O texto seguinte não é da autoria de qualquer esquerdista encartado, mas de José Pacheco Pereira (que não necessita apresentações) e foi transcrito da edição da “Sábado” de 22/3/2012.
A sua leitura atenta permite-nos perceber que as notícias otimistas que a comunicação social do regime vai fazendo chegar às nossas casas têm pouca credibilidade. São uma nova versão dos “amanhãs que cantam” destinada a encobrir a triste realidade que nos cerca, como demonstra, por exemplo, o indicador da subida em flecha do desemprego, a permanência de Portugal num lugar do pódio do clube da bancarrota, os quase 300 mil desempregados que não recebem qualquer subsídio, ou a situação dramática em que se encontram cerca de 140 mil famílias que incorrem atualmente em processos de incumprimento por falta de pagamento do crédito à habitação.
O cansaço da crise e a propaganda
Há um mecanismo conhecido e que vem sempre em ajuda dos “especialistas” de propaganda de que os governos estão cheios e de que este não é excepção. Pessoas, habilidosos, assessores de imprensa, agências de comunicação e de marketing “político”. Esse mecanismo é a procura da novidade, que, quando não há, inventa-se. Depois o efeito conjugado do pack journalism e da moda fazem o resto. O resultado é a manipulação tentada da opinião pública por estes profissionais e depois ampliada pela incompetência dos media e pelo situacionismo face ao poder. Eu sei que é muita maleita ao mesmo tempo, mas é assim que as coisas funcionam. Os vícios atraem-se.
É o que se passa com a campanha em curso de que “a crise acabou”, a “crise já está a prazo”, ou seja, já se vê luz ao fundo do túnel. Esta campanha vem dos governantes, mas aí é natural que haja declarações optimistas, assim como também é óbvio que valorizam as escassas estatísticas favoráveis, como é o caso da subida das exportações e da descida das importações. É certo que o segundo caso é fruto da crise das pessoas, das famílias e, em particular das empresas, mas o resultado é positivo. Do mesmo modo, o pico da crise europeia parece ter-se transformado em planalto, e isso é também positivo.
Porém todos os outros indicadores são negativos e o que há wishful thinking sobre o futuro e a crença ilimitada num arranque milagroso da economia em 2013. O terreno para as festividades já está preparado quando governantes encontraram na travagem de alguns indicadores, ou sua ligeira inversão, os motivos para dizerem que “já se deu a volta”, quando na verdade apenas se estagnou a crise ou se desacelerou um pouco, porque já se bateu no fundo. Se não estamos a descer para o Inferno a toda a velocidade, nem por isso estamos a caminho de algum purgatório.
Na verdade, ninguém nos diz que o desemprego vai baixar, mas apenas que não vai crescer com a mesma velocidade, ninguém nos diz que a austeridade vai diminuir (alguma coisa haverá em vésperas de eleições), mas apenas que não vão ser precisas novas medidas, ninguém nos diz que os impostos vão baixar, a não ser sobre as empresas aí para 2014, e ninguém nos garante que vamos crescer mesmo, mas apenas que daqui a um ano deixaremos a recessão.
Ao propagandistas, supostos conhecedores daquilo que no passado se chamava a “psicologia das multidões”, sabem que há sempre um momento de cansaço da crise, um momento em que de tanto ouvirem falar em crise (eu digo falar, não de sentir, porque no sentir ainda estamos nos preliminares) desejam outras notícias, desejam alguma esperança, desejam acreditar nalguma possibilidade de não continuarem a sofrer ou de virem a sofrer mais. É o mais humano dos sentimentos e, como o tempo mediático faz sempre os exageros da desgraça antes das desgraças baterem à porta com força, “o que parece é”. Portanto, nesta base de desejo de conforto psicológico, constrói-se a manipulação. Ela não dura muito, nem pode ser repetida muitas vezes sem se voltar contra os seus autores, mas enquanto o pau vai e vem folgam as costas.
O desejo de novidade permanente que está no âmago dos mecanismos mediáticos faz o resto: as notícias de que a crise está a abrandar, está a termo, vai acabar, são hoje mais “novidade” do que qualquer outro indicador negativo que é “mais do mesmo”. Nas últimas duas semanas, foram conhecidos vários indicadores negativos, assim com declarações internacionais pessimistas sobre Portugal, mas a sua visibilidade mediática foi menor. A crise cansa, a crise deixou de ser novidade. A crise está a acabar. Ufa!
quarta-feira, 28 de março de 2012
A REALIDADE É OUTRA
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