(…)
Com Jürgen
Habermas, habituámo-nos a pensar a democracia como um espaço de debate
regrado entre uma pluralidade de pontos de vista.
(…)
A esta construção partilhada chamou [Habermas]
“racionalidade comunicativa” e havia que capacitar toda a gente para ela.
(…)
Se hoje a opinião pública é assaltada por
gritos que desprezam o compromisso com a verdade e dispensam o jornalismo
(…)
talvez a boa alternativa não seja insistir na estreiteza de uma esfera pública
de elites do discurso, mas cultivar a participação cívica dos gestos, esfera
pública de manualidades.
André Barata, “Público” (sem link)
Não tem merecido debate público, mas é uma
mudança paradigmática trazida pelo programa do atual governo da AD [as respostas
sociais para pessoas idosas e para as crianças]
(…)
A rede de respostas sociais comparticipadas pelo
Estado sempre foi, no Portugal democrático, um monopólio do setor não lucrativo.
(…)
[A rede] integra 10.680 respostas sociais
servindo 118.260 crianças em creches e 280.448 pessoas idosas a frequentar
centros de dia, lares de idosos e a beneficiar de apoio domiciliário - não
teria a participação do setor privado lucrativo.
(…)
O Estado não financia empresas que fazem da
prestação de cuidados sociais o seu negócio e a sua fonte de lucro.
(…)
No caso dos idosos, há um “mercado grisalho” que
suscita enormes apetites de empresas privadas.
(…)
[Em Portugal, o mercado legal não tem florescido
(…) porque as respostas lucrativas, que
não são comparticipadas pelo Estado, têm preços proibitivos.
(…)
A dimensão mercantil que cresceu foi um setor
clandestino.
(…)
Faz sentido acabar com o monopólio do setor
social nas respostas sociais? Sim, se for para somar uma rede pública à rede de
respostas já existente no setor social, através dos acordos de cooperação.
(…)
Serviria para criar um novo pilar do estado
social, um verdadeiro Serviço Nacional de Cuidados.
(…)
Já as experiências internacionais de
mercantilização dos cuidados para idosos não têm dado resultados positivos.
(…)
Há grandes multinacionais que têm tentado
abocanhar esse mercado, sempre com rendas provenientes do erário público, e com
uma gestão das instituições que não garante a qualidade da resposta e os
direitos das pessoas mais velhas.
(…)
O caso da Orpéa, líder global no setor dos lares,
com uma rede de mais de mil estabelecimentos em 23 países, é especialmente
chocante.
(…)
[Num livro que jornalista Victor Castanet publicou,
a] gestão empresarial e as práticas de “otimização financeira” puseram em causa
os mais elementares direitos dos idosos, com maus tratos a utentes e a
profissionais.
(…)
O grupo chegou a oferecer 15 milhões para que
este trabalho não fosse publicado.
(…)
Ora, é este mercado privado financiado pelo
Estado, que deu resultados trágicos noutros países, que o governo pretende
agora criar em Portugal no cuidado de idosos.
(…)
[No caso das creches] a porta aos privados estava
aberta, mas em moldes distintos.
(…)
Respondendo a uma exigência das esquerdas, o
governo do PS avançou com a medida das creches sem custos para as famílias,
inaugurou uma política muito positiva de acesso gratuito no campo das respostas
sociais.
(…)
[A] medida de alargamento [a possibilidade de
financiamento do Estado a creches privadas], enquadrada como solução
provisória e subsidiária, passará agora, de acordo com o novo governo, a
política estrutural.
(…)
E uma vez que o governo pretende integrar as
creches no sistema educativo, passaremos então a ter uma componente da educação
pública que será privatizada.
(…)
Nos dois casos, é uma mudança de paradigma, que
merece amplo debate público. E oposição.
Robert
Fico, o primeiro-ministro eslovaco que foi alvo de um atentado
a tiro na quarta-feira, é um populista pró-russo que se ergue e cai com a mesma
facilidade com que adapta o seu discurso político ao momento como um camaleão.
(…)
Em
2018, foi obrigado a demitir-se
quando o assassínio
do jornalista Jan Kuciak (e da noiva), que investigava a corrupção no Governo,
desatou uma onda de protestos generalizada.
(…)
Muitos interpretaram essa demissão como o seu
ocaso político (…) Não podiam estar mais enganados.
(…)
Em Setembro, não só ganhou as eleições, como
voltou ao Governo com sede de vingança.
(…)
Na
semana passada, os deputados da coligação aprovaram uma emenda ao código penal
e eliminaram o gabinete do procurador especial que lida com a corrupção e os
grandes crimes.
(…)
Em
2022, as investigações de corrupção no executivo levaram à detenção de Fico e de Robert Kalinak, que tinha sido seu
ministro do Interior, acusados de criar uma organização criminosa.
(…)
O processo contra Fico acabaria arquivado e este voltou ao poder
como um exterminador implacável.
António Rodrigues, “Público”
(sem link)
A imigração ergue-se como tema central dos
primeiros debates para as eleições europeias, ainda mornos e com candidatos em
apalpação.
(…)
O capital de aprovação ou rejeição que o voto
traduzirá a 9 de Junho muito dirá sobre a actual aproximação do eleitorado ao
personalismo.
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Quinze países da União Europeia não resistem a
propor o envio de imigrantes requerentes de asilo para países terceiros, no
âmbito de medidas que procurem conter a imigração de pele escura ou não branca.
(…)
O episódio de crime de ódio no Porto não
acontece por acaso quando se percebe que, na Assembleia Municipal da cidade, o
Chega não votou favoravelmente à condenação do sucedido.
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Uma criança nepalesa de nove anos foi agredida
numa escola da Amadora e a reacção de Marcelo Rebelo de Sousa é um conjunto de
divagações genéricas sem um pingo de condenação.
(…)
O que mais incomoda [no caso da criança
nepalesa] é o facto terem passado dois meses sem que ninguém tenha relatado o
que quer que seja, sem que ninguém tenha apresentado queixa, e que tenha sido a
mãe, com medo de ir ao hospital, a tratar das suas feridas abertas.
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