O estado a que chegou a
democracia no ocidente tem claramente a ver com o domínio da doutrina
neoliberal que só funciona com uma restrição cada vez maior da liberdade dos
cidadãos e o consequente controlo de todos os movimentos e acções destes. Liberdade
só pode ter a finança para espoliar quase todos em benefício de uns poucos. Não
é por acaso que as desigualdades sociais estão a aumentar em todo o mundo. As
nossas vidas privadas são escrutinadas até ao ínfimo pormenor para que os crimes
do neoliberalismo não sejam denunciados e as populações não se revoltem.
Numa altura em que nos
encontramos em plena pré-campanha para as eleições autárquicas, é muito
importante que não esqueçamos do mundo que nos rodeia, com um sistema dominante
que continua a ameaçar-nos cada vez mais. O texto de Daniel Oliveira, que podemos ler na
última edição do Expresso, chama-nos a atenção para as ameaças a que actualmente
está sujeita, em ritmo crescente, a nossa liberdade.
Através
do ex-consultor da CIA, Edward Snowden, o mundo ficou a saber que as mais
extraordinárias teorias da conspiração, tantas vezes divulgadas por paranoicos
encartados, tinham toda a verosimilhança. A NSA americana tem um programa de vigilância
eletrónica que permite espiolhar tudo o que mexe, devassar a privacidade dos
cidadãos por todo o mundo e espionar a vida política e comercial dos seus
supostos aliados. A agência confirmou que “toca” em 1,6% de todos os dados da
internet, incluindo mensagens e ficheiros privados. Se retirarmos deste
universo o spam, a pirataria e a pornografia, esta percentagem dispara para um
nível realmente perturbante. Perante este assustador “Big Brother”, uma Europa
que se desse ao respeito teria reagido e usado os meios à sua disposição para
defender os seus cidadãos e as suas instituições. Tal não aconteceu. Pelo contrário,
quando Evo Morales regressava à Bolívia suspeitou-se de que transportava
Snowden para a América Latina, o que obrigou um chefe de Estado a andar às
voltas pela Europa para conseguir chegar a casa.
Esta
semana, o cidadão brasileiro David Miranda foi detido no aeroporto de Hesthrow
quando estava em trânsito de Berlim para o Rio de Janeiro. O crime? É companheiro
do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que tem assinado trabalhos do
jornal “The Guardian” sobre as revelações de Snowden. Ao abrigo de uma lei
antiterrorista, Miranda foi interrogado e ameaçado durante nove horas e viu o
seu computador e o seu telemóvel apreendidos. Ou seja, a polícia britânica
violou, sem qualquer pudor, os direitos cívicos e a liberdade de imprensa, para
proteger a atividade criminosa da NSA contra os interesses europeus. Chegando
ao ponto de perseguir familiares do jornalista, num dos mais vergonhosos processos
de intimidação à imprensa a que a Europa ocidental assistiu nos últimos 60
anos.
Ficámos
entretanto a saber que, há dois meses, dois especialistas em segurança de
comunicações do Governo britânico supervisionaram a destruição de discos
rígidos, nas caves de “The Guardian”, que tinham informação fornecida por
Snowden.
Todos
os Estados têm informação classificada. E em todas as legislações há um
conflito legítimo entre a liberdade de imprensa e a segurança dos Estados. Conflito
difícil de resolver onde cabe a cada um cumprir o seu papel: o dos jornalistas
é procurar a verdade e divulga-a; o dos governos é proteger informação
sensível; o da justiça é encontrar o justo equilíbrio entre os dois valores. Mas
nada disto está em causa no caso Snwden. O que está em causa é uma atividade
criminosa contra cidadãos e Estados, levada a cabo, de forma maciça, por uma
agência norte-americana. E a violação dos direitos cívicos e da liberdade de
imprensa para proteger quem agiu contra os nossos interesses. Ou seja, a vítima
viola a lei para proteger o criminoso. O que está em causa é uma Europa que,
depois de deixar de ser um modelo de justiça social e bem-estar, deixa de ser
um exemplo na defesa da imprensa livre e do Estado de Direito. O que está em
causa é a decadência da democracia europeia e a sua incapacidade de se defender
dos seus próprios aliados.
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