Pessoas
dos mais variados quadrantes ideológicos vêm chamando a atenção para o caminho
que nesta altura a Europa está a seguir e o perigo de ressuscitar os fantasmas
da primeira metade do século XX.
A
situação gerada pela mal apelidada crise grega, se outra vantagem não teve, ao
menos, veio mostrar a verdadeira face de quem domina a Europa e os seus reais
intentos. E é aqui que nascem as preocupações de muitos que imaginavam que a integração
europeia iria impedir qualquer possibilidade, ainda que mínima, de repetição de
tragédias e catástrofes como as que assolaram, de uma forma particular, a Europa
entre 1914 e 1945.
O
texto seguinte, que recolhemos do Público de hoje, é uma análise muito lúcida
de uma personalidade (*) que não tem nada de esquerdista radical, sobre os
perigos que acarretam a imposição de políticas de austeridade extrema por parte
daqueles que se esquecem ou fingem esquecer que o fim último da União Europeia
é a preservação da Paz na Europa.
A
profunda crise em que a Europa, e não só a Grécia, está mergulhada, envolvida
numa complexa e perigosa crise internacional, fez-me recordar três frases.
Uma
de Marcello Mathias, nas “Memórias da Abuxarda”: “os eurocratas são burocratas
que não gostam dos povos”. Como é certeira para quem conhece por dentro o mundo
das instituições europeias.
A
segunda é de Merkel, que afirmou que se acabar o consenso acaba a Europa.
Consenso em europês quer dizer uma solução em que todos se podem rever, mesmo
se a maioria, ou mesmo todos, ficam parcialmente insatisfeitos. O consenso foi
durante décadas a força da Europa. Por isso os iniciados arrepiavam-se quando
os recém-chegados falavam de votos ou vetos.
A
terceira escrevi-a eu há anos e incluí-a num artigo há tempos aqui publicado.
Dizia que a História está repleta de tragédias e catástrofes causadas pela
falta de clarividência dos dirigentes. Acrescentava que “a integração europeia
foi o maior rasgo de lucidez da História” e concluía que “seria trágico que a
geração que herdou esta construção sem precedentes, em que uma geração soube
construir sobre a experiência da anterior, desbaratasse essa herança, logo
quando os valores que arvorava pareciam poder ter vencimento universal”
É
o que está a suceder. A Europa já não negoceia com a Grécia. Negoceia contra a
Grécia. Que é Europa…Os eurocratas, liderados e reforçados pela posição do
ministro das Finanças alemão, que não esconde o ódio e o desprezo (veja-se a
inquietante expressão corporal da “piada” sobre Porto Rico) por quem ousa
contestar e desafiar a sua receita para a crise. Não querem resolver a crise do
Euro. Querem impor a superioridade da ética calvinista à alegada maior
plasticidade das sociedades de tradição católica e ortodoxa e levar até ao fim
a receita de austeridade, que não aceitam rever, mesmo face às suas evidentes
insuficiências.
Entrou-se
numa espiral de recriminações, de embates nacionalistas, destruindo a
confiança, esquecendo a prevalência do interesse comum, fundamento da União.
Iniciou-se um processo de fragmentação e de luta pela imposição do poder de uns
sobre os outros, que os dirigentes europeus, aparentando uma alarmante
ignorância histórica, não parecem compreender pode levar a um ambiente propício
ao regresso dos velhos fantasmas que assombraram a Europa no século XX. Era bom
ter presente que o custo que verberam da solução da actual crise financeira é
muito menor do que poderá ser o de uma Europa de novo lançada num a ambiente de
hostilidade.
Tudo
isto enquanto vêm desaguar nas praias europeia os quase cadáveres das crise que
os erros das politicas ocidentais ajudaram a multiplicar e se afirmam por
vários países europeus ideologias xenófobas e racistas que vão erguendo novos
muros, de pedra ou ideológicos, assim se espezinhando os valores basilares da
Europa, perante a aparente indiferença dos seus líderes.
É
tempo de parar. De procurar inspiração nos Pais da Europa, mas também nos
vencedores da segunda guerra, de Churchill a Schumann, de Monnet a Adenauer, de
De Gaulle a De Gasperi. Os membros da União Europeia devem voltar a negociar
uns com, e não contra, os outros. Ter a noção que não se trata de impor os
cumprimento de regras - que aliás convenientemente se esquece quase todos
violam – mas repensar se essas são as regras adequadas a cada situação. Há que
encontrar uma solução pragmática baseada nos princípios dos Tratados para a
urgência grega – só não será possível se não houver vontade política. Mas há
que ter a coragem de rever as insuficiências da arquitectura do Euro, para o
dotar de todos os instrumentos de uma verdadeira moeda única aplicável às
assimetrias económicas das regiões que a integram. E bem assim desenhar uma
política de saneamento financeiro compatível com o crescimento e que não
sobrecarregue com medidas regressivas países em regressão.
No
outro dia, fazendo zapping entre notícias sobre o Eurogrupo e o fel derramado
por alguns dos seus membros, vi imagens da miséria dos deslocados alemães que
se arrastavam pelos caminhos da Europa no fim da segunda guerra. Tenho um
querido amigo que me contou a sua experiência pessoal quando, então, se
deslocou a pé da Prússsia Oriental para ocidente. Trabalhámos muitos anos
juntos, e sublinho o juntos, nas instâncias europeias, com o entusiamo de quem
acreditava que a integração garantia que tal não voltaria a acontecer. O teste
dos líderes europeus estará na sua capacidade de terem presente que o fim
último da União Europeia é a preservação da Paz na Europa. Fim que tem de se
sobrepor a dificuldades conjunturais, por graves que sejam, as quais têm de ser
ultrapassadas em conjunto e não por imposições de uns sobre outros.
(*) Fernando d’Oliveira Neves, Embaixador
reformado
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