Pois bem, a
julgar por aquele “grito de guerra”, ao lermos no “Público” de hoje o seguinte
artigo de opinião de Teresa Gago, uma médica dentista “socialista” e
ex-vereadora do PS em Cascais, ficamos com a sensação de que talvez este partido
esteja ainda infiltrado por antigos agentes soviéticos, de que Teresa Gago será
um exemplo, sem o saber…
Na realidade,
esta médica socialista insurge-se fortemente contra o conteúdo da nova Lei de
Bases da Saúde (LBS) que, a ser aprovada tal qual a proposta actual, configura,
nem mais nem menos que uma traição à memória de António Arnault, criador do
Serviço Nacional de Saúde, cuja subversão a direita sempre perseguiu, como se
percebe pela Lei imposta em 1990 pelo Governo PSD/CDS.
Trata-se de um texto,
cuja leitura vale a pena pois vai ao encontro do que tem sido afirmado pelos
principais responsáveis do Bloco no que diz respeito ao que se deveria pretender
para a nova LBS.
O conteúdo da nova Lei de Bases da Saúde
permanece incerto. Da negociação parlamentar surgirá uma nova Lei de Bases da
Saúde que contribuirá para “Salvar o SNS” ou, pelo contrário, uma que
prosseguirá o espírito mercantilista instituído pela Lei imposta em 1990 pelo
PSD e CDS. Não existe terceira via e o Presidente
da República sabe-o. É hora de clareza.
O Partido Socialista (PS) parece hesitar entre cumprir o testamento de
António Arnaut ou, pelo contrário, subordinar-se à alma-mater
inspiradora dos projetos do PSD/CDS. Na prática, ou se investe no SNS enquanto
instrumento público de prestação de cuidados como pretendem as esquerdas, ou se
favorece o denominado “sistema” público-privado como pretendem as direitas.
Pese embora as duas filosofias sejam legítimas, impõe-se a honestidade de
reconhecer que são estruturalmente antagónicas devido ao conflito que lhes
subjaz: a disputa pelos recursos públicos.
Ampliar o SNS afetará os grupos
económicos do mercado da saúde? Certamente. O negócio privado sorve milhares de
milhão de euros públicos que poderiam ser dedicados à valorização do SNS. Todos
os partidos o sabem e os utentes comprovam-no diariamente.
O Governo, através do primeiro-ministro
(que, recorde-se, também é secretário-geral do PS), caminhou no
sentido de honrar a palavra dada a António Arnaut. Lembramos a
substituição do anterior ministro da Saúde que tentou, através do diáfano
projeto da Comissão Governamental, maquilhar as medidas nucleares da Lei de
1990, designadamente: i) a manutenção da possibilidade de gestão privada de
estabelecimentos públicos (PPP); ii) a manutenção das taxas moderadoras
(co-pagamentos); iii) a aceitação do aliciamento dos profissionais de saúde
para o setor privado; e iv) a continuação da arbitrariedade nos seguros de
saúde. De facto, foi necessária
uma mudança governamental para que o PS pudesse afrontar o status
quo institucionalizado do “bloco central de interesses” e iniciar o seu
percurso legislativo de inversão à Lei de 1990, como historicamente vinha
defendendo.
Recentemente, o Grupo Parlamentar do PS
(GP-PS) deu o dito pelo
não dito. Esse PS prefere prosseguir pelo caminho iniciado pela
direita, apenas sugerindo outro “ritmo e dose”. Na verdade, as alterações
cirúrgicas que propôs não só tentam desvirtuar a proposta negocial apresentada
pelo Governo como, até (incautamente talvez?), poderão contribuir para que a
nova Lei de Bases da Saúde possa vir a ser pior que a Lei atual. Exagero? Não.
Ao recauchutar as velhas ideias da lei
vigente (1990), o GP-PS propõe i) a manutenção da gestão privada de unidades
públicas de saúde (PPP); ii) a aplicação de taxas moderadoras (co-pagamentos);
e iii) a aceitação da indisciplina dos seguros de saúde. Todavia, elimina o
“Estatuto dos profissionais do SNS” e omite a caracterização do travejamento
organizacional dos serviços públicos, ambos presentes na lei em vigor. Ora, se
o projeto do GP-PS em nada contribui para travar a promiscuidade entre público
e privado, nem para desonerar as famílias, nem para disciplinar os seguros de
saúde, nem para valorizar os profissionais do SNS, o objetivo, afinal, parece
ser apenas o da aniquilação das estruturas orgânicas do Ministério da Saúde. O
que restará, então, do SNS? A memória?
Caso ainda subsistam dúvidas quanto à
natureza do projeto do Grupo Parlamentar do PS bastará reparar como, na
Comunicação Social e no Parlamento, a direita já
canta vitória.
A direita festeja a superação do
contratempo antes gerado pela rejeição de António Costa às “portas e alçapões”
do projeto da Comissão Governamental, entretanto reapresentadas pelo PSD/CDS.
Festeja simultaneamente a vitória da chantagem de Belém(s). É a expectativa da
vitória do status quo mercantilista
Ana Catarina Mendes, secretária adjunta do PS, declarou que “o PS é o
Partido do Serviço Nacional de Saúde”. Deixará de o ser se trair Arnaut.
Deixará de o ser quando, nesta matéria, prescindir dos seus parceiros à
esquerda co-fundadores do SNS. Deixará de o ser se, neste momento de definição
estratégica, não tiver coragem e determinação política para assumir o SNS de
gestão integralmente pública; valorizador dos profissionais de saúde; sem
taxas moderadoras sempre que clinicamente recomendado; de qualidade e para
todos os cidadãos.
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