terça-feira, 16 de março de 2010

NA MESA DO PEC

Na pátria do neoliberalismo sabemos que tudo é privatizável. A chamada “iniciativa privada” foi abocanhando tudo o que cheirasse a negócio rentável. Até as prisões e uma parte da guerra estão entregues a privados. No caso da guerra chamam-se “mercenários”, como se sabe.
Em Portugal, quando surge uma crise, os defensores do capital e os seus porta-vozes na comunicação social aproveitam a circunstância para começarem, de imediato, a pregar a conhecida ladainha do “menos Estado, melhor Estado”. Mas, no fundo, o que querem é o Estado para eles.
A propósito da discussão do PEC, Daniel Oliveira aborda esta situação num texto inserido na edição do “Expresso” de 6/3/2010.
NA MESA DO PEC
As avaliações de carácter estão na moda. E todas as polémicas parecem andar à volta disto. Como se não fosse de política que estamos a falar. As relações estreitas entre governantes e empresas não são uma questão de carácter. São um assunto de política e de economia, ou seja, de economia política.
A verdade é esta: sempre que aperta a crise o discurso favorável ao emagrecimento do Estado intensifica-se. Todos sabemos que desta conversa nunca resultou a redução da despesa. Apenas se trata, quando o negócio deixa de dar, de entregar funções públicas, daquelas que dão sempre por maior que seja a crise (saúde, educação, serviços fundamentais), a quem não se safa com o seu próprio negócio. Alguns privados saem do sufoco em que se encontram. E o dinheiro público paga a factura. Sempre que nos falam do emagrecimento do Estado parece que nos estão a fazer um favor. Mas não estão. Estão apenas a usar os recursos públicos para se salvarem.
Já aqui escrevi uma vez: as maiores empresas portuguesas têm uma golden share no Estado. A presença de Coelho, Vara, Ferreira do Amaral, Pina Moura, Dias Loureiro e tantos outros em tantos conselhos de administração de empresas é apenas o preço que estas pagam para continuar a ter no Estado o saco sem fundo de que precisam. Não querem menos Estado. Querem o Estado para eles.
Nos próximos dias, com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, é disto que deveríamos estar a falar: se vamos ser nós a pagar a factura da crise através de uma redução salarial e se o Estado vai pagar a crise das empresas através da privatização de serviços públicos. Ou seja, se vamos pagar duas vezes.
Se é verdade que não cabe ao Estado ser proprietário de salões de cabeleireiro, fábricas de cerveja, lojas de electrodomésticos ou restaurantes, também não passaria pela direita mais retrógrada a ideia da privatização dos CTT. Mas vem lá escarrapachado no PEC por proposta do Partido de Sócrates.

Luís Moleiro

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