quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

REFLECTIR SOBRE A LEI DO MENOR ESFORÇO


A chamada “lei do menor esforço”, ainda que não tenha sido cientificamente comprovada tem uma real aplicação nas nossas vidas. E é natural que assim seja porque para o ser humano “qualquer coisa que custe menos esforço a fazer tem probabilidade de ser usada mais frequentemente do que algo que exija um esforço maior”, muitas vezes com a vantagem de se poupar tempo para outras actividades.
Aliás, a aplicação desta lei trouxe muitas vantagens para a humanidade permitindo significativos avanços na qualidade de vida das pessoas. Seria fastidioso enumerar os benefícios que a colocação em prática desta tendência natural do ser humano acarretou para o Homem mas todos os dias tiramos proveito dela.
De qualquer maneira, será que a lei do menor esforço tem apenas vantagens? O texto seguinte – parte de um artigo de opinião que David Rodrigues, Presidente da Pró-inclusão e Conselheiro Nacional de Educação assina no “Público” de hoje – vem demonstrar que nem sempre é assim e dá três exemplos em situações determinantes, como a “aquisição de conhecimentos”, “consumo” e “sociedade”.
Trata-se de uma reflexão cuja leitura merece uma observação atenta na actual situação em que a humanidade vive.

É notável a forma como aderimos e nos adaptamos ao menor esforço. Depois de termos experimentado como se pode fazer uma dada tarefa com um esforço menor, ou de forma automatizada, sempre nos parece penoso e difícil retomar a forma “manual” – e subitamente vista como mais complexa – de executar essa tarefa. Parece que para além de estarmos predispostos para a “lei do menor esforço”, estamos sistematicamente a ser convencidos dos benefícios que este menor esforço trará à nossa vida, nomeadamente quando nos liberta do trabalho para “as coisas importantes”.
Mas será que toda esta poupança de energia, de tempo e trabalho, esta automatização de procedimentos que antes tinham que ser pensados e pilotados, é sempre positiva? Talvez não e procurarei ilustrar com três exemplos:
Quais serão as consequências do “menor esforço” na aquisição de conhecimentos? Este é um tema particularmente sensível no campo da Educação, onde se defrontam conceções muito diferentes sobre a forma como se adquirem conhecimentos. Uma, mais tradicional, defendendo o estudo, a leitura, o aprofundamento e a imprescindibilidade do comprometimento e motivação pessoal; outra que promove o conhecimento mais rápido e superficial, de “copy-paste” de sites da internet, um conhecimento feito de resumos que “contam a história”, “o que interessa”, de um romance em meia folha de A4. Estas duas perspetivas continuam a procurar supremacia e são, talvez, uma das questões que mais afeta a opinião que os alunos têm da escola e a que os professores têm dos alunos. O certo é que o conhecimento – nomeadamente através das plataformas digitais – permite um acesso muito mais simples, muito mais imediato e diversificado do que as plataformas que muitos dos professores usaram e que continuam a considerar como as mais confiáveis e seguras.
No consumo verificamos também o quanto poderá ser prejudicial a perspetiva do “menor esforço”. Tudo no mercado está pensado e planeado para seduzir o consumidor através da simplicidade. “Abertura fácil”, “preparação instantânea”, “pronto a usar”, são slogans omnipresentes. Mas o certo é que este esforço de tornar sedutor e imediato o consumo, isto é, de ser consumido segundo a lei do menor esforço, pode trazer prejuízos ao esconder as verdadeiras características do produto, e ainda a hipertrofiar o seu aspeto em detrimento da sua racionalidade e sustentabilidade. O que se adquire de mais rápido é frequentemente o que não é uma compra razoável e sustentável.
O “menor esforço” na sociedade é igualmente um assunto preocupante. As formas simples de resolver as questões sociais são as que têm mais procura para resolver problemas complexos da sociedade. Um exemplo: o movimento de extrema-direita Vox, que recentemente obteve uma votação na Andaluzia que lhe permitiu chegar ao governo da região autónoma, defende que a educação seja separada por sexos tal como existia há muitos anos: escolas para rapazes e escolas para raparigas. Esta ideia persegue o “menor esforço” através da procura da homogeneidade. Trata-se de “menor esforço” porque, se conseguíssemos grupos completamente homogéneos, isso permitiria ensiná-los economizando o esforço de personalizar e diferenciar a aprendizagem e o ensino. E, assim, esta primeira divisão entre rapazes e raparigas prenuncia outras divisões talvez de alunos com deficiência e sem deficiência, de alunos com credos religiosos diferentes, talvez mesmo escolas diferentes para alunos que mostrem capacidades e competências diferentes. Ao abdicar de uma perspetiva inclusiva, estes movimentos ideológicos procuram a perfeição à sua maneira – seguindo a lei do “menor esforço”.
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Quando acabamos de comemorar os 70 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, caberia lembrar que a Educação “deve promover a amizade entre todos” (art. 26.º) e, assim, estas ideias de “menor esforço” e de “decisão óbvia e pragmática” podem esconder – por ignorância real ou premeditada – o menosprezo da complexidade que os fenómenos humanos têm por inerência. Encolher o esforço pode levar também a um encolhimento dos Direitos, na medida em que só consigo menos esforço de amputar a compreensão da realidade de aspetos essenciais.
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É que os Direitos Humanos, o conhecimento, a Educação, a sustentabilidade, dão trabalho e qualquer “menor esforço” é certamente um convite ao retrocesso e ao desrespeito dos valores que mais devemos prezar para sermos uma sociedade humana. Humana para todos.

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