Todos e todas que
acreditam na democracia necessitam estar atentos para o branqueamento da
memória da ditadura, atualmente em curso – Em três dias consecutivos e em diferentes contextos, sendo um deles um
famoso programa musical da Antena 1, ouvi que o salazarismo foi uma ditadura
moderada quando comparada com outros sistemas ditatoriais. Nos primeiros dois
manifestei a minha indignação pessoalmente. Ao terceiro dia não pude deixar de
ficar preocupada, em estado de alerta e pergunto: de onde vem esta ideia e
porque é que ela está a ganhar dimensão?
De onde vem acho que sei responder. Em 2009, o historiador Rui Ramos,
conhecido também como comentador liberal, escreveu na obra que coordenou
"História de Portugal" o seguinte: "Por comparação com outros
regimes contemporâneos, como a ditadura comunista da Rússia ou a ditadura nazi
na Alemanha, não é possível negar que o Estado Novo foi 'moderado': não
recorreu à pena de morte, os assassínios foram muito raros e os presos
políticos foram sempre poucos. Não houve o 'terror de massas' inerente às
revoluções sociais ou às depurações étnicas da época." (página 652)
Ora, aqui, nas redes sociais onde, de facto, "as paredes têm
ouvidos" e sem querer ser muito exaustiva, deixo alguns contributos para a
reflexão.
A ditadura mais longeva da Europa no século XX não foi moderada.
Desde logo, pelo controlo eficaz e sistemático das consciências desde os
bancos da escola à legião portuguesa e ao corporativismo, passando pela
constante censura à liberdade de imprensa e de expressão, a ponto de as pessoas
recearem até o próprio pensamento.
Depois, e nunca é de mais lembrar, opositores ao regime penaram, e muitos
morreram, em prisões políticas das qual se destacam as do Aljube, Caxias, Rua
do Heroísmo e Peniche, sem esquecer o campo de concentração do Tarrafal,
conhecido como o campo da morte lenta. E foram milhares.
Por fim, por não querer reconhecer o direito à autodeterminação dos povos
dos territórios ainda ocupados em África, o ditador iniciou a mais longa guerra
que envolveu um país europeu, no século XX. A investigação histórica, que só há
pouco começou a dar os primeiros passos, mostra que além do elevado número de
jovens mortos, estropiados e com sequelas psicológicas, ao longo dos 14 anos
que durou este conflito em 3 frentes de batalha, está ainda por contabilizar o
número de pessoas mortas, civis e militares do lado de quem lutava pela
independência. Serão muitos e muitos milhares, configurando extermínio étnico.
Isto para não falar de como se mantinha intencionalmente a generalidade da
população na ignorância, na ruralidade de subsistência e na pobreza num país
onde a mortalidade materno-infantil era das mais elevados do mundo.
Portanto, as ditaduras são ditaduras e todas eles têm o seu chorrilho de
horrores e atrocidades.
Não consigo, ainda, responder à segunda pergunta: a da naturalização da
expressão "ditadura branda" em muitas esferas. (Alexandra Vieira)
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