A chamada Terceira Via
criada por Tony Blair foi uma espécie de cavalo de Troia introduzido nos
partidos da Internacional Socialista, ou seja, aqueles que ideologicamente se identificavam
com a social-democracia/socialismo democrático.
A ideologia blairista
consistiu na contaminação cada vez maior de uma parte significativa dos
fundadores e defensores do Estado social pelo ultraliberalismo. Em Portugal temos
um significativo exemplo desta alteração de valores na prática do PS. Como afirma
Domingos Lopes no texto que transcrevemos a seguir do Público de hoje “o simples facto de o PS se sentar a pedido
de Cavaco com os partidos do empobrecimento e da destruição do Estado social
deu força aos partidos do Governo e enfraqueceu o PS e a esperança à esquerda”
na medida em que colocou em cima da mesa a possibilidade de os “socialistas”
deixarem cair ainda mais elementos determinantes do Estado social. O comum dos
cidadãos acaba, assim, por ver poucas diferenças entre PS e PSD, desistindo
mesmo de votar…
Desde Tony Blair e a chamada terceira via,
os partidos da IS vão deixando cair o Estado social.
Há, na
verdade, palavras imensas. Fico-me pela palavra socialismo. Palavra que
aproxima as esquerdas. Socialismo, sonho, como outrora o de Cristo, antes de a
Igreja se inclinar perante o poder dos Césares. Como dizia Alegre num
interessante artigo neste jornal do dia 21 de Agosto, citando Cesariny, há
palavras imensas que esperam por nós. Eu acrescentaria pelas quais nós
esperamos em perseguição pelo ideal contido na palavra. Há palavras imensas que
aproximam os homens e as que os afastam e os tornam inimigos uns dos outros.
A palavra empobrecer, verdadeiro norte de
Passos e Portas, cria um imenso campo de desgraça em que os de cima se tornam
mais poderosos e ricos e a imensa maioria da população pobre.
Para tornar ainda mais ricos umas centenas
ou alguns milhares de ricos, os governantes defendem a teoria do castigo do
povo viciado em gastar e viver acima das suas possibilidades, conseguindo
espalhar a má nova de que a actual crise resulta de quem vive dos seus
rendimentos do trabalho de acordo com as regras da comunidade, aliás criadas
por aqueles que se arvoram em carrascos da imensa maioria que acreditou nas
promessas do sistema financeiro.
Esta é a palavra pela qual não esperamos e
que os donos do dinheiro impõem aos portugueses.
Manuel Alegre analisa as várias rupturas
nas esquerdas e até dentro delas, pois enquanto houver homens haverá sempre
lugar a diferentes interpretações.
Porém, ao acabar de ler e acalentado pela
"fé" na palavra que poeta não deixa morrer - socialismo - e tendo em
conta a tese do autor de que vivemos num tempo em que os partidos tradicionais
podem deixar de contar ou até desaparecer, dei comigo a pensar no futuro do PS
com Seguro ao leme. Porquê? Porque se impõe perguntar qual o futuro do PS... E
ainda porquê... porque o PS deixou cair os valores da esquerda que proclama
ter... Vejamos: o PS diz-se contra a austeridade, mas foi negociar com o PSD e
CDS, responsáveis pelo cumprimento do programa da troika. Era possível imaginar Coelho e Portas, a quem o PS acusa
de ir além da troika, a fazerem
um volte-face e virem defender o Estado social que o PS diz defender?
O que havia que negociar do ponto de vista
do PS para encontrar o tal consenso com os partidos do Governo?
Que estiveram a "cortar" durante
uma semana aqueles três partidos que os poderiam fazer chegar a um consenso
cavaquista de cortes "aceitáveis"?
O simples facto de o PS se sentar a pedido
de Cavaco com os partidos do empobrecimento e da destruição do Estado social
deu força aos partidos do Governo e enfraqueceu o PS e a esperança à esquerda.
Porque o PS é um partido-chave para uma
mudança (salvo se se entender que a mudança será sem eleições, do género
revolucionário). Continuando, porém, a ser um actor que em muito pouco se
distingue dos partidos do Governo, prosseguindo o caminho de incorporação na
vaga ultraliberal que assola o mundo, liquidará o sonho social-democrata de
muitos aderentes daquele partido.
Os sociais-democratas são co-fundadores do
Estado social. Distinguiam-se dos liberais de direita e da direita exactamente
por se vincularem à defesa do Estado social.
Pouco a pouco, desde Tony Blair e a chamada
terceira via, os partidos da IS vão deixando cair os elementos-chave do Estado
social. Tal como Passos e Portas dizem defender a escola pública, o Serviço
Nacional de Saúde, a Segurança Social e a justiça para todos, mas na verdade o
que fazem é transformar a educação, a saúde, a Segurança Social e a justiça em
serviços sem qualidade, justificando novas privatizações e colocando o Estado
que atacam ao serviço dos privados e em detrimento da comunidade no seu
conjunto.
Houve, portanto, rupturas no passado entre
as esquerdas como é escalpelizado no referido artigo. Há todavia novas rupturas
na actualidade. Como vai reagir o povo português a este contra-senso? Vai
continuar a dar o apoio ao PS ou percebendo que é "tudo a mesma
coisa" desiste do apoio ao PS? Ou desiste do apoio ao PSD e espera pelo
próximo número do
Paulo-das-feiras-e-dos-contribuintes-contra-os-impostos-e-das-decisões-irrevogáveis-por-cima-da-Maria-Luís?
Ou ainda, encarando a realidade de outro
ângulo, o PS não se diferenciando de modo claro e juntando-se à vaga neoliberal
responsável pelo descrédito da política e do regime democrático, que futuro
terá?
A democracia precisa de um PS que não se
vergue à onda conservadora que varre o mundo. O mundo precisa de mudar. E
Portugal também. Há palavras imensas que temos de perseguir: liberdade,
igualdade, justiça, socialismo. Há palavras terríveis que todos os dias açoitam
os portugueses: empobrecimento, austeridade. Precisamos da imensidão da palavra
esperança, desejavelmente com o PS. Se não, com quem tiver esperança. E futuro.