segunda-feira, 26 de agosto de 2013

LIBERDADE VIGIADA


O estado a que chegou a democracia no ocidente tem claramente a ver com o domínio da doutrina neoliberal que só funciona com uma restrição cada vez maior da liberdade dos cidadãos e o consequente controlo de todos os movimentos e acções destes. Liberdade só pode ter a finança para espoliar quase todos em benefício de uns poucos. Não é por acaso que as desigualdades sociais estão a aumentar em todo o mundo. As nossas vidas privadas são escrutinadas até ao ínfimo pormenor para que os crimes do neoliberalismo não sejam denunciados e as populações não se revoltem.
Numa altura em que nos encontramos em plena pré-campanha para as eleições autárquicas, é muito importante que não esqueçamos do mundo que nos rodeia, com um sistema dominante que continua a ameaçar-nos cada vez mais. O texto de Daniel Oliveira, que podemos ler na última edição do Expresso, chama-nos a atenção para as ameaças a que actualmente está sujeita, em ritmo crescente, a nossa liberdade.

Através do ex-consultor da CIA, Edward Snowden, o mundo ficou a saber que as mais extraordinárias teorias da conspiração, tantas vezes divulgadas por paranoicos encartados, tinham toda a verosimilhança. A NSA americana tem um programa de vigilância eletrónica que permite espiolhar tudo o que mexe, devassar a privacidade dos cidadãos por todo o mundo e espionar a vida política e comercial dos seus supostos aliados. A agência confirmou que “toca” em 1,6% de todos os dados da internet, incluindo mensagens e ficheiros privados. Se retirarmos deste universo o spam, a pirataria e a pornografia, esta percentagem dispara para um nível realmente perturbante. Perante este assustador “Big Brother”, uma Europa que se desse ao respeito teria reagido e usado os meios à sua disposição para defender os seus cidadãos e as suas instituições. Tal não aconteceu. Pelo contrário, quando Evo Morales regressava à Bolívia suspeitou-se de que transportava Snowden para a América Latina, o que obrigou um chefe de Estado a andar às voltas pela Europa para conseguir chegar a casa.
Esta semana, o cidadão brasileiro David Miranda foi detido no aeroporto de Hesthrow quando estava em trânsito de Berlim para o Rio de Janeiro. O crime? É companheiro do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que tem assinado trabalhos do jornal “The Guardian” sobre as revelações de Snowden. Ao abrigo de uma lei antiterrorista, Miranda foi interrogado e ameaçado durante nove horas e viu o seu computador e o seu telemóvel apreendidos. Ou seja, a polícia britânica violou, sem qualquer pudor, os direitos cívicos e a liberdade de imprensa, para proteger a atividade criminosa da NSA contra os interesses europeus. Chegando ao ponto de perseguir familiares do jornalista, num dos mais vergonhosos processos de intimidação à imprensa a que a Europa ocidental assistiu nos últimos 60 anos.
Ficámos entretanto a saber que, há dois meses, dois especialistas em segurança de comunicações do Governo britânico supervisionaram a destruição de discos rígidos, nas caves de “The Guardian”, que tinham informação fornecida por Snowden.
Todos os Estados têm informação classificada. E em todas as legislações há um conflito legítimo entre a liberdade de imprensa e a segurança dos Estados. Conflito difícil de resolver onde cabe a cada um cumprir o seu papel: o dos jornalistas é procurar a verdade e divulga-a; o dos governos é proteger informação sensível; o da justiça é encontrar o justo equilíbrio entre os dois valores. Mas nada disto está em causa no caso Snwden. O que está em causa é uma atividade criminosa contra cidadãos e Estados, levada a cabo, de forma maciça, por uma agência norte-americana. E a violação dos direitos cívicos e da liberdade de imprensa para proteger quem agiu contra os nossos interesses. Ou seja, a vítima viola a lei para proteger o criminoso. O que está em causa é uma Europa que, depois de deixar de ser um modelo de justiça social e bem-estar, deixa de ser um exemplo na defesa da imprensa livre e do Estado de Direito. O que está em causa é a decadência da democracia europeia e a sua incapacidade de se defender dos seus próprios aliados.

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