sexta-feira, 21 de junho de 2019

AGIR RAPIDAMENTE CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA



Como muito bem assinala Pedro Filipe Soares (PFS), Presidente do Grupo Parlamentar do BE no seguinte artigo de opinião que assina no “Público” de hoje, a violência doméstica em Portugal tornou-se um “flagelo”.
Por assim dizer, quase todos os dias chegam à opinião pública casos da mais variada gravidade, que envolvem violência machista. Não é demais relevar os números assustadores que parecem imparáveis mas, relativamente aos quais, é imperioso colocar um travão.
Desde 2004, ano em que se iniciou esta macabra estatística, já foram assassinadas mais de 500 mulheres (18, apenas este ano) mas há um número que é referido menos vezes e que tem a ver com as crianças que ficaram sem mãe neste mesmo período – foram mais de 1000.
Se é certo que já existe abundante legislação nesta área, não é menos verdade que falta “passar à prática o que a lei prevê” como afirma muito bem PFS. Dificilmente estaremos em desacordo com o texto seguinte.

A conta pendente da violência machista em Portugal já passou a brutal marca das 500 mulheres assassinadas desde 2004, período em que existiu esta contabilização. Só no ano de 2019 somam-se 18 vítimas mortais em contexto de violência doméstica, sendo 16 delas mulheres. A estatística mostra como este crime tem uma incontornável marca de género.
Nos últimos dias foi novamente assassinada uma mulher. Na sua história, há percursos partilhados com tantas outras vítimas: já tinha pedido ajuda, já tinha feito queixa por duas vezes. Mas a violência que se arrastava desde 2017 teve a última palavra e decidiu o desfecho. Falhámos-lhe. A ela e às 18 vítimas deste ano, a todas as que perderam a vida sem que lhes conseguíssemos garantir a proteção e segurança que mereciam.
Falhámos às crianças, que convivem dia a dia com a violência, que testemunham a brutalidade e, por vezes, são também parte destas estatísticas cruéis. Mais uma mulher assassinada nos últimos dias, mais uma criança órfã. São mais de 1000 as crianças que desde 2004 ficaram sem mãe, assassinadas em contexto de violência doméstica. Estas crianças também são vítimas e interpelam-nos exigindo o fim da sua invisibilidade, as garantias dos seus direitos e a salvaguarda de uma sociedade que não as pode esquecer.
Nos últimos 20 anos fizemos um enorme caminho no papel. As leis foram mudadas, os procedimentos revistos, largos consensos foram alcançados. Contudo, falta o essencial: passar à prática o que a lei prevê, garantir os meios e recursos para concretizar os planos de ação em todo o país, assegurar que a mudança das mentalidades entra mesmo na cabeça de todos os profissionais. Estas conclusões são afirmadas pelo GREVIO, um grupo de peritos que avalia a aplicação da Convenção de Istambul - o compromisso dos países do Conselho da Europa para a eliminação da violência doméstica e de género. Mas tarda em ser feito o que é óbvio.
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É certo que a violência doméstica e de género radica numa cultura patriarcal de violência e dominação sobre mulheres. Isso cria enormes barreiras para percorrer um caminho que devia ser simples. No entanto, é nessa cultura patriarcal que se diminuem ou desvalorizam as queixas das mulheres, que ainda corre a ideia que a violência doméstica é coisa a ser resolvida entre marido e mulher, que a justiça ainda desvaloriza a violência de género, que há tantos processos que resultam em ausência de acusação ou em penas suspensas, que as penas para a violência de género são inferiores às penas de atos contra o património. Ainda sabe quem é Neto de Moura? Não o esqueça, porque é um dos expoentes máximos deste caldo cultural. Todos estes exemplos demonstram a dimensão desta luta e como necessitamos de uma enorme capacidade para a travar.
Houve mais um caso recente na justiça que mostra como em situações de violência doméstica há sempre interpretações atenuantes ou desculpabilizantes: um homem ameaçou matar a mulher com uma faca e uma motosserra, obrigou-a a dormir com a motosserra entre eles dizendo “vai ser esta noite, vou-te pôr às postas como se põe um cação”. No dia seguinte, quando ela conseguiu fugir de casa, o homem foi atrás dela com a motosserra ligada, tendo ameaçado de morte também a filha e outros familiares. Resultado, o Tribunal de Guimarães atribui-lhe uma pena suspensa, mesmo admitindo que o homem demonstrou não ter interiorizado a gravidade da sua conduta. Mais uma demonstração de como precisamos de ter juízes e magistrados com formação específica em violência doméstica.
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A conclusão é simples: temos de agir rapidamente e de forma sistémica. É preciso mudar a organização do sistema de justiça, garantindo a criação de tribunais especializados em violência doméstica, reforçar as penas, garantir que os planos de intervenção chegam a todo o país, com os meios necessários e os recursos humanos devidamente preparados, assegurar a formação adequada das nossas forças de segurança e fazer programas transversais de combate à violência doméstica e de género.
Denunciar e condenar a violência doméstica, agir para não perdermos mais nenhuma vida neste flagelo. Nem mais uma.

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