(…)
Os que perceberam a sucessão de mentiras e
meias-verdades que o primeiro-ministro foi contando confirmaram a sua opinião
sobre ele.
(…)
Muitos comentadores até acham que o assunto
devia ser abandonado.
(…)
Não deve, mesmo que o líder do PS não se possa
agarrar a ele.
(…)
Esquecer a Spinumviva é, para além de ignorar a
dimensão ética da política, permitir que Montenegro reconstrua a sua narrativa,
apresentando-se como uma vítima empurrada para eleições.
(…)
No primeiro trimestre com um Orçamento da AD, a
riqueza produzida caiu 0,5% em cadeia, o quinto pior resultado deste século.
(…)
O resto da Europa cresceu. Esta é, aliás, a
grande novidade, depois de anos de recuperação e convergência: o trambolhão
acontece quando Europa e Espanha crescem.
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Era Sarmento que falava de “crescimento
anémico” quando acontecia acima da média europeia.
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Numa campanha normal este seria o tema central.
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Mas o Governo usou uma armadilha mediática
infalível: a imigração.
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Mais uma vez o Governo faz passar procedimentos
administrativos por decisão política.
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Os meios para retorno coercivo não judicial
continuam a faltar, o que torna a previsão de 18 mil deportações pura
propaganda.
(…)
A habilidade da AD oferece-nos, nos três temas
que marcaram o arranque da campanha — ética, economia e imigração —, os
ingredientes do caldo perigoso que se prepara para o próximo ciclo político.
(…)
Se Montenegro for reeleito, o seu delirante
quadro macroeconómico será abandonado e, com ele, as suas promessas.
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Num cenário de crise, é expectável que os
imigrantes, agora mais numerosos, venham a ser, como em todo o lado, o bode
expiatório.
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É quando o dinheiro falta que as pessoas passam
a ligar às falhas éticas que antes ignoraram, vendo-as, por facilidade, como
causa da crise.
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Os casos de Montenegro regressarão com outro
poder destrutivo.
Não há idade para fazer campanha nem nenhum regime
de exclusão se aplica em razão do histórico.
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A presença dos históricos (alguns deles barões)
dos partidos em campanha é muitas vezes reservada para o fim da linha.
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Pode-se cantar vitória, mas a cantoria é
desafinada quando boa parte das figuras mais importantes dos partidos se encolhe
(…)
Olhando para os desaparecidos sem combate, é bem evidente como a
crença em Pedro Nuno Santos não revela fumo branco.
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É inimaginável que [Cavaco e Passos Coelho] não
permaneçam ao lado de Luís Montenegro, garantindo a fiabilidade da rodagem
Spinumviva.
(…)
A presença de notáveis na campanha do PS é
ainda uma metáfora. Ilustres ausências.
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Agora, depois das marés, percebe-se que
Francisco Louçã, Fernando Rosas e Luís Fazenda não podem ser acusados de falta
de comparência num momento crítico para o BE. Solidariedade.
(…)
Há um PS que não consegue apelar aos mínimos
históricos e isso é desastroso para uma campanha.
Ouvir
Giorgia Meloni afirmar que “honramos os valores democráticos negados pelo
fascismo” nas celebrações que assinalam os oitenta anos da libertação de Itália reveste-se de ironia.
Não pelas palavras, mas pela voz que as profere.
(…)
Diferente
de Matteo Renzi ou Mario Draghi, que confiaram na tecnocracia e no consenso
europeu como bússolas para governar, Meloni construiu a sua legitimidade a
partir do confronto simbólico.
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A sua ascensão não representa apenas uma mudança no ciclo político
italiano, mas um laboratório para a extrema-direita europeia.
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Giorgia
Meloni não se formou nas ideias de Gramsci, mas no seio do Movimento Social Italiano (MSI-DN), fundado por Giorgio Almirante – a primeira tentativa organizada de
conciliar o fascismo com a democracia do pós-guerra.
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Aos 15 anos, aderiu à ala juvenil do MSI [partido
neofascista italiano].
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Aos
31, assumia a pasta da Juventude no Governo de Berlusconi, iniciando uma trajetória marcada por
coligações improváveis, ambiguidades e um instinto para tirar proveito das
fragilidades do sistema.
(…)
Em 2012, entre as ruínas do partido de
Berlusconi e a ascensão de governos tecnocráticos, cofundou os Fratelli d’Italia.
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Ganhou
força a promessa de resgatar a voz da “verdadeira Itália” – uma nação traída, à
espera de redenção.
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A
chama tricolor, inscrita no logótipo do partido, ardeu lentamente durante anos, mas acabaria por incendiar o
sistema político, emergindo com a força dominante da direita italiana.
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[Meloni
personifica] um populismo de segunda geração, fundado na construção de
um nacionalismo adaptado ao mundo de hoje.
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A mensagem de Meloni foi meticulosamente
calibrada: identidade, soberania, segurança.
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Os Fratelli d’Italia
propuseram-se, assim, restaurar uma autenticidade perdida: pureza no discurso,
uma síntese de tradicionalismo moral, nacionalismo assertivo e
ressentimento cultural.
(…)
O que
fora, durante anos, uma retórica periférica, tornou-se para muitos italianos – e
não só – num novo “sentido comum”.
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A sua relação com Bruxelas é, desde o início,
marcada poruma ambivalência calculada.
(…)
As investidas contra o “centralismo
europeu” foram rapidamente recalibradas – não por convicção ideológica, mas por imperativo de
sobrevivência.
(…)
O
apoio à Ucrânia e à NATO – discutido dentro do seu próprio partido e da sua coligação – marcaram uma rutura
deliberada com o fascínio da direita italiana com Putin.
(…)
Meloni não terá mudado de ideias, apenas de
ângulo.
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A sua política externa não é moldada por
doutrina – é pragmática, adaptável e oportunista.
(…)
Esta narrativa tem convencido muitos.
(…)
Ao
contrário de Viktor Orbán, que se impõe pela fricção, Giorgia Meloni
opera pela cumplicidade – mas nenhuma das abordagens os tornam tradutores de Donald Trump, apenas intérpretes ocasionais.
(…)
Num
equilíbrio subtil entre nostalgia e pragmatismo, tem sabido traçar um caminho
que serve de modelo para muitos líderes de extrema-direita.
(…)
[Meloni continua a ser] uma filha da
extrema-direita italiana, moldada por narrativas de identidade, ressentimento e
pureza nacional.
(…)
Mas que Europa quer, afinal, Giorgia Meloni? O
seu realinhamento é pragmático, não ideológico. Oscila consoante a conjuntura.
(…)
A economia italiana continua fragilizada por um
crescimento anémico e
défices estruturais.
(…)
Meloni
não
é a salvadora da Europa. É apenas a mais recente encarnação de uma
extrema-direita que, incapaz de destruir o projeto europeu de fora, se dedica agora
a corroê-lo desde dentro.
Manuel Serrano, “Público” (sem link)
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