Como muito bem assinala Pedro Filipe Soares
(PFS), Presidente do Grupo Parlamentar do BE no seguinte artigo de opinião que
assina no “Público” de hoje, a violência doméstica em Portugal tornou-se um “flagelo”.
Por assim dizer, quase todos os dias chegam
à opinião pública casos da mais variada gravidade, que envolvem violência
machista. Não é demais relevar os números assustadores que parecem imparáveis
mas, relativamente aos quais, é imperioso colocar um travão.
Desde 2004, ano em que se iniciou esta
macabra estatística, já foram assassinadas mais de 500 mulheres (18, apenas
este ano) mas há um número que é referido menos vezes e que tem a ver com as
crianças que ficaram sem mãe neste mesmo período – foram mais de 1000.
Se é certo que já existe abundante legislação
nesta área, não é menos verdade que falta “passar à prática o que a lei prevê”
como afirma muito bem PFS. Dificilmente estaremos em desacordo com o texto
seguinte.
A conta pendente da violência machista
em Portugal já passou a brutal marca das 500 mulheres assassinadas desde 2004,
período em que existiu esta contabilização. Só no ano de 2019 somam-se 18
vítimas mortais em contexto de violência doméstica, sendo 16 delas mulheres. A
estatística mostra como este crime tem uma incontornável marca de género.
Nos últimos dias foi novamente
assassinada uma mulher. Na sua história, há percursos partilhados com tantas
outras vítimas: já tinha pedido ajuda, já tinha feito queixa por duas vezes.
Mas a violência que se arrastava desde 2017 teve a última palavra e decidiu o
desfecho. Falhámos-lhe. A ela e às 18 vítimas deste ano, a todas as que
perderam a vida sem que lhes conseguíssemos garantir a proteção e segurança que
mereciam.
Falhámos às crianças, que convivem dia a
dia com a violência, que testemunham a brutalidade e, por vezes, são também
parte destas estatísticas cruéis. Mais uma mulher assassinada nos últimos dias,
mais uma criança órfã. São mais de 1000 as crianças que desde 2004 ficaram sem
mãe, assassinadas em contexto de violência doméstica. Estas crianças também são
vítimas e interpelam-nos exigindo o fim da sua invisibilidade, as garantias dos
seus direitos e a salvaguarda de uma sociedade que não as pode esquecer.
Nos últimos 20 anos fizemos um enorme
caminho no papel. As leis foram mudadas, os procedimentos revistos, largos
consensos foram alcançados. Contudo, falta o essencial: passar à prática o que
a lei prevê, garantir os meios e recursos para concretizar os planos de ação em
todo o país, assegurar que a mudança das mentalidades entra mesmo na cabeça de
todos os profissionais. Estas conclusões são afirmadas pelo GREVIO, um grupo de
peritos que avalia a aplicação da Convenção de Istambul - o compromisso dos
países do Conselho da Europa para a eliminação da violência doméstica e de
género. Mas tarda em ser feito o que é óbvio.
É certo que a violência doméstica e de
género radica numa cultura patriarcal de violência e dominação sobre mulheres.
Isso cria enormes barreiras para percorrer um caminho que devia ser simples. No
entanto, é nessa cultura patriarcal que se diminuem ou desvalorizam as queixas
das mulheres, que ainda corre a ideia que a violência doméstica é coisa a ser
resolvida entre marido e mulher, que a justiça ainda desvaloriza a violência de
género, que há tantos processos que resultam em ausência de acusação ou em penas
suspensas, que as penas para a violência de género são inferiores às penas de
atos contra o património. Ainda sabe quem é Neto de Moura? Não o esqueça,
porque é um dos expoentes máximos deste caldo cultural. Todos estes exemplos
demonstram a dimensão desta luta e como necessitamos de uma enorme capacidade
para a travar.
Houve mais um caso recente na justiça
que mostra como em situações de violência doméstica há sempre interpretações
atenuantes ou desculpabilizantes: um homem ameaçou matar a mulher com uma faca
e uma motosserra, obrigou-a a dormir com a motosserra entre eles dizendo “vai
ser esta noite, vou-te pôr às postas como se põe um cação”. No dia seguinte,
quando ela conseguiu fugir de casa, o homem foi atrás dela com a motosserra
ligada, tendo ameaçado de morte também a filha e outros familiares. Resultado,
o Tribunal de Guimarães atribui-lhe uma pena suspensa, mesmo admitindo que o
homem demonstrou não ter interiorizado a gravidade da sua conduta. Mais uma
demonstração de como precisamos de ter juízes e magistrados com formação
específica em violência doméstica.
A conclusão é simples: temos de agir
rapidamente e de forma sistémica. É preciso mudar a organização do sistema de
justiça, garantindo a criação de tribunais especializados em violência
doméstica, reforçar as penas, garantir que os planos de intervenção chegam a
todo o país, com os meios necessários e os recursos humanos devidamente
preparados, assegurar a formação adequada das nossas forças de segurança e
fazer programas transversais de combate à violência doméstica e de género.
Denunciar e condenar a violência doméstica, agir para não perdermos mais
nenhuma vida neste flagelo. Nem mais uma.
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