quinta-feira, 22 de março de 2012

A MARCA DE UMA PROVOCAÇÃO

Num dia que deve ser de unidade da esquerda, pode assumir particular simbolismo colocar num blog do BE um artigo de opinião de um autarca do PCP. No caso concreto trata-se de Francisco Queirós, vereador da Câmara Municipal de Coimbra. Aliás, o tema que ele aborda no Diário As Beiras é particularmente abrangente para os democratas em geral e para a esquerda em particular. A criação da marca Salazar, supostamente para promover os produtos regionais de Santa Comba Dão, é quase uma provocação ao regime democrático em que vivemos. O sujeito que se lembrou desta ignomínia talvez tivesse lugar no partido único do ditador, tão pouco respeito demonstra pela nossa memória coletiva, mas nunca devia ser membro de um partido criado com o advento da democracia, o PSD.

Uma questão de marca
O presidente da Câmara de Santa Comba Dão anunciou recentemente a criação da marca Salazar. Para promoção de produtos regionais, a autarquia lança a marca de vinhos “Memória de Salazar”, a que se seguirão outros produtos. Entre os “produtos” a criar, estará, sempre também, o já há muito anunciado Museu do Estado Novo.
João Lourenço, tal é a graça do edil, insulta a memória dos portugueses e torna-se indigno dos seus próprios conterrâneos, vítimas de Salazar, como muitos outros portugueses.
A memória de Salazar, servida em vinho ou noutro bem é uma memória horrorosa. A ditadura fascista de Salazar representou e representa na memória do povo português a miséria, o subdesenvolvimento como opção deliberada de quem defendia um país do género “alegre casinha”, pobrezinho, mas temente a Deus e à Autoridade.
A marca Salazar é uma marca suja de pobreza que atravessou gerações, de gente analfabeta, esfomeada, descalça, a trabalhar de sol a sol, vendendo, a baixo preço, os seus braços em praças de jorna.
A marca Salazar é a de um país campeão da mortalidade infantil, sem cuidados de saúde para além de algum assistencialismo das irmãzinhas caridosas e de uma muito baixa esperança de vida. A marca Salazar é a marca do obscurantismo cultural, onde ler e contar era saber já demasiado. A marca de Salazar foi a marca dos prisioneiros políticos, de exílios, expulsões da função pública e do ensino, de torturas e assassinatos. Por detrás da marca há rios e rios de sangue. Chamassem-se Catarina, Dias Coelho, Humberto Delgado ou Tarrafal, Caxias, Peniche. A marca de Salazar encerra em si as sub-marcas PIDE e censura.
A marca Salazar é a marca da delação, do bufo, do informador oportunista. Salazar é a marca de um patronato esclavagista. É a marca de uma moral falsa, de um controlo social que não dormia, a não ser dormindo às escondidas, de escândalo em escândalo ocultado, de Ballet Rose e outros. Salazar foi uma marca e até teve “slogans”: “beber é dar de comer a um milhão de portugueses” – a promoção de um povo subjugado e silencioso, se necessário pelo alcoolismo e por demências.
A marca Salazar foi a marca de uma guerra de 14 anos, onde morreram milhares de jovens, regressados em caixotes de pinho ou espalhados pelas matas africanas e que condenou muitos à cegueira ou à amputação de membros. Homens que ainda hoje não dormem. É a marca de viúvas e órfãos, de mães a despedirem-se no cais de um filho que voltaria ou não.
A marca Salazar é a marca dos que atravessaram montes e rios para a salto, às escondidas, chegarem a terras de França, de Alemanhas e outras partes e que vivendo em bairros de lata construíram as casas dos outros. A marca Salazar era a marca do medo, medo de falar, de escrever, de pensar até.
Salazar é dono desta marca. Desta sim, a da miséria, da exploração, do medo! No momento em que Portugal atravessa uma enorme agressão externa imposta pela troika não é inocente a ressurreição da marca. Há quem esteja de atalaia para substituir a detestável marca da troika pela marca Salazar de más memórias.
A alternativa é a marca de um povo com dignidade e direitos. A marca de um povo que hoje não trabalha pelo direito ao trabalho de cabeça erguida todos os outros restantes dias.

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