legislativas, ou para as europeias. O PCP,
com 9,5% do total nacional e com 489 mil votos nas autárquicas, um notável
resultado que é mais do dobro do que teve nestas europeias, cresceria
substancialmente nesta projeção. Porque é que isso não foi simulado? Porque se
sabe que são eleições diferentes que exprimem realidades diferentes. Essa
cautela é razoável. Mais valia que fosse aplicada agora, para que os autores
das projeções não tenham muitos desgostos se porventura no dia 6 de outubro à
noite alguém se lembrar destas páginas que agora foram escritas. Em todo o
caso, que a prudência dos prudentes não se deixe enlevar pela magia de números
que são imaginários.
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