Mais do que
nunca, estes dias vieram comprovar que a “habitação é garantia de saúde”. Muita
gente não tem hipótese de combater a propagação do coronavírus ficando em casa
porque a habitação onde residem é exatamente um foco dessa disseminação.
Assim, as
principais origens da difusão do maléfico vírus estão invariavelmente em
habitações deficientes, sem quaisquer condições para seres humanos poderem
cumprir a indicação de “fique em casa”. Viver em casas sem requisitos mínimos
de habitabilidade, não protegem adequadamente as pessoas antes pelo contrário,
concentram tudo o que é negativo para defenderem indivíduos de qualquer
contágio seja de que doença for e, por maioria de razões de um vírus
desconhecido cujos meios de combater ainda são muito escassos, para além do
confinamento adequado das pessoas.
Facilmente concordamos
com Maria Manuel Rola, deputada do Bloco de Esquerda, quando afirma no artigo
de opinião que assina no “Público” de hoje que “que os
principais focos de infeção em situação de confinamento advieram de contextos
concretos: estruturas residenciais para idosos, alojamentos locais que albergam
pessoas requerentes de asilo em Portugal, imigrantes trabalhadores da
agricultura intensiva no Alentejo e Algarve e comunidades em situação de
habitação indigna, nomeadamente barracas ou tendas”. Viver-se numa habitação
condigna só pode ter uma leitura e essa está literalmente ligada à proteção da
saúde.
Se não é novidade que a
habitação é garantia de saúde, torna-se agora incontornável. Na leitura dos
relatórios do Estado de Emergência e suas renovações, percebe-se que os
principais focos de infecção em situação de confinamento advieram de contextos
concretos: estruturas residenciais para idosos, alojamentos locais que albergam
pessoas requerentes de asilo em Portugal, imigrantes trabalhadores da
agricultura intensiva no Alentejo e Algarve e comunidades em situação de
habitação indigna, nomeadamente barracas ou
tendas. Nestas comunidades “amontoadas” falta habitação digna e
possibilidade de distanciamento e confinamento nos dias que correm. Mas segundo
a lei de bases estas já eram situações de “insalubridade, sobrelotação”
e em “risco de promiscuidade”, no resto dos dias.
Durante estes últimos
meses saíram dois relatórios
que vieram reafirmar o que Leilani Farha tinha concluído
já em 2016 quando veio a Portugal enquanto relatora da ONU para o
direito à habitação: Portugal deixa de fora do acesso a uma habitação digna
dezenas de milhares de pessoas. O Levantamento do IHRU feito em 2017
identificava quase 26.000 e não contava com uma grande parte destas populações:
quase 30% dos municípios respondeu que não teria carências habitacionais.
Estas são pessoas que não se podem
proteger do vírus. Ter pessoas a viver num hostel em camaratas, num contentor
agrícola ou em barracas
de madeira durante meses ou anos deveria ser uma situação que envergonha o
Estado Português. Não obstante, essa é a resposta que este Governo tem dado, ao
arrepio do que foi aprovado na Lei de Bases da Habitação e do que definem os
Direitos Humanos mais básicos e as evidências de saúde pública, e não parece
existir inversão.
Se não vejamos, numa famigerada
Resolução do Conselho de Ministros, este Governo, e ao arrepio do que os
municípios de Odemira e Aljezur solicitaram, entendeu permitir que a resposta
inscrita neste documento fosse a de construir um gueto para milhares de
trabalhadores agrícolas durante 10 anos – aquilo que define nessa decisão como
período transitório. Já veio dar o dito pelo não dito, mas o que decidiu na
altura foi mesmo isto, e a resolução continua em vigor.
Mais recentemente, durante
a pandemia, percebemos que, através do Ministério da Administração Interna,
entende que garantir habitação a requerentes de asilo durante meses é alojá-los
em camaratas de hostels em Lisboa, empurrando a resposta que deveria ser
directa para uma organização não-governamental. Neste caso, também o município
de Lisboa não foi tido nem achado, quer na vertente do apoio social, quer na
vertente da habitação, ou ainda do turismo e urbanismo. Recorrer a uma resposta
temporária e turística para residência concedida como resposta do Estado
Português é errado. De facto, quer o pelouro do turismo lhes poderia ter dito
que não se trata de turismo; o da habitação que estas não são respostas
habitacionais; e o dos direitos sociais que é um atropelo à dignidade humana
que o Estado deveria velar.
Entretanto, no último
Relatório do Estado de Emergência pode ler-se que existem “alguns hostels da
cidade de Lisboa, onde residem
inúmeros cidadãos estrangeiros” e que as entidades do Estado
entendem que “as condições de alojamento nas unidades hoteleiras em questão,
embora dignas,
não se adequam ao necessário distanciamento social exigido pelo combate à
pandemia.” O único problema aqui parece ser o raio do vírus. Não é.
O problema é a perspectiva omissa sobre
o direito à habitação no nosso país. É por isso urgente que se envolva o
Ministério da Habitação para que mobilize edificado em grande escala para
responder por um serviço nacional que garanta um parque de habitação pública,
integradora, digna e salubre. Mas é também primordial que a regulamentação da
lei do Alojamento Local saia da gaveta e que este deixe de poder ser carne e
peixe, conforme o que der mais lucro. E por fim, que a ASAE tenha instruções
para definir estes espaços como o que têm sido: arrendamento habitacional em
que as pessoas não podem viver em camaratas.
Passar ao lado da omissão profunda nas condições de “refúgio” digno e de
saúde pública é o maior erro da nossa democracia e a nossa principal fragilidade
social. A total liberalização do uso da habitação de Cristas que este Governo
não quis reverter só piorou. Continuar a não dar centralidade a este direito é
persistir no erro e acrescentar crise à crise e doença à doença.
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