Nicolau
Santos cita hoje no Expresso Curto uma afirmação que o estomatologista e membro
da Associação de Medicina de Proximidade, José Mário Martins fez ao Público e,
segundo a qual, “Os últimos dados disponibilizados pelo INE
dizem-nos que os portugueses estão já a pagar do seu bolso 28% das suas
despesas de saúde". Trata-se de uma chamada de atenção muito
importante para todos nós e, por estarmos em tempo de férias, pode passar
despercebida a muita gente. Não tenhamos a mais pequena dúvida de que o objectivo
principal da coligação de direita é fazer com que os portugueses paguem ainda
mais do seu bolso as despesas de saúde, convertidas em negócio, assim como
todos os gastos de carácter social que nos são garantidos mercê dos impostos
que nos são cobrados. Mas, o pior é que vamos passar a pagar do nosso bolso,
entre outros, saúde e educação e, ao mesmo tempo, estaremos assoberbados de
impostos que não irão ser reduzidos, no essencial.
Neste tempo de campanha eleitoral, em que a
coligação PàF promete uma série de medidas de combate às desigualdades, é bom
termos presente que, tal como afirma no seguinte texto que transcrevemos do
Público a politóloga Ana Rita Ferreira, estamos perante um discurso “falacioso”
já que não é possível atingir aqueles fins “através dos meios que preconizam”.
Estamos, pois, perante mais um rol de promessas que não são para cumprir.
Os
discursos de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas na apresentação do programa
eleitoral da coligação levar-nos-iam a esperar que PSD e CDS propusessem, neste
documento, uma série de medidas que visassem combater as desigualdades, de tal
modo esta meta foi sublinhada pelos dois líderes nessa ocasião.
Algumas
passagens do programa apresentado ajudariam a reforçar esta ideia: é-nos dito,
logo no início, que a coligação “Portugal à Frente” (PàF) irá ter “como
preocupação primeira o combate, sem tréguas, às desigualdades sociais” (p. 6).
No entanto, as principais medidas propostas neste mesmo manifesto eleitoral não
se coadunam com a retórica utilizada previamente, pois muitas delas, não só não
irão combater as desigualdades, como irão até contribuir para as acentuar.
A
coligação propõe, por exemplo, o plafonamento das contribuições para a
Segurança Social, podendo os trabalhadores com salários (e contribuições) mais
elevados passar a descontar o montante acima de um determinado tecto para
seguros privados de protecção social (p. 35). Isto significa passar do actual
sistema de repartição, que assenta numa filosofia solidária e redistributiva –
na medida em que se pretende que as prestações contributivas, nomeadamente as
pensões, embora mais elevadas para quem mais descontou e vice-versa, contribuam
para diminuir o fosso remuneratório entre beneficiários – para um sistema com
uma componente de capitalização, que apenas garante prestações sociais públicas
mínimas e a manutenção, em situação de velhice, desemprego, ou outra, das
desigualdades que marcaram a vida laboral.
O
PàF também sugere que se introduzam mecanismos de “liberdade na escolha do
projecto educativo” (p. 18). Esta ideia degeneraria inevitavelmente num sistema
diferenciado, com escolas para os filhos dos mais pobres e outras para as
famílias mais ricas – aquelas que teriam recursos para garantir que os seus
filhos teriam acesso a uma série de condições que lhes permitiriam lutar pelos
lugares nas “melhores escolas”. O mesmo se verificaria com a ideia de
“liberdade de escolha” no sector da saúde (p. 41), uma vez que esta acabaria
por se traduzir numa situação em que o acesso aos serviços fica dependente dos
seguros privados de saúde dos beneficiários, os quais estão relacionados com as
situações económicas individuais. Aumenta-se a liberdade de escolha para apenas
uma pequena parte da população, mas eternizam-se desigualdades.
Até
a proposta emblemática de “aumentar as pensões mínimas, sociais e rurais” (p.
36) em nada contribui para reduzir as desigualdades (nem sequer a pobreza).
Sobre o CSI ou o RSI, pelo contrário, nada é dito. No fundo, no programa do
PàF, é-nos apresentado um cardápio de medidas que, em vez de inverter a
trajectória de aumento das desigualdades dos últimos quatro anos, irá aumentar
o fosso entre os mais ricos e os mais pobres.
Aquilo
que a coligação nos propõe é um aprofundamento do modelo de Estado Social
liberal que tem vindo a desenvolver na última legislatura: um modelo de
protecção social pública que visa apenas garantir condições mínimas de
subsistência aos indivíduos – cabendo ao sector privado prestar outros bens e
serviços sociais a quem tiver recursos para os adquirir no mercado. Na verdade,
e também em linha com a sua actuação governativa, PSD e CDS defendem até
elementos típicos de um modelo conservador de Estado Social, uma vez que
consideram que muitas destas funções de protecção social básica devem ser cada
vez mais retiradas da esfera de execução do Estado e delegadas nas
“instituições da economia social” (p. 33) – instituições particulares que
actuam com uma lógica assistencialista e caritativa dirigida apenas aos grupos
mais pobres.
O
que o PàF nos sugere é acentuar o corte com o modelo de Estado Social
social-democrata que o país construiu. Este paradigma de Estado Social entende
que há bens e serviços que, por serem essenciais à vida humana, devem ser
prestados a todos os cidadãos igualmente pelo simples facto de serem cidadãos,
independentemente da sua condição social e económica. É um modelo de Estado
Social que entende as funções sociais que presta (escolas, hospitais,
prestações sociais, etc.) como garantes de direitos sociais universais e
gratuitos (à educação, à saúde, à protecção nas várias situações de risco,
etc.). É, por isso, o único modelo de Estado Social que assume ter a redução
das desigualdades como seu objectivo. E é impossível querer afastar-se desta
visão de direitos sociais, seguindo um caminho de assistência social que não
encara o prestador público como garante de igualdade no acesso a bens e
serviços sociais, e pretender simultaneamente reduzir o fosso económico-social.
Com as medidas concretas que
nos apresenta no seu programa, a coligação está a mostrar-nos como o seu
discurso é, na verdade, falacioso. O modelo que o PàF deseja continuar a
expandir não irá procurar reduzir desigualdades, simplesmente porque não é
possível atingir este fim através dos meios que preconiza.
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