Os
ideólogos da direita portuguesa vivem um momento de grande depressão por falta
de argumentos que contrariem os agradáveis resultados obtidos com o actual
Governo ancorado à esquerda. Vai daí, jogam mão dos argumentos mais falaciosos
e ridículos que qualquer mente minimamente informada sabe não terem a menor
correspondência com a realidade. Foi risível a recente afirmação de Cavaco,
quase a espumar pela boca de raiva, segundo a qual estávamos perante uma
revolução socialista. Ele não é um ingénuo, sabe muito bem o que diz e os
resultados que pretende obter ainda que de forma desonesta. É, pois,
completamente desonesta mas não é nova a ideia que se pretende divulgar que
ideologia só existe à esquerda e que a direita do neoliberalismo radical não é
ideológica mas apenas realista. Faz lembrar a propaganda salazarista, retomada
mais tarde por Cavaco segundo a qual a situação trabalhava para o bem do povo enquanto
a oposição fazia política.
O
texto seguinte é a transcrição de um artigo de opinião assinado por Domingos Lopes
no Público de hoje onde o autor desmonta com muita mestria a afirmação do
pensamento único dominante segundo o qual apenas há ideologia à esquerda.
Depois do colapso da URSS tornou-se
dominante um pensamento único que se alicerça no que se chamou de fim da
História e do triunfo do liberalismo na sua nova versão adaptada à
globalização. A própria União Europeia deixou cair a coesão social e abraçou a
austeridade como programa político.
Em Portugal, Cavaco foi um arauto na
defesa da troika e da política de austeridade. Deu todo o seu apoio ao
governo de Passos que envenenou o país com o empobrecimento. Nessa altura
defendiam que aquela política não tinha alternativa, era a única que Portugal
podia seguir.
O senhor Schäuble também os abençoou na
sua missão magnânima de impor aos portugueses o que ele não queria para os
alemães. Todos se lembrarão dos ataques de Cavaco, Passos, Portas, Maria Luís e
tutti quanti a Tsipras por querer respeitar a opinião do povo grego
manifestada em eleições e que passava por rejeitar as imposições da troika.
Podia lá ser, gritavam. Irão bater no
paredão da realidade, acrescentavam. Como se a realidade existente na Grécia
resultante das eleições e de um referendo passasse a ser um devaneio de um
povo, berço da civilização, país bem mais antigo que alguns dos que hoje
capitaneiam a UE. Aquela realidade era a saída da vontade soberana e
democrática da população grega. Mas não se adaptava à realidade dos ideólogos
da austeridade.
Os sacerdotes do Deus único, o mercado,
classificam todos os que não seguirem de olhos vendados o bezerro de oiro de
padecerem de visões ideológicas irrealistas. Pretendem eternizar esta realidade
de empobrecer os pobres e enriquecer os ricos. Juram a pés juntos que não têm
ideologia, ao contrário de todos os que pretendem mudar a realidade, esses sim
toldados por uma visão ideológica, a de que é possível mudar as coisas, como
tem acontecido, pois não vivemos nem no esclavagismo, nem na Idade Média, nem
como se vivia há 50 anos.
Para estes ideólogos, Portugal devia
continuar a fazer reformas sem fim para o empobrecimento geral do país e
enriquecimento dos mais ricos. Como se este objetivo não fosse uma ideologia.
Interrompido em parte este ciclo de “reformas” lideradas por Passos, estão
danados por se estar a provar que é possível viver de outro modo, restituindo
rendimentos e aumentando, mesmo que poucochinho, os salários, diminuindo os
impostos à maioria de população.
Continua a ser dominante, sobretudo nos media,
este pensamento único que se traduz na ideia de que o mal advém dos que trabalham,
que os poderosos são quem pode fazer progredir os países e os mais pobres só
lhes resta “amouchar”, de que trabalhar aos sábados e domingos é absolutamente
normal e quiçá um dia deixar de haver esses horríveis direitos alcançados
porque algures numa ilha todos trabalham todos os dias e têm como contrapartida
o sustento. E que se houver uma greve na Volkswagen aqui d’el rei que não se
pode irritar uma multinacional. Como se pode falar de direitos face a uma
multinacional, ainda por cima alemã? E é esta ideologia que os seus ideólogos
não têm coragem de assumir e escondem-na atrás do biombo que designam como
realidade.
A realidade encerra várias realidades.
Uma delas é a que tem a ver com os que nela vivem. Uns, uma ínfima minoria, os
que dela retiram biliões, e outros, a maioria, à custa do trabalho, os seus
rendimentos, sendo que para muitos esses rendimentos ficam no limiar da
pobreza. Sim, em Portugal um quarto da população vive no limiar da pobreza.
A que é dominante quer continuar a
manter o seu domínio. E proclama aos quatro ventos que as tentativas de a
alterar esbarram nessa mesma realidade, como se ela fosse eterna e nos fizesse
regressar à eternidade do poder desejada pelos faraós egípcios ou pelos
imperadores romanos ou pelos esclavagistas...
Quando Cavaco se posiciona, no que
chamam Universidade de Verão da PSD, a arengar que os que pretendem um outro
modo de vida esbarram na realidade, nada mais faz de diferente do que fez o
império romano face ao cristianismo, tendo em conta as circunstâncias históricas,
ou o que a inquisição fez a Galileu...
Estes ideólogos disfarçados de
“realistas” esbarram estrondosamente na sua ideologia neoliberal ao tentar
impô-la como única, quando na verdade há outras a espreitar. Bastou a
constituição de um Governo diferente nos seus apoios para entrarem numa
histeria apocalíptica com medo que as coisas mudem.
É isto que os move e os faz apelidar de
pensamento único a um mero exercício de dois anos de um governo cuja base de
apoio é outra e que, na verdade, apenas parou com aspetos mais violentos da
austeridade. Ao esbarrarem nesta realidade proclamaram o fim do mundo, o qual
como se prevê não está próximo, apesar da Península Coreana.
Ficaram excitados com os pios de um dos
seus ideólogos, embora muito requentado. E piam. Piam. Estão a esbarrar na
geringonça com medo que ela se aguente.
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