segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Comprar e vender direitos para poluir o ambiente tornou-se banal


07.12.2009
Lurdes Ferreira

Um parque eólico na China pode estar ligado às metas de emissões de dióxido de carbono em Portugal? Sim. O sistema internacional do comércio de carbono, impulsionado pelo Protocolo de Quioto e que é parte fundamental das contas para a Cimeira de Copenhaga, tem tanto de global como de complexo, sobretudo em termos de regulação.

O organismo das Nações Unidas responsável pela gestão dos créditos de carbono acaba de suspender, à beira do arranque da conferência, a aprovação de novos parques eólicos para a China, financiados com o dinheiro dos países ricos, que procuram compensar as suas emissões de CO2, através do mecanismo de desenvolvimento limpo, um instrumento previsto no Protocolo de Quioto para investimentos nos países em desenvolvimento.

Os chineses têm sido os grandes beneficiários deste instrumento, com investimentos que se estimam superiores a mil milhões de dólares. Quanto a Portugal, subscreveu em 2007, através do Fundo Português de Carbono, uma participação de 15 milhões de dólares no Asia Pacific Carbon Fund, do Banco Asiático de Desenvolvimento, vocacionado para este tipo de projectos.

A decisão ora tomada pelas Nações Unidas surge num oportuno momento de pressão negocial. As autoridades de Pequim são acusadas de reduzirem intencionalmente os subsídios estatais, de modo a que estes projectos sejam financiados pela comunidade internacional.

É devido a casos como este que não se calam as vozes dos que pensam que o problema climático se transformou num negócio de compra e venda de direitos de emissões. James Hansen, o cientista a quem se atribui o mérito de ter posto o mundo preocupado com as alterações climáticas, criticava há alguns dis o modelo de direitos de poluir praticado nos últimos anos. "Temos os países desenvolvidos que querem continuar a manter mais ou menos o seu negócio e os países em desenvolvimento que querem dinheiro, conseguindo-o através das compensações [vendidas nos mercados de carbono]", dizia este especialista, que gostaria de ver taxas de carbono sobre o consumo de combustível no lugar de um mercado de licenças.

Transacções duplicam

Até que ponto o mercado ajuda a reduzir as emissões ou serve apenas para gerar e fazer girar dinheiro? Ricardo Moita, presidente executivo da Ecoprogresso, a consultora portuguesa especializada em alterações climáticas e gestão de carbono, está mais próximo do actual modelo. "É uma questão de racionalidade financeira. Não há uma redução directa das emissões, mas, se a gestão do processo for bem feita, baixamos o risco e, ao baixá-lo, libertamos mais dinheiro para a economia, que pode ser convertido em investimento em tecnologias limpas."

O último relatório anual do Banco Mundial sobre o mercado de carbono indica que este transaccionou 86 mil milhões de euros em 2008, para um total de 4800 milhões de toneladas de CO2, o que equivale a cerca de 150 vezes o tecto anual de emissões previstas entre 2008 e 2012 para o conjunto das empresas portuguesas integradas no Comércio Europeu de Licenças de Emissões (CELE). Foi praticamente o dobro de um ano antes, tanto em valor como em volume.

Neste bolo cabem os mercados regionais de licenças (UE, EUA e Austrália), com domínio evidente do europeu, que pesa mais de 72 por cento do total. Também cabem os negócios feitos ao abrigo dos instrumentos de mercado de Quioto visando os países em desenvolvimento e de transição para a economia de mercado (Leste europeu) e cabe ainda uma fatia residual do mercado voluntário de empresas e particulares.

Apesar desta expansão global, o relatório sublinha a existência de problemas que já não são novos, a começar pela dependência do mercado em relação ao factor (risco) político, que se tem traduzido numa volatilidade dos preços, sobretudo nos projectos de compensação com os países em desenvolvimento. Os analistas não duvidam de que a incerteza quanto à política para o pós-2012 tem sido negativa para a evolução dos preços. Seguem-se as dificuldades regulatórias no circuito administrativo, com atrasos no registo, aprovação e verificação de projectos, o que resultou em quebras substanciais entre 30 por cento em volume a 50 por cento em valor. Ainda na fase inicial, foi a falta de dados fiáveis que levou ao colapso dos preços, em 2006, quando o mercado se deparou com licenças em excesso.

Ricardo Moita admite que o mercado "tem muitas volatilidades" típicas dos mercados de matérias-primas, como o petróleo e o gás natural e no qual o carbono se inclui, mas espera que tenda para uma maior profissionalização, responsabilização e regulação no futuro. O caminho tem sido de correcção e aperfeiçoamento nos últimos anos, defende, e a entrada gradual do sistema de leilões, em detrimento das licenças gratuitas, deverá ser um factor de eficiência, uma expectativa que é partilhada por muitos especialistas.

Sem comentários:

Enviar um comentário