Entrevista
“É óbvio que José Sócrates não quer cumprir o seu mandato”
Francisco Louçã, líder do Bloco de Esquerda, não acredita nas ameaças de moções de censura do PSD e de confiança do PS, mas diz que é óbvio que o primeiro-ministro não quer cumprir o mandato até ao fim.
Correio da Manhã/Rádio Clube - Está a ser mais difícil ser oposição com uma maioria relativa do que com uma maioria absoluta do PS?
Francisco Louçã - É muito mais difícil ter um diálogo produtivo com a maioria, porque está bloqueada e fechada numa intransigência política incompreensível. Mas sobretudo o que importa é que o País está numa situação muito mais difícil agora do que há cinco anos atrás, quando começou o Governo Sócrates.
ARF - Muito pior mesmo.
- É. Temos um défice gigantesco, um endividamento galopante e sobretudo um desemprego e uma precariedade social, uma miséria, uma desgraça social que leva ao limite da pobreza três milhões de portugueses, dois milhões de pobres, que são sobretudo os mais idosos, como bem sabemos. Mas também 600 mil desempregados.
ND - Devia obrigar a mais entendimentos.
- Devia obrigar a mais soluções. E soluções quer dizer diálogo, compromisso com a mobilização social. Aliás, o Programa de Estabilidade e Crescimento é o resumo deste impasse.
ARF - Porquê?
- Porque o Governo ouviu os partidos formalmente, devo dizer que o Bloco de Esquerda fez o que achámos que tínhamos de fazer.
ARF - Fizeram o quê?
- Demos uma resposta escrita, com propostas orçamentadas, concretas, para sabermos como consolidamos o Orçamento, como criar emprego, como responder aos problemas da Segurança Social.
ND - Um PEC alternativo?
- Um PEC alternativo com propostas construtivas. O Governo nem sequer teve a delicadeza de responder. Mas quando apareceu a proposta final do Governo nós descobrimos coisas que ninguém imaginava.
ARF - Tais como?
- Reduzir o subsídio de desemprego, podendo impor a desempregados que tenham que trabalhar abaixo do salário mínimo nacional. Não é aceitável. Nós estamos perante uma crise social gravíssima em que as soluções do Governo agravam esta crise. A privatização dos Correios? Da CP?
ARF - O congelamento das pensões não contributivas, como as sociais e rurais, não é grave? Como é que se entende isto de um Governo do PS?
- Exactamente como João Cravinho denunciou. É uma cedência total à direita mais violenta contra a pobreza. O seu congelamento nominal quer dizer que vão perder cinco por cento nestes três anos. Há pessoas que ganham 200 euros depois de uma vida inteira de trabalho. Os funcionários públicos vão ganhar menos um mês de salário ao fim de dez anos. E no caso do rendimento social de inserção, em que se exige muito rigor e controlo, a medida que se impõe não é de rigor, não é de verificar, não é de excluir quem abusa. É um tecto.
ARF - Um tecto administrativo.
- Exacto. Neste momento gastam-se 509 milhões de euros, porque a pobreza tem aumentado, como é natural, e paga-se 80 euros em média a cada pessoa, e vai baixar para 370 milhões de euros quando sabemos que a pobreza vai aumentar.
ARF - É uma medida meramente administrativa.
- É uma medida administrativa brutal.
ARF - Não olha à situação das pessoas.
- É uma medida socialmente injusta e persecutória aos mais pobres. Tira-se 600 milhões à Segurança Social, tira-se 130 milhões ao Rendimento Social de Inserção, tira-se muitos milhões às pensões não contributivas, ou seja, vai tirar-se mil milhões de euros aos mais pobres dos mais pobres. E eu faço as contas. Se hoje há 600 mil desempregados, dos quais metade ainda recebe subsídio, mas daqui a três anos deixam de receber. E não vão ter emprego.
ARF - O próprio PEC o admite.
- Exacto. Porque é o Governo que diz que o resultado desta política é para criar 25 mil empregos. Que é o que nós perdemos em Novembro e Dezembro do ano passado. Portanto, vamos ter estas pessoas a bater à porta do Rendimento Social de Inserção porque não têm nada, nada. E não lhes vão abrir nenhuma porta. Portanto, nós temos um problema de ajustamento estrutural em que o Governo tomou uma decisão: criar uma área de negócios enorme em torno de algumas privatizações incompreensíveis, como os seguros da Caixa, entre outras.
