Agora
que a época dos incêndios se encontra mais ou menos encerrada, este ano com um
rol imenso de vítimas mortais e uma incomensurável área de floresta destruída,
seria a altura ideal para se fazer uma discussão pública profunda sobre a
reforma florestal e a conservação da natureza. Mas, mais uma vez, o que vai
acontecer é que, terminadas as últimas reportagens televisivas sobre incêndios florestais,
quase toda a problemática à sua volta irá cair no esquecimento. Para o ano,
quando chegar o Verão e se atear o primeiro incêndio, tudo volta ao ponto de
partida, apontando-se causas e culpados mas não se criando medidas legislativas
e outras que ponham fim à calamidade que se abate todos os anos sobre Portugal e
que, cada vez, tem maiores proporções.
Conscientes
do desastre ambiental que já se vive no nosso país, e da necessidade de
reformas na área das florestas e da conservação da natureza, aproveitamos todos
os textos que abordem esta temática para, dentro das nossas modestas possibilidades,
os divulgarmos perante todos aqueles que visitam o nosso blog.
É
o caso do seguinte artigo de opinião da bióloga Maria Amélia Martins-Loção (*)
que transcrevemos do Público de hoje.
Nos dois últimos anos, Portugal perdeu
13% de área florestal, quase o dobro do que tinha perdido em 25 anos (7%). Ao
arrepio do que se verifica nos países europeus da bacia do Mediterrâneo, onde a
florestação tem vindo a aumentar entre 18 a 33%, Portugal assiste a uma
percentagem semelhante, mas a diminuir. Este desastre ambiental, resultado da
incompetência sucessiva de políticas falhadas, arrasta perdas económicas e
ecológicas imensuráveis. De entre as hierarquias de prioridades políticas, as
estratégias da reforma florestal e da conservação da natureza não possuem peso
eleitoral ou valor intrínseco na consciência das sociedades para obrigar os
políticos a valorizar um território cada vez mais votado ao abandono. É o
eterno dilema da economia versus ecologia: os economistas dão poder, os
ecologistas trazem reivindicações. Mas ao contrário destes, que se associaram a
movimentos políticos, os ecólogos são cientistas que olham e vêm os problemas
como um todo, de forma holística.
Muitos dos problemas da floresta vêm da
necessidade do poder económico. Assim nasceram as grandes monoculturas de
pinheiro e eucalipto. E, como todas as monoculturas, sejam elas arbóreas ou
herbáceas, apresentam vulnerabilidades, reflexo da rotura de interacções
complexas que se estabelecem conferindo resiliência ao ecossistema. Em toda
esta preocupação económica esqueceu-se a visão ecológica, arrastando a
diminuição da biodiversidade em prol da produção. Embora sejam necessárias
florestas de produção, há que saber gerir o território de forma a que não
ocupem grandes manchas contínuas. Após este Verão de fogo, não seria oportuno
desenvolver novos modelos de exploração socioeconómica com base na plantação de
manchas de espécies mediterrânicas, arbóreas ou arbustivas, mais resistentes ao
fogo? As matas biodiversas funcionam como reservatórios de carbono, reguladores
do ciclo hidrológico, sequestradores de poluentes, impedem a erosão do solo,
estabelecem uma barreira à entrada de fogos. Ou seja, fornecem serviços
ecológicos vários à comunidade, que deviam ser quantificados e devidamente
remunerados. No próximo programa quadro europeu (FP 9), em actual discussão,
novas questões serão levantadas, entre elas as ligadas à preservação dos
ecossistemas e à sustentabilidade da exploração dos recursos. Perante a
situação actual do nosso território, podia ser oportuno testarem-se, junto das
populações, programas socioeconómicos inovadores com vista ao desenvolvimento
de estratégias de reflorestação sustentáveis. Mais tarde, os resultados obtidos
podiam ser replicados e a experiência adquirida ser ampliada e dinamizada no
enquadramento europeu.
Mas para além dos pinhais e eucaliptais,
consideradas florestas de produção, surgem os acaciais. Estes foram colocados
ao longo das estradas pela rapidez com que cresciam, conferiam “beleza e
colorido” às infra-estruturas viárias e rapidamente se tornaram invasoras. São
também as primeiras espécies a tomar conta do solo recentemente queimado e a
constituir uma praga difícil de remover. Alertar a população de que a acácia
constitui uma verdadeira praga difícil de controlar tem sido feito em termos de
programas de ciência cidadã. Mas a formação e a divulgação não chegam: há que
dinamizar financiamentos para desenvolver métodos eficazes de controlo destas
invasoras.
Actualmente, é bom não esquecer, um dos
maiores problemas que os ecossistemas enfrentam, para além do homem, são as
espécies invasoras. São resilientes às alterações climáticas, ao fogo, e
rapidamente desenvolvem estratégias de reprodução que lhes permitem reocupar
novos terrenos. E isto generaliza-se às plantas, aos animais e aos
microorganismos, na sua maioria ignorados, mas que estão na base da
complexidade das interacções que se estabelecem no ecossistema. Os ecólogos têm
aqui papel relevante para estabelecer a ligação entre o conhecimento científico
e as práticas de gestão. Infelizmente, gestores e economistas, ávidos em montar
programas rápidos de ocupação e reabilitação de áreas queimadas, esquecem
muitas vezes de consultar o conhecimento científico dos ecólogos.
Em toda esta preocupação de refazer o
país, as políticas de mitigação urgentes, para minorar os efeitos da alteração
climática, que actualmente se vive, são pouco eficazes e consistentes no tempo
e no espaço. Infelizmente, a preocupação política subjacente aos compromissos
internacionais do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris está
maioritariamente direccionada para a implementação das energias renováveis. Ou
seja, para benefício e suporte do país urbano. Mais uma vez é priorizada a economia
para o consumo, o citadino e o imediato. A paisagem florestal heterogénea, a
biodiversidade dos matos, o desenvolvimento socioeconómico com base nos
serviços ecológicos, ainda são prioridades menores para as políticas do
imediato. É tempo de a sociedade interiorizar que a sustentabilidade depende de
um continuum harmonioso entre ecologia e economia.
(*) Professora catedrática da
Universidade de Lisboa; presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia
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