segunda-feira, 18 de maio de 2020

O DIREITO A HABITAÇÃO CONDIGNA É UM DIREITO HUMANO



Mais do que nunca, estes dias vieram comprovar que a “habitação é garantia de saúde”. Muita gente não tem hipótese de combater a propagação do coronavírus ficando em casa porque a habitação onde residem é exatamente um foco dessa disseminação.
Assim, as principais origens da difusão do maléfico vírus estão invariavelmente em habitações deficientes, sem quaisquer condições para seres humanos poderem cumprir a indicação de “fique em casa”. Viver em casas sem requisitos mínimos de habitabilidade, não protegem adequadamente as pessoas antes pelo contrário, concentram tudo o que é negativo para defenderem indivíduos de qualquer contágio seja de que doença for e, por maioria de razões de um vírus desconhecido cujos meios de combater ainda são muito escassos, para além do confinamento adequado das pessoas.
Facilmente concordamos com Maria Manuel Rola, deputada do Bloco de Esquerda, quando afirma no artigo de opinião que assina no “Público” de hoje que “que os principais focos de infeção em situação de confinamento advieram de contextos concretos: estruturas residenciais para idosos, alojamentos locais que albergam pessoas requerentes de asilo em Portugal, imigrantes trabalhadores da agricultura intensiva no Alentejo e Algarve e comunidades em situação de habitação indigna, nomeadamente barracas ou tendas”. Viver-se numa habitação condigna só pode ter uma leitura e essa está literalmente ligada à proteção da saúde.  

Se não é novidade que a habitação é garantia de saúde, torna-se agora incontornável. Na leitura dos relatórios do Estado de Emergência e suas renovações, percebe-se que os principais focos de infecção em situação de confinamento advieram de contextos concretos: estruturas residenciais para idosos, alojamentos locais que albergam pessoas requerentes de asilo em Portugal, imigrantes trabalhadores da agricultura intensiva no Alentejo e Algarve e comunidades em situação de habitação indigna, nomeadamente barracas ou tendas. Nestas comunidades “amontoadas” falta habitação digna e possibilidade de distanciamento e confinamento nos dias que correm. Mas segundo a lei de bases estas já eram situações de “insalubridade, sobrelotação” e em “risco de promiscuidade”, no resto dos dias.
Durante estes últimos meses saíram dois relatórios que vieram reafirmar o que Leilani Farha tinha concluído já em 2016 quando veio a Portugal enquanto relatora da ONU para o direito à habitação: Portugal deixa de fora do acesso a uma habitação digna dezenas de milhares de pessoas. O Levantamento do IHRU feito em 2017 identificava quase 26.000 e não contava com uma grande parte destas populações: quase 30% dos municípios respondeu que não teria carências habitacionais.
Estas são pessoas que não se podem proteger do vírus. Ter pessoas a viver num hostel em camaratas, num contentor agrícola ou em barracas de madeira durante meses ou anos deveria ser uma situação que envergonha o Estado Português. Não obstante, essa é a resposta que este Governo tem dado, ao arrepio do que foi aprovado na Lei de Bases da Habitação e do que definem os Direitos Humanos mais básicos e as evidências de saúde pública, e não parece existir inversão.
Se não vejamos, numa famigerada Resolução do Conselho de Ministros, este Governo, e ao arrepio do que os municípios de Odemira e Aljezur solicitaram, entendeu permitir que a resposta inscrita neste documento fosse a de construir um gueto para milhares de trabalhadores agrícolas durante 10 anos – aquilo que define nessa decisão como período transitório. Já veio dar o dito pelo não dito, mas o que decidiu na altura foi mesmo isto, e a resolução continua em vigor.
Mais recentemente, durante a pandemia, percebemos que, através do Ministério da Administração Interna, entende que garantir habitação a requerentes de asilo durante meses é alojá-los em camaratas de hostels em Lisboa, empurrando a resposta que deveria ser directa para uma organização não-governamental. Neste caso, também o município de Lisboa não foi tido nem achado, quer na vertente do apoio social, quer na vertente da habitação, ou ainda do turismo e urbanismo. Recorrer a uma resposta temporária e turística para residência concedida como resposta do Estado Português é errado. De facto, quer o pelouro do turismo lhes poderia ter dito que não se trata de turismo; o da habitação que estas não são respostas habitacionais; e o dos direitos sociais que é um atropelo à dignidade humana que o Estado deveria velar.
Entretanto, no último Relatório do Estado de Emergência pode ler-se que existem “alguns hostels da cidade de Lisboa, onde residem inúmeros cidadãos estrangeiros” e que as entidades do Estado entendem que “as condições de alojamento nas unidades hoteleiras em questão, embora dignas, não se adequam ao necessário distanciamento social exigido pelo combate à pandemia.” O único problema aqui parece ser o raio do vírus. Não é.
O problema é a perspectiva omissa sobre o direito à habitação no nosso país. É por isso urgente que se envolva o Ministério da Habitação para que mobilize edificado em grande escala para responder por um serviço nacional que garanta um parque de habitação pública, integradora, digna e salubre. Mas é também primordial que a regulamentação da lei do Alojamento Local saia da gaveta e que este deixe de poder ser carne e peixe, conforme o que der mais lucro. E por fim, que a ASAE tenha instruções para definir estes espaços como o que têm sido: arrendamento habitacional em que as pessoas não podem viver em camaratas.
Passar ao lado da omissão profunda nas condições de “refúgio” digno e de saúde pública é o maior erro da nossa democracia e a nossa principal fragilidade social. A total liberalização do uso da habitação de Cristas que este Governo não quis reverter só piorou. Continuar a não dar centralidade a este direito é persistir no erro e acrescentar crise à crise e doença à doença.

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