terça-feira, 26 de julho de 2022

PARA QUE NUNCA MAIS! (141)

 

Todos e todas que acreditam na democracia necessitam estar atentos para o branqueamento da memória da ditadura, atualmente em cursoEm três dias consecutivos e em diferentes contextos, sendo um deles um famoso programa musical da Antena 1, ouvi que o salazarismo foi uma ditadura moderada quando comparada com outros sistemas ditatoriais. Nos primeiros dois manifestei a minha indignação pessoalmente. Ao terceiro dia não pude deixar de ficar preocupada, em estado de alerta e pergunto: de onde vem esta ideia e porque é que ela está a ganhar dimensão?

De onde vem acho que sei responder. Em 2009, o historiador Rui Ramos, conhecido também como comentador liberal, escreveu na obra que coordenou "História de Portugal" o seguinte: "Por comparação com outros regimes contemporâneos, como a ditadura comunista da Rússia ou a ditadura nazi na Alemanha, não é possível negar que o Estado Novo foi 'moderado': não recorreu à pena de morte, os assassínios foram muito raros e os presos políticos foram sempre poucos. Não houve o 'terror de massas' inerente às revoluções sociais ou às depurações étnicas da época." (página 652)

Ora, aqui, nas redes sociais onde, de facto, "as paredes têm ouvidos" e sem querer ser muito exaustiva, deixo alguns contributos para a reflexão.

A ditadura mais longeva da Europa no século XX não foi moderada.

Desde logo, pelo controlo eficaz e sistemático das consciências desde os bancos da escola à legião portuguesa e ao corporativismo, passando pela constante censura à liberdade de imprensa e de expressão, a ponto de as pessoas recearem até o próprio pensamento.

Depois, e nunca é de mais lembrar, opositores ao regime penaram, e muitos morreram, em prisões políticas das qual se destacam as do Aljube, Caxias, Rua do Heroísmo e Peniche, sem esquecer o campo de concentração do Tarrafal, conhecido como o campo da morte lenta. E foram milhares.

Por fim, por não querer reconhecer o direito à autodeterminação dos povos dos territórios ainda ocupados em África, o ditador iniciou a mais longa guerra que envolveu um país europeu, no século XX. A investigação histórica, que só há pouco começou a dar os primeiros passos, mostra que além do elevado número de jovens mortos, estropiados e com sequelas psicológicas, ao longo dos 14 anos que durou este conflito em 3 frentes de batalha, está ainda por contabilizar o número de pessoas mortas, civis e militares do lado de quem lutava pela independência. Serão muitos e muitos milhares, configurando extermínio étnico.

Isto para não falar de como se mantinha intencionalmente a generalidade da população na ignorância, na ruralidade de subsistência e na pobreza num país onde a mortalidade materno-infantil era das mais elevados do mundo.

Portanto, as ditaduras são ditaduras e todas eles têm o seu chorrilho de horrores e atrocidades.

Não consigo, ainda, responder à segunda pergunta: a da naturalização da expressão "ditadura branda" em muitas esferas. (Alexandra Vieira)


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