ARF - Mas as privatizações não são necessárias para abater a dívida pública?
- As privatizações todas vão dar um abatimento nos juros da dívida pública de 50 milhões de euros. Só os CTT, que vão ser vendidos, davam 100 milhões por ano. E é por isso que acho Manuel Alegre tem razão, que Mário Soares tem razão, que João Cravinho tem razão e o Governo devia ouvir este clamor da sociedade portuguesa.
ARF - Enquanto isto, o Governo adiou o imposto de 20 por cento sobre as mais valias bolsistas. Porquê?
- É totalmente incompreensível e chocante.
ARF - É chocante porque não se adiam as medidas contra os mais pobres?
- Exactamente.
ARF - Só entra em vigor quando o mercado de capitais melhorar.
- O Governo fala da instabilidade do mercado de capitais. Mas se há instabilidade na sociedade portuguesa é na pobreza e no desemprego. Mas aí o Governo corta. E repare. Adia e já não garante que entra em vigor no próximo ano. Ora a bolsa está a subir, subiu 30 por cento. E houve dez pessoas que ganharam 5 mil milhões de euros na bolsa portuguesa no ano passado. Se tivessem pago 20 por cento, um pequeno imposto, teriam pago mil milhões de euros. E o País precisa disso. E precisa de decência.
ARF - Por falar em decência. O que é que acha dos prémios e salários de gestores públicos e de gestores de empresas em que o Estado tem participação?
- Tem toda a razão. Sabe que só se descobre agora porque só há pouco tempo conseguimos impor uma lei para que os valores dos rendimentos dos gestores das empresas da bolsa fossem conhecidos. Não queriam. E quando eu vejo que Rui Pedro Soares, um boy do PS, lançado para a administração da PT sabe-se lá porquê, ganha oito vezes o salário do presidente Obama eu pergunto em que País é que nós estamos.
ARF - Olhando para o programa do Governo, este PEC é completamente oposto. Isto é normal? Um Governo contrariar tudo o que prometeu?
- Não é normal, é profundamente errado e é mesmo indecente. Claro que por vezes podem surgir situações excepcionais, como o terramoto no Chile ou no Haiti.
ARF - Isso não aconteceu por cá.
- Não, o que aconteceu foi um terramoto social provocado pelo Governo. E eu denunciei na campanha eleitoral que havia um capítulo secreto no programa do PS que era as privatizações. Não sabia eu que havia também um capítulo secreto sobre o corte nas prestações sociais, o abandono no combate à pobreza. Já se sabia que havia uma desistência no combate pelo emprego. Isso é acto de violência anti-democrática.
ARF - Isto é o regular funcionamento das instituições?
- É uma falta de lealdade e respeito pelos eleitores porque foi uma forma de criar um gigantesco embuste em relação aos eleitores. Isto coloca em estado de choque muitos socialistas, que respeitam a sua palavra e isso é muito importante. Agora, mais do que uma questão institucional é uma questão estratégica, de condução do País. É claro que o Governo pode dizer que o primeiro PEC, que foi o Orçamento, foi apoiado pelo PSD e CDS. E já congelava salários, pensões e já anunciava privatizações, um pouco à sucapa.
ARF - Mas era muito leve, não era?
- Era. Mas vamos ver se o PSD não vai aprovar.
ARF - Agora com o PEC não há uma chantagem sobre os partidos da oposição? Se não o viabilizarem são anti-patróticos?
- Mas a política não se faz com chantagens. Faz-se com soluções. Só os fracos cedem à chantagem, os fortes apresentam alternativas. E quando for discutida a resolução do PS será discutida a resolução do BE. E ela será votada. E nós votaremos contra a do PS se ela representar o apoio às medidas do PEC. Nós queremos é mostrar que é possível começar já no corte da despesa orçamental. O Governo gastou 600 milhões de euros em consultadorias jurídicas de meia dúzia de escritórios de advogados para escreverem as leis que o Governo apresenta ao Parlamento. Mas onde é que nós chegámos. Mil milhões para submarinos. Mil milhões no off-shore da Madeira. Em Portugal deita-se dinheiro à rua com uma facilidade insultuosa, pornográfica. E nós temos de cortar isso.
ARF - Como é que classifica, então, a política económica e social deste Governo?
- A política económica e social do PS é irresponsável. Facilita onde devia ter rigor, desiste onde tinha de ter combate. É uma política totalmente desorientada. De repente o País é um País de boys.
