Já é percetível nesta altura que a desgraça
que caiu sobre a humanidade vai custar muitos, muitos milhares de mortos e,
recorrendo a uma expressão popular, a procissão ainda vai no adro. A pandemia
teve início na China e espalhou-se logo de seguida por muitos países do norte
desenvolvido, onde é suposto haver sistemas de saúde adequados às necessidades
das populações. Mas haverá?
Não dá para imaginar o morticínio que virá
a acontecer nos países pobres do sul, sem estruturas de saúde dignas desse nome
e governados por tiranos, para os quais a situação sanitária do povo é o que
menos interessa.
No que diz respeito à situação portuguesa,
o que se está a passar constitui uma tremenda derrota para os ideólogos do
neoliberalismo, “nesta altura em que o SNS constitui a defesa dos portugueses face
à pandemia” como afirma Domingos Lopes no artigo de opinião que assina no “Público”,
e que reproduzimos a seguir. “Os médicos e restantes trabalhadores da saúde do SNS
são a primeira linha do combate ao vírus assassino” porque é o Estado o único
com capacidade de levar a cabo esta luta que será ciclópica. Já todos
percebemos que o setor privado da saúde perdeu por falta de comparência. Em
termos futebolísticos apanhou uma monumental cabazada que lhe fez perder a voz.
Seria importante que os portugueses conseguissem interpretar em profundidade a
falta de argumentos daqueles que defendem a entrega da saúde à iniciativa
privada…
É natural que aos ideólogos do
neoliberalismo lhes falte a voz nesta altura em que o SNS constitui a defesa
dos portugueses face à pandemia.
Os médicos e restantes trabalhadores da
saúde do SNS são a primeira linha do combate ao vírus assassino; não porque não
haja nos que trabalham no setor privado gente solidária e competente, mas
porque é o Estado o único capaz de o fazer. O setor privado não compareceu. Ou
compareceu para ganhar mais
uns “tostões” com os testes.
Não se trata de qualquer obsessão pelo
Estado, mas é evidente que a sua centralidade num Estado de direito democrático
e social se revela decisiva.
Portugal, neste tempo de pandemia,
depende do SNS. Afirmá-lo em voz alta é tão natural como o oxigénio que se
respira.
Quem faz melhor quando o desafio tem
esta envergadura? Que fez o sistema de saúde privado?
O SNS, abandonado para salvar os bancos
da ganância, não é nenhuma maravilha, nem sequer adequado à missão, mas nesta
luta titânica é ele que nos está a salvar.
Ao afirmá-lo não se quer dizer, ao
contrário do que por aí se escreve, que os liberais não querem Estado. Querem,
querem, ai se querem… A questão é – para quê? E a resposta é simples – para que
do alto da sua maquinaria administrativa, securitária e militar se assegure que
o essencial da estrutura das sociedades dominadas pelo neoliberalismo se
mantenha, isto é, que se assegure que a riqueza produzida seja distribuída de
modo a que o setor financeiro se locuplete à fartazana, que os multibilionários
engordem à custa dos baixos salários ou dos despedimentos selvagens. Sem
Estado, os liberais não conseguiam esta “façanha”.
Sem o Estado a proteger a saúde dos
cidadãos seria a corrida às armas, como acontece nos EUA. Nesta conceção de
modo de viver os homens são os lobos (sem desprimor para esta espécie) do
próprio homem. Veja-se o tipo de Estado e de sociedade com Trump ao comando. O
importante é ter armas para se defenderem dos seus compatriotas, não é a saúde
pública; cada um que trate de si e, para tal, armas na mão.
É o Estado, através das suas funções na
Saúde, Ensino, Segurança Social, Administração Interna, quem pode deitar a mão
aos portugueses, mesmo quando há tantas insuficiências e falhas. Essa é que é
essa.
Não são gritos nem gritinhos, como
alguém escreveu; são clamores de evidência de quem é capaz de tratar da saúde
das portuguesas e dos portugueses.
Em 2008 pagamos a crise provocada pela
gula do sistema financeiro, que recuperou à custa do empobrecimento geral e
depois se instalou também na Saúde para fazer grandes negócios.
Apesar do empobrecimento que impôs o
desinvestimento no SNS, os ideólogos de direita engolem em seco, não gritam
porque já muitos mais cidadãos estão a ver que o rei vai nu. Calam-se a ver se
passa a pandemia para de novo se atirarem à Saúde à procura do lucro e, quiçá
capturando o Estado, fazerem do SNS um lugar impróprio e, em paralelo,
reduzindo a Saúde nos privados em belas parcerias pagas pelos impostos dos
contribuintes.
Claro que os privados têm todo o direito de terem negócios na saúde, mas
que façam à custa exclusiva das suas capacidades e competências. Querem que o
Estado que dizem abominar lhes assegure lucros fabulosos e limpos. Sem riscos.
A crise pandémica tornou esta evidência mais clara. Por isso ficaram sem voz.
Não gritam por parcerias para tratar os doentes covid-19. Assobiam. E acenam
com uns tantos ventiladores. E pouco mais. De todos os modos, o que vier, se
vier, fará falta. Que venha.
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