quinta-feira, 25 de abril de 2013

ABRIL EM SOFRIMENTO


“Um país que, depois de construir o futuro, é empurrado de regresso ao passado”, assim começa um texto de superior qualidade assinado por Manuel Loff, hoje, no Publico. Poucas afirmações terão sido feitas ultimamente que exprimam de forma tão clara a evolução de Portugal nos 39 anos que se seguiram à restauração da democracia. Os valores de Abril estão num processo de destruição acelerada por aqueles que sempre foram os seus piores inimigos e que agora têm à sua disposição (quase) todos os meios de que necessitam para levarem a cabo as suas criminosas intenções. Abril encontra-se em grande sofrimento mas não está, de modo algum, morto como se pode constatar pelas lutas levadas a cabo pelos portugueses, de que as gigantescas manifestações populares são o principal afloramento. A luta democrática é o único caminho para impedirmos o regresso ao passado.

Entretanto, apreciemos um excerto do texto de M. Loff.

Um país que, depois de construir o futuro, é empurrado de regresso ao passado. Com o 25 de Abril, não foi apenas a Poesia a sair à rua, como pintou Vieira da Silva. A madrugada por que os portugueses havia muito esperavam, como escreveu Sophia, trazia consigo uma promessa de futuro que as conquistas da Revolução e uma Constituição empenhada na dignidade finalmente concretizaram nas nossas vidas. Milhões de portugueses passaram a dispor de coisas tão básicas, tão evidentes, como uma consulta médica gratuita, uma pensão de reforma, uma escola pública decente com professores condignamente formados, uma torneira de onde saía água corrente, um interruptor que ligava uma lâmpada que não mais era um luxo de cidade rica, um transporte público que vinha mitigar uma das tantas causas da exaustão quotidiana de quem trabalhava para sobreviver. As mulheres, mais do que os homens, experienciaram todas as mudanças. Como escreveu Maria Velho da Costa, "elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas", "souberam dizer salário igual e creches e cantinas", "sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões" e "disseram à mãe, segure-me aqui nos cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é". A Liberdade trazia o futuro, a confiança no futuro, o fim da guerra, três/quatro anos roubados a sangue e a saudade da vida de um milhão de homens de 20-30 anos. Abril trouxe voz, arrojo, a reapropriação de um país por quem nele vivia e a ele queria voltar!

39 anos depois, o medo foi regressando à fábrica, ao escritório, as bocas dos patrões e dos gestores voltaram a encher-se da arrogância do "se não gosta, ponha-se a andar!", ao desempregado é dito que a culpa é dele (porque parece que não quer trabalhar, se não aceita o meio salário que lhe propõem), e aos jovens é explicado que o problema é não serem empreendedores e não saírem da sua área de conforto... A todos nos repetem que "não estamos em 1975!", mesmo que a maioria nem saiba o que isso foi, a todos se quer ensinar que "não se meta em trabalhos...", "isso dos sindicatos é coisa do passado". Os trabalhadores passaram a ser colaboradores, e, apesar de todo o palavreado da procura da produtividade, é a obediência a disfarçar-se de reverência, a indignidade a disfarçar-se de empenho. Num país que vinha do salazarento elogio da incultura, que dizia que os filhos do povo que tinham ido à escola "nada ganharam. Perderam tudo. Felizes os que esquecem as letras e voltam à enxada" (deputada Virgínia C. Almeida, 1938), a democracia fez-nos dar um salto de gigante na qualificação, na realização pessoal através da escola, da universidade, formou os portugueses mais preparados da história. 39 anos depois de Abril, insinua-se que estudar é inútil e faz-se com que seja caro; e a quem objetar que, dessa forma, se promove o maior abandono escolar da Europa e o regresso da injustiça no acesso à universidade, faz-se o discurso rançoso da necessidade de reduzir as expetativas, "nem todos podem ser doutores!", que nunca devíamos ter abandonado a escola dual (isto é, discriminatória), que habituava os filhos do povo ao único futuro a que deveriam aspirar: o de um trabalho manual, repetitivo, de execução do que outros decidirem, consequentemente mal pago. Não gostam? Emigrem!

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