segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A BRUTALIDADE DAS DESIGUALDADES ECONÓMICAS


O texto seguinte, que retirámos do Público de hoje, é da autoria da Embaixadora do Ano Europeu para o Desenvolvimento (*). Todo ele merece uma leitura atenta até porque a simplicidade da mensagem que contém leva a que seja de fácil compreensão.
Com exemplos sobejamente conhecidos, Cláudia Semedo explica com facilidade que o grau de desenvolvimento de um país condiciona a gravidade das consequências de uma qualquer catástrofe natural (ou não). A partir daqui, podemos compreender o que é para a vida das pessoas de países muito pobres o aumento das desigualdades que grassa pelo mundo, fruto de um sistema que, em vez de as combater, ainda contribui para as aprofundar. “Veja-se o exemplo do terramoto do Haiti, onde morreram mais de 200 mil pessoas. Poucas semanas depois, um terramoto de maior magnitude atingiu o Chile, país com melhor condição, e o número de baixas não ultrapassou as 5 centenas”. Tudo isto tem a ver com as condições gerais da vida das pessoas em ambos os países, em áreas como a educação, a saúde, a habitação, o saneamento básico e muitas outras que potenciam ou diminuem o impacto de qualquer catástrofe.
O sismo e tsunami do Oceano Índico que, em 2004, inundou a Indonésia, o terramoto que, em 2010, abalou o Haiti ou a guerra na Síria que, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, já provocou a morte de mais de 240 mil pessoas são apenas três exemplos de catástrofes que nos fazem colar à televisão, durante dias a fio, à espera de saber as causas, a dimensão e as consequências de tragédias que deixam um rasto de morte e marcas profundas na comunidade mundial.
Três acontecimentos que convocam o nosso espírito de solidariedade e compaixão. Três momentos em que a resposta à habitual pergunta, “Mas o que é que eu posso fazer?” surge natural e imediatamente. Aparecem muitos voluntários, os objectivos dos habituais apelos telefónicos são superados, as roupas mais gastas saem dos armários, as conservas, pacotes de arroz, de massa e feijão voam das prateleiras dos supermercados para bancos alimentares. Todos queremos ajudar e muitas vezes não sabemos como. Uma onda de produtos, muitos obsoletos e sem cabimento, entope as organizações e torna o processo de escoamento moroso, pela necessidade de cuidada selecção. E o tempo vai passando, as imagens vão perdendo o impacto que a novidade provoca, as reportagens vão diminuindo a frequência com que passam e a normalidade instala-se lenta mas eficazmente. E desligamos, talvez no momento em que os países que foram afectados mais precisam de nós para reerguer as suas infraestruturas. Mas, para isso, neste nós tem de caber muito mais do que a vontade pessoal de cada cidadão. Há que reunir esforços entre os governos centrais, as autoridades locais, a sociedade civil, o sector privado e os centros de pensamento para que surjam estratégias concertadas e a longo prazo no sentido de um desenvolvimento sustentável.
A ajuda humanitária é accionada em situações de emergência e tem como propósito salvar vidas, aliviar o sofrimento e preservar a dignidade humana das populações durante e após as crises, mas também prevenir e reforçar a capacidade de resposta para quando ocorram tais situações.
É necessário cuidar dos sobreviventes e, numa lógica de autonomização, criar condições para o retorno à vida normal mas é fundamental que se invista na prevenção pois, só assim, é possível diminuir o impacto destas catástrofes que afectam desproporcionalmente os países, as comunidades e as populações mais vulneráveis.
97% das mortes devido a desastres naturais acontece em países em desenvolvimento; um terço das pessoas que se encontram em situação de pobreza extrema vive em países frágeis e dilacerados por conflitos armados; não é por acaso, nem por desígnio divino.
As desigualdades económicas revelam-se nas formas mais brutais. O fosso é cada vez mais profundo, a bola de neve agiganta-se e faz cada vez mais vítimas à sua passagem.
Os países economicamente menos viáveis não conseguem agir para além da sobrevivência diária, daí a preparação para situações de risco ficar para segundo, terceiro ou em nenhum plano.
Veja-se o exemplo do terramoto do Haiti, onde morreram mais de 200 mil pessoas. Poucas semanas depois, um terramoto de maior magnitude atingiu o Chile, país com melhor condição, e o número de baixas não ultrapassou as 5 centenas.
É urgente equilibrar a balança do direito à vida.
A cooperação entre países tem de ser mais eficaz e pensada com maior seriedade, celeridade e vontade política.
Não podemos continuar a olhar para o lado e assobiar como se nada fosse enquanto milhares de pessoas se entregam ao mar e à morte como único recurso possível.
O aumento das catástrofes naturais e dos conflitos armados, na sua maioria provocados pela competição por recursos escassos, tem de nos fazer parar para repensar a forma como interagimos com a natureza e entre pares.
Não há igualdade ou justiça possíveis enquanto todas as vidas não valerem exactamente o mesmo.
É urgente que olhemos para as necessidades do outro como se nossas fossem.
É urgente que exijamos o respeito pela vida do outro como se da nossa se tratasse.
É urgente que pensemos em prevenir em vez de remediar.
(*) Cláudia Semedo

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