Vivemos
um momento em que o foco político dos portugueses se concentra nas eleições
autárquicas. No entanto, como soe dizer-se há mais vida (política) para além
destas eleições e o texto seguinte, assinado por Marisa Matias no Expresso de
ontem comprova isso mesmo e vem, implicitamente, chamar a nossa atenção no
sentido de não embandeirarmos em arco nem nos iludirmos demasiado com a ligeira
melhoria das condições de vida dos portugueses, fruto das políticas do actual
governo ancorado à esquerda. Foi graças à acção pressionante das forças
políticas colocadas à esquerda do PS, nomeadamente o BE, na “geringonça” que,
sem ser alterado o garrote da UE sobre o nosso país, se conseguiu fazer uma
viragem na política de austeridade levada a cabo pelo Governo PSD/CDS. É bom
termos bem assente que o PS a governar sozinho não alteraria substancialmente
as políticas da anterior maioria de direita, tal como se pode verificar por
essa Europa fora. É por isso que se constata com facilidade que na última década
teve lugar um agravamento como nunca, das desigualdades já existentes.
A
reunião de várias organizações de esquerda europeia que terá lugar em Lisboa no
próximo mês de Outubro tem exactamente como finalidade a procura de novas
soluções para a Europa, que respeitem a vontade democrática dos povos contra “o
autoritarismo das instituições europeias”. É preciso um “Plano B”.
No final deste ano
completa-se uma década da assinatura do Tratado de Lisboa. A burocracia
europeia aproveitará a efeméride para celebrar uma década em que se aprofundou
a lógica liberal e autoritária imposta por Maastricht, pela União Económica e
Monetária ou, mais recentemente, pelo Tratado Orçamental. Veremos Merkel e
Schäuble elogiar o fosso que crescentemente separa o centro europeu dos países
do Sul. E veremos Juncker ficar dividido entre a proclamação das várias
velocidades de uma Europa que caminha sempre no mesmo sentido ou a proclamação
de uma só Europa, que deixa uns para trás em benefício de outros.
Aos povos da Europa,
pelo contrário, caberá retirar as lições de uma década em que se agravaram como
nunca as desigualdades que existem desde sempre. É também isso que procuro
fazer, com as restrições e abreviações a que o espaço me obriga.
À crise europeia a que
assistimos na última década, marcada pela incompatibilidade entre a economia
punitiva determinada pelas regras do euro e a aspiração democrática dos povos
europeus, juntaram-se duas outras: uma crise legitimidade das instituições
europeias e uma crise humanitária com epicentro no Mediterrâneo.
De cada vez que os
princípios do Tratado de Lisboa foram referendados, a democracia rejeitou o
projeto liberal de “construção europeia” — como se viu, por exemplo, nos
referendos britânico e holandês, ambos desrespeitados pelas forças liberais (PSD
e CDS) e sociais-democratas (PS). E, se dúvidas restassem, o próprio Tratado de
Lisboa é, em si mesmo, a consagração da ideia de que há países que valem mais
do que os outros. Com as alterações introduzidas, na maioria das decisões
tomadas pelos governos da União, bastam seis países para obter 70% da votação;
restando aos restantes 22 apenas 30% do peso da decisão. Dito de outra forma,
de cada vez que o primeiro-ministro português se senta à mesma mesa que Angela
Merkel a sua posição vale sete vezes menos.
Pelo efeito conjugado
das várias crises, a extrema-direita cresceu numa Europa dividida. O mercado
único e a concorrência liberal passaram a ser o alfa e o ómega de Bruxelas, as
forças de direita aplaudiram e a social-democracia anuiu. O resultado é uma
extrema-direita em força a Leste, a Norte e no Centro (que serve de pretexto à
máquina europeia para justificar o vergonhoso tratamento dos refugiados e os
inaceitáveis acordos com a Turquia e a Líbia). E se tudo isto se passava lá
fora, agora também em Portugal o discurso de extrema-direita entrou na campanha
autárquica por via do apoio do PSD a uma candidatura que, numa das maiores
autarquias do país, se afirma abertamente xenófoba e simpatizante de práticas
como a pena de morte.
Perante
os velhos problemas, a Europa precisa de novas soluções. Em outubro, na mesma
semana em que os líderes europeus se reúnem em mais um Conselho Europeu, os
partidos de esquerda, organizações sindicais e movimentos sociais de toda a
Europa reúnem-se em Lisboa para mais uma cimeira do Plano B. A escolha é
simples: entre o autoritarismo das instituições europeias e a escolha
democrática dos povos, a exigência de uma política à esquerda tem de optar pela
segunda.
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