(…)
Simultaneamente,
numa espécie de vingança biológica, é no interface da desflorestação que se
produzem as pandemias actuais e futuras.
(…)
A
desflorestação intencional é uma declaração de guerra à vida.
(…)
As
florestas globais estão altamente fragmentadas, vítimas da cobiça capitalista
por solos, madeira, animais, propriedade.
(…)
Nós,
enquanto espécie, beneficiamo-nos também desses sistemas [florestais].
(…)
Se a
principal causa da desflorestação é a cobiça pelos valores naturais que residem
nas florestas (…) –, o que sobra depois da rapina (…) é a devastação absoluta
da complexidade e da abundância.
(…)
A
desflorestação produz escassez, debilidade e doença. Literalmente mata-se a
galinha dos ovos de ouro.
(…)
Que
não haja qualquer equívoco: as empresas ditas “florestais” não trabalham em
florestas, excepto naquelas que destroem, operam no campo da extração.
(…)
Monoculturas
de plantas de espécies florestais nunca são florestas.
(…)
A
desflorestação, em particular nos países mais pobres, aqueles com processos de
industrialização mais tardios, é onde os patogénicos que criarão as pandemias
do futuro surgem.
(…)
O
local da desflorestação é a zona quente de transmissão das pandemias.
(…)
As
estradas que cortam as florestas primárias para poder executar o trabalho de
extração dos “recursos” tornam-se estradas de doença.
(…)
Embora
a Humanidade sempre tenha cortado árvores, a desflorestação como processo
industrial surge em particular a partir dos anos 70 do século passado, levada a
cabo como resposta à intensificação da globalização capitalista.
(…)
Nos
últimos 40 anos vimos surgir nos interfaces com a floresta várias doenças.
(…)
A
directiva de energias renováveis da União Europeia é um agente activo de
desflorestação quer na Europa, quer fora dela.
(…)
O
capitalismo não vai resolver a crise climática, recusando-se a fazer os cortes
necessários de emissões e aposta todas as suas fichas em soluções falsas para
enganar a sociedade.
(…)
É
preciso plantar florestas para ficarem nos sítios, para criarem os sistemas
organizadores de vida sem os quais nós não podemos sobreviver, e isso não dá
lucro.
(…)
Em
capitalismo não há empresas que façam coisas que não dêem lucro, e por isso não
vão resolver essa crise [climática].
João Camargo, “Expresso” Diário
As trincheiras virtuais deste tempo não provocam
mortos. Mas cada morto é uma trincheira.
(…)
[Com
Otelo] em vez de uma análise distanciada de um percurso contraditório, quiseram
um julgamento em cima do seu caixão.
(…)
Até
quando Otelo estava a ser julgado pelo seu envolvimento nos crimes das FP-25 os
debates eram menos maniqueístas.
(…)
Depois
de 1980, a democracia já se tinha encarregado de oferecer sucessivas derrotas a
Otelo, delimitando o que dele ficava para a História.
(…)
Com
Otelo, secundarizou-se o que de mais relevante ele deu à história portuguesa.
(…)
Querem
ofuscar a revolução libertadora, de que foi comandante operacional.
(…)
[Há
uma] crescente influência da extrema-direita no debate público.
(…)
É
preciso deslegitimar a origem específica da nossa democracia para construir
outra no imaginário popular.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
Há
fundos esbanjados em formação que não é bem formação, é mais negócio e disfarce.
(…)
Os
€5,5 mil milhões para qualificação foram anunciados esta semana.
(…)
A
formação profissional é também um negócio, um grande negócio.
(…)
De vez
em quando, uns são apanhados em fraudes.
(…)
A
formação não é só um negócio, é em parte também uma farsa, em que muitos
desempregados deixam de contar como desempregados porque estão em “ações de
formação”.
(…)
A
farsa é a manipulação estatística, claro, mas é sobretudo o desperdício de
dinheiro, de oportunidades, de futuros possíveis.
Pedro Santos Guerreiro, “Expresso” (sem link)
As
leituras maniqueístas são, afinal, apenas leituras maniqueístas e, no caso,
ignoram o legado extraordinário (…) e paradoxal de Otelo (…).
(…)
Belém
e São Bento, na tradição hiper-realista de, ao mais pequeno vislumbre de
dificuldade, procurarem ficar fora da fotografia, escolheram pronunciamentos
entre o hesitante e o fugidio.
(…)
O que
nos devolve ao presente: as reações à morte de Otelo são menos sobre o passado
e mais um retrato da atualidade democrática.
(…)
E se o
dia 25 de Abril teve rostos decisivos, foi, no essencial, uma ação coletiva de
evolução não-linear.
(…)
E a
democracia que somos hoje, nas suas forças e fragilidades, é ainda o
prolongamento desse tempo pleno de contradições.
(…)
Permanece
uma maioria, porventura mais silenciosa, mas muito expressiva, que se
reencontra num espaço plural, de tolerância e de respeito mútuo.
(…)
Que
tenha sido o seu adversário eleitoral de então [Eanes em 1976] quem mais longe
foi no reconhecimento do papel histórico de Otelo deve ser lido, aos olhos de
hoje, como medida do sucesso da nossa democracia.
Pedro Adão e Silva, “Expresso” (sem link)
Para o
debate político e cívico, só há duas componentes que ganham em ser colocadas a
preto e branco: uma é do domínio ético, é justo ou injusto; e outra do domínio
factual, é verdade ou mentira.
(…)
As
coisas têm cor, as que se vêem e as que não se vêem, mas hoje, se não forem a
preto e branco, não circulam no ambiente tribal das políticas dos nossos dias.
(…)
Ou é dos nossos, ou é contra nós. Este estilo está a migrar
para toda a comunicação social.
(…)
O
preto e branco é simples, é preguiçoso, é redutor, é cómodo, não implica
qualquer saber ou trabalho, e é eficaz para arregimentar pessoas para a
política tribal.
(…)
Nada é
verificado, frases, factos, opiniões, nada é datado, nada tem o contexto das
circunstâncias, como se tudo fosse na mesma e os tempos fossem iguais.
(…)
Os
ódios pessoais e políticos são o grande motor de um universo que não é assim
muito grande – são poucas dezenas de pessoas, quando se trata de política, que
vivem todas em cima umas das outras.
(…)
O espectáculo dos últimos dias com a morte de
Otelo é um bom exemplo de como isto está. Tudo
o que escrevi antes aconteceu e acontece, para nossa vergonha colectiva.
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