Passam agora dois anos sobre os trágicos incêndios
na região de Pedrógão grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, que
causaram quase sete dezenas de vítimas mortais e mais de duas centenas e meia
de feridos para além dos avultadíssimos prejuízos materiais. Trata-se, sem
dúvida, de um bom momento para ser feito o ponto de situação sobre o estado em
que aquela região se encontra actualmente, sobre o que foi feito e o que falta
fazer e, sobretudo, sobre as lições a tirar daqueles fatídicos acontecimentos
que não deixarão de constituir um triste marco na história de Portugal do
século XX.
O ponto de situação que acima referimos é
feito de forma resumida, mas muito crítica, no seguinte artigo de opinião que
transcrevemos do público de hoje, assinado por Paulo Pimenta de Castro e João Camargo
respectivamente Engenheiro Silvicultor e Investigador em Alterações Climáticas.
Dois anos após os trágicos
acontecimentos na região de Pedrogão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos
Vinhos é visível neste território um cenário desolador, de hectares e hectares
de árvores mortas, de risco muito elevado no presente e futuro próximo.
Em Nodeirinho, povoação que viu morrer onze dos seus trinta e três
habitantes em Junho de 2017, as rotas de fuga continuam hoje ladeadas pelo
risco. Persistem os caminhos estreitos, onde árvores mortas e outras que
surgiram após a passagem do fogo desafiam os limites das faixas de rodagem.
Mantém-se o tanque que salvou muitos dos seus habitantes, agora com o Memorial
às Vítimas a fazer-lhe companhia.
Em Escalos Fundeiros, lugar dado como de
início do grande incêndio, as copas das árvores persistem hoje, perigosamente,
próximas da linha de média tensão. Ainda lá estão as árvores queimadas em 2017.
Não se aprendeu nada, insiste-se em desafiar o risco.
Por toda a região, às varas queimadas do
eucalipto, juntaram-se as que brotaram após o incêndio, sem que tenha havido
qualquer tipo de intervenção cultural. Afinal de contas, a famosa
“rentabilidade” do eucalipto não permite sequer custear uma selecção de varas,
uma replantação ou uma reconversão do solo para outros fins?
Toros de madeira empilhados persistem
hoje junto a caminhos de fuga. Não foram removidos, foram abandonados. São
verdadeiras bombas, a aguardar que lhes chegue uma faúlha, uma beata, um
fósforo.
Sem intervenção do Estado, toda esta
região serve de pasto para ciclos contínuos de incêndios. Nem os proprietários
investem, num ciclo sem expectativas de rentabilidade para alterar a situação,
nem o Estado tem força política e vontade para obrigar quem se abasteceu destas
plantações a suportar os custos da necessária alteração de fundo.
Um plano de resgate é urgente! Mas ele
precisa de quadros técnicos de proximidade, que apoiem as populações e os
decisores políticos locais a enfrentar os desafios de uma necessária e rápida
mudança. Infelizmente, as escolas que poderiam formar rapidamente esse corpo
técnico não dispõem hoje de cursos abertos. Neste momento, nenhuma escola
profissional de agricultura tem aberto um curso de técnico florestal. Como
ganhar uma guerra sem um exército? Apesar de recomendada a aposta nesta
formação profissional, no relatório da Comissão Técnica Independente aos
incêndios de Outubro de 2017, desconhecem-se quaisquer iniciativas
governamentais para lhe dar acolhimento.
Ao risco de ontem acresce hoje e no
futuro o agravamento da crise climática, o incontido despovoamento, o avanço da
desertificação. Se queremos ter um território vivo, que sustente as múltiplas
necessidades do país, não conseguiremos escapar à necessidade de o resgatar.
Ao território que foi vítima dos
incêndios em Junho de 2017 acrescem o que o foi atingido no Verão e em Outubro
desse ano, o ardido em 2016, nos anos anteriores e em 2018 e todo o outro
ameaçado pela seca, despovoamento e desertificação.
Passaram dois anos desde que a
combinação explosiva de perigosas plantações de espécies exóticas,
despovoamento e temperaturas extremas provocou em Portugal uma tragédia de
escala global. Desde então, as celuloses reforçaram o seu poder dentro do
aparelho do Estado, com ex-quadros a liderar a nova agência dos fogos rurais e
até a desenhar as leis orgânicas do Instituto de Conservação da Natureza e
Florestas. Por sua vez, os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, aprovados
após 2017, apontam para um incentivo ao eucalipto no país. À medida que vai
ocupando novas áreas, vai deixando “lixo” para trás, verdadeira epidemia. Em
Portugal, estima-se em mais de 600 mil hectares a área de eucaliptal com mais
de três cortes e em regime de abandono. Esta área de “lixo” é um dos maiores
riscos para o futuro.
Dois anos depois, o governo nