terça-feira, 28 de maio de 2019

ELEIÇÕES DIFERENTES QUE EXPRIMEM REALIDADES DIFERENTES



Cada eleição tem um carácter diferente das outras e, particularmente a que se refere à que diz respeito ao Parlamento Europeu (PE). Ainda que se saiba que as decisões deste órgão são determinantes para o futuro de todos nós, inexplicavelmente, os eleitores portugueses têm vindo a desinteressar-se cada vez mais das chamadas “eleições europeias” como se fosse uma “coisa” que quase não nos diz respeito. No entanto, é do PE que vêm todas as ordens decisivas para as nossas vidas. Isto significa que não faz o mais pequeno sentido que se transponha os resultados das eleições do domingo passado para a realidade nacional, projectando “os resultados das europeias numa contagem hipotética de deputados nas legislativas” do próximo mês de outubro como afirma Francisco Louçã na crónica que assina no “Expresso” Diário de hoje. Nenhuma ilação é possível tirar a menos que esta projecção tenha um carácter estritamente académico que deve ser salientado à partida, para que os portugueses não se iludam com as configurações políticas que têm surgido na comunicação social escrita e falada. Tudo não passa de pura especulação e é nessa base que deve ir o nosso raciocínio. É, pois, muito interessante lermos o alerta de Louçã.

Percebo a tentação de projetar os resultados das europeias numa contagem hipotética de deputados nas legislativas. Vários jornais fizeram o exercício, entre os quais este em que escrevo. É interessante, desde que se saiba que é uma fábula. O efeito alimenta todas as especulações: o PS, o BE e o PAN com mais deputados, o PCP com menos dois, o PSD em queda abismal, o CDS reduzido a metade, três dos pequenos partidos com um deputado cada. E, a partir daí, o passo seguinte é simular as configurações políticas que resultam desta projeção e, como se sabe, a imaginação não tem limites. Só que é tudo especulação.
“A lógica do voto nas europeias é muito diferente da lógica nas legislativas”, avisa Pedro Magalhães. Pois é. Nas legislativas votam mais eleitores, incluindo de sectores sociais, regionais e etários menos representados nas europeias; o efeito favorável ao partido de Governo pode ser maior, a não haver nenhuma surpresa nas vésperas; o cálculo do efeito do voto em círculos regionais, e já não no círculo nacional, pode condicionar algumas escolhas e fazer desaparecer pequenos partidos. Por isso, deve-se tratar este exercício de simulação com alguma cautela.
Para quem lê esta página e se pergunta se estes exercícios de projeção não serão fumo com fogo, sugiro então dois exercícios de memória. O primeiro é fazer para a realidade (passada) o que nos sugerem agora para a imaginação (futura). Pegue nos resultados das eleições europeias de 2014 e calcule os deputados que assim seriam obtidos nas legislativas seguintes, comparando-os depois com os resultados reais de 2015. Se fizéssemos o que hoje está a ser feito com os dados das europeias de 2014, projetando-os para as legislativas, o PS ganharia (31,5%) e a coligação PSD-CDS perderia (28%), o PCP arrasaria (13%) e o MPT também (7%), o Bloco cairia (4,5%) e o Livre elegeria dois deputados (2,2%). Ora, não foi nada disto que se passou nas legislativas. O PS ficou pelo mesmo resultado, a coligação das direitas teve mais 10%, o MPT reduziu-se para 0,4% e o Livre para 0,7%, o Bloco subiu para 10,2% e o PCP ficou em 8,3%. Está a ver a diferença? Quem tivesse feito o seu prognóstico para as legislativas na base dos resultados das europeias ter-se-ia enganado num total de 29% dos votos. Seria um engano colossal. Se está tentado a fazer o mesmo, lembre-se do que a realidade ensina.
Um segundo exercício reforça esta nota de precaução quanto ao projecionismo. Imagine agora que o exercício que está a ser feito dos resultados das europeias para as legislativas tinha sido feito das autárquicas para as legislativas, ou para as europeias. O PCP, com 9,5% do total nacional e com 489 mil votos nas autárquicas, um notável resultado que é mais do dobro do que teve nestas europeias, cresceria substancialmente nesta projeção. Porque é que isso não foi simulado? Porque se sabe que são eleições diferentes que exprimem realidades diferentes. Essa cautela é razoável. Mais valia que fosse aplicada agora, para que os autores das projeções não tenham muitos desgostos se porventura no dia 6 de outubro à noite alguém se lembrar destas páginas que agora foram escritas. Em todo o caso, que a prudência dos prudentes não se deixe enlevar pela magia de números que são imaginários.

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