quarta-feira, 7 de agosto de 2013

IMPULSO DE FÉ NEOLIBERAL


Quando o Cardeal Jorge Mario Bergoglio foi eleito (?) Papa, muitas vozes se levantaram, criticando a sua acção durante a criminosa ditadura argentina. De qualquer maneira, com a tomada de posse e depois do folclore mediático que a rodeou, atirados os foguetes e apanhadas as canas, verificou-se que Francisco I talvez traga alguma inovação a uma instituição tão conservadora como é a Igreja Católica. As tomadas de posição do novo Papa, muito críticas em relação à globalização dos mercados, é um sinal de esperança para aqueles que entendem que é possível construir outro mundo mais justo e solidário, nem que para isso se tenha de colocar em causa a forma mais radical do capitalismo que hoje vigora sob a capa do neoliberalismo.

Pena é que a mais alta hierarquia da Igreja Católica portuguesa ainda não tenha sentido a influência das ideias mais inovadoras do novo Papa, deixando passar em claro o triste espectáculo dado pelos “devotos” do actual Governo e do PR aquando da recente celebração da primeira missa de D. Manuel Clemente como Cardeal Patriarca. Sobre este tema é muito interessante um texto de
Domingos Lopes que ontem podíamos ler na edição impressa do Público.

Imaginemos que a multidão de católicos presente em Copacabana e antes do Papa iniciar a missa aplaudia os governantes brasileiros que entretanto entravam no imenso areal transformado em templo... Imaginemos...

A missa é a celebração religiosa em que se invoca o sacrifício supremo de Cristo pela salvação da humanidade.

A missa tem lugar num templo onde se reúnem os crentes para celebrarem a eucaristia. De certo modo, é um local sagrado. Neste tempo de comunicação, Copacabana foi templo.

No Novo Evangelho, Mateus (21.12-13) dá conta da fúria de Jesus Cristo contra os que iam ao templo para se mostrar e negociar em vez de se dedicarem à oração.

Já há mais de dois mil anos alguns homens de negócios não se detinham diante de nada, nem sequer do templo de Herodes. Diz o episódio que Jesus derribou a mesa dos cambistas que trocavam dinheiro grego e romano por hebraico...Não, não era em Nova Iorque na Bolsa, era em Jerusalém.

O Papa referiu-se à globalização dos mercados de um modo crítico contrapondo a essa globalização da indiferença a da solidariedade.

No Mosteiro dos Jerónimos, onde D. Manuel Clemente oficiou a sua primeira missa como cardeal patriarca, os que se submetem ao diktat dos mercados (uma espécie de cambistas de antanho), os que tudo negoceiam (água, eletricidade, saúde, educação, transportes), sabendo da celebração da missa pela autoridade religiosa máxima, acorreram, concertando agendas de chegadas e partidas para não esbarrarem uns nos outros nos seus fatos de ocasião.

Para que nada faltasse, quando suas excelências entraram, os devotos de Cavaco, Assunção, Pedro e Paulo não resistiram e, num impulso incontido de fé, aplaudiram-nos, esquecendo-se porventura que não estavam no Campo Pequeno mas sim no Mosteiro dos Jerónimos a participar na missa.

Ao que se sabe, D. Manuel não estranhou. Não era mestre-de-cerimónias, disse alguém por ele. E quem pode esquecer Cristo derribando mesas e expulsando os vendilhões... Mestre-de-cerimónias?

Este episódio traz à memória outra parábola - a dos três irmãos órfãos (a água, o nevoeiro e a vergonha) que tinham de se separar para irem à sua vida.

Para se encontrarem, combinaram: a água andaria sempre ao fundo das terras; o nevoeiro nos vales; a vergonha quem a perdesse de vista nunca mais a encontraria.

Os que se encontraram nos Jerónimos para ofereceram e receberam palmas dificilmente encontrarão o que perderam - a vergonha.

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