ND - Houve um maior afastamento entre o PS e o BE?
- Há um afastamento muito grande. Eu nunca esperaria que o PS chegasse ao extremo de direita nas suas políticas económicas e sociais.
ARF - Agora há a comissão de inquérito ao negócio da PT com a TVI. Vai acabar com uma moção de confiança ou de censura ao Governo? Não acha que vai ser este o resultado independentemente das conclusões?
- Eu acho que os portugueses valorizam quem tem a sensatez de ter os pés assentes na terra. E acho que hostilizam e muito bem todos os que fazem da política um jogo, um jogo de insinuações e de sombras. Se há uma comissão de inquérito é para apurar factos. Só pode tirar conclusões sobre factos, não sobre interpretações. E o Parlamento tem o direito e o dever de exigir esses factos.
ARF - Que opinião tem sobre o esse negócio falhado?
- É trapalhada o que se passou na compra da TVI pela PT. Na véspera estava anunciado, o primeiro-ministro não sabia, afinal tinha sido comunicado na véspera, não foi no dia seguinte, no dia seguinte comunicou-se que não havia venda, mas o primeiro-ministro depois de saber que não havia venda decidiu impugnar um processo que sabia que não ia acontecer. Tudo trapalhada. Nós temos de pôr tudo preto no branco.
ARF - E o tal jogo político?
- O jogo político, por razões internas do PSD, sobre a moção de censura não é para levar muito a sério. E o jogo do PS sobre a moção de confiança não é para levar muito a sério também,
ARF - Não é?
- Sabe uma coisa? Eu lembro-me do primeiro-ministro dizer que se demitia com a Lei das Finanças Regionais. E o ministro das Finanças demitiu-se três vezes com a mesma lei. Sabe o que aconteceu quando o Presidente promulgou a lei? O primeiro partido a reagir foi o PS e congratulou-se. O jogo político mais depressa se apanha do que um mentiroso.
ARF - Mas é notório que há uma tentação do PS e do primeiro-ministro para tentarem aproveitar esta janela de oportunidade para renovar a sua legitimidade face aos ataques e suspeitas. Acha que é um cenário viável?
- Eu acho que é óbvio que o primeiro-ministro não quer cumprir o seu mandato e quer provocar um incidente, uma crise política totalmente artificial. Já o tentou em Dezembro. Quer provocar uma crise artificial para fazer um jogo de dramalhão na política portuguesa.
ARF - E vai conseguir?
- O problema é que isso é muito contraditório com a situação real que nós vivemos. E os portugueses nãos e deixam enganar. Se o Governo não quer governar, se o Governo não tem respostas é porque é incapaz. E se é incapaz não pode pedir um segundo mandato. O grande debate, a grande censura, o grande debate de escolha de alternativa é o Programa de Estabilidade e Crescimento. Agora, esta posição do PS é uma fuga desesperada em frente e penso que os portugueses nunca aceitariam um jogo político deste tipo. Um Governo que não quer governar é um Governo manhoso.
ARF - Já se viu si, Francisco Louçã, ao lado de José Sócrates na campanha presidencial de Manuel Alegre?
- Não, não me vou ver nem me vejo. Eu estou numa campanha eleitoral com Manuel Alegre e quem lidera a campanha é Manuel Alegre, que tem palavras, como sempre, corajosas e claras sobre o PEC, privatizações, sobre a fractura social. E acho que é essencial uma campanha com essas características. Não sei o que José Sócrates fará. Aliás, ainda não disse nada sobre o assunto até agora.
ARF - Vamos ver o que fará.
- Não disse nada. Não sei o que fará, nem me interessa. O que me interessa é que é preciso uma campanha que possa desafiar a eleição, capaz de concorrer ao nível da candidatura de Cavaco Silva e que seja coerente. Na coerência eu sinto-me muito bem.
ND - Alegre não é o candidato do BE?
- Não. Como não é o candidato de nenhum partido. Está acima dos partidos.
ARF - Alegre defende hoje uma política completamente oposta ao do PS.
- É a que ele sempre teve. Repare. Ele deixou de ser deputado por ter votado contra o Código de Trabalho.
ARF - Cavaco Silva, neste momento, está calado sobre o PEC e outras coisas.
- O Presidente da República concorda com o programa das privatizações que vêm da história do seu Governo. José Sócrates está muito próximo de Cavaco Silva em todas as questões económicas e sociais fundamentais. E creio que os portugueses sentem isso muito bem.
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