Como
sempre acontece em situações de catástrofe, o tratamento mediático que lhes é
dado quando atingem os Estados Unidos é muito mais pujante do que se tivessem
lugar em qualquer outra zona do mundo. Americanos são americanos… Ainda não foi
feita a contabilidade mas qualquer cidadão estadunidense tem um valor
incomensuravelmente maior do que um negro africano, um indiano pobre ou um
natural do Bangladesh, para não darmos mais exemplos. Muitos leitores talvez só
através do contacto com o texto seguinte, que transcrevemos do Público de hoje
(*), fiquem a saber que o território do Bangladesh tem a terça parte da sua
área inundada, que a Índia tem cidades paralisadas pelas inundações e centenas
de vítimas ou do recorde de precipitação que se verificou na China…
Todas
as vítimas destas catástrofes naturais merecem a nossa solidariedade mas não
nos devemos esquecer da responsabilidade do chamado mundo desenvolvido, com os
EUA à frente, no processo das alterações climáticas.
A história pode começar nos Açores. Os
furacões afetam os Açores em qualquer altura do ano, uma vez de dez a 20 anos.
Porém, no mês de janeiro e desde 1850, apenas três furacões percorreram o
Atlântico: a 4 de janeiro de 1938 (quando ainda não se atribuíam nomes próprios
por ordem alfabética), de 31 de dezembro de 1954 a 4 de janeiro de 1955 (o
furacão Alice), e a 15 de janeiro de 2016 (o furacão Alex). Tendo
em conta toda a informação disponível, é possível dizer que este último foi
bastante mais forte que os restantes.
Depois dos furacões Katrina, em
2005, que afetou Nova Orleães, e do furacão Sandy, em 2012, que deixou
Nova Iorque inundada já quase fora da época para este tipo de tempestades
(final de outubro), a relação entre o aquecimento global e consequentes
alterações climáticas e este tipo de fenómenos meteorológicos voltou a estar na
ordem do dia. As reflexões são em grande parte convergentes — há um conjunto de
fatores relacionados com as alterações climáticas que amplificaram as
consequências: o nível do mar está mais elevado do que há algumas décadas; as
temperaturas à superfície do oceano mas também já em profundidade, na
trajetória do furacão, estão mais altas, levando a que a evaporação seja maior;
com temperaturas do ar também mais elevadas, a tempestade consegue conter e
transportar um volume de água muito superior.
A devastação de um furacão está
relacionada com a forma como o território afetado foi planeado e ordenado, e
como medidas de prevenção, que habitualmente designamos por adaptação a este
tipo de eventos incluindo de uma forma as alterações climáticas, foram ou não
implementadas. Ao mesmo tempo, a resposta preventiva e atuação da proteção
civil são determinantes na redução da mortalidade. As consequências são
geralmente mais dramáticas quando o grau de desenvolvimento das zonas atingidas
é menor.
No que respeita à ocorrência de cheias,
quem estudou ou trabalha na área da hidrologia tem um olhar probabilístico,
onde a dimensão de uma cheia tem uma possibilidade de acontecer tanto menor
quanto maior for a sua dimensão. Falamos da cheia dos 100 anos ou dos 500 anos
(cujas probabilidades de ocorrência são de uma vez em cada cem anos ou em cada
500 anos, respetivamente). O historial de dados com que fizemos a avaliação
destas probabilidades está a mudar rapidamente (e a agravar-se em termos de possibilidade
de ocorrência), quer pelas mudanças no território quer devido às alterações
climáticas. Estamos perante uma evolução que torna os riscos cada vez maiores.
A causa humana é cada vez mais indissociável, à escala local e global, e a
previsibilidade mais difícil, assumindo nomeadamente alguns furacões uma
dimensão destrutiva enorme.
O furacão Harvey que afetou os
Estados Unidos e o furacão Irma que está a devastar as Caraíbas também a
caminho dos EUA têm desviado as atenções do Bangladesh, que tem um terço do seu
território inundado, da Índia, com cidades paralisadas, somando-se centenas de
mortes, ou ainda do recorde de 60 anos de precipitação registado há uma semana
em Pequim.
Talvez a destruição que parte dos EUA
enfrentam e cuja dimensão é também resultado das alterações climáticas faça
mudar de ideias um Presidente que em junho passado começou a rasgar o Acordo de
Paris sobre o clima.
(*) Francisco Ferreira, Presidente da Zero,
Público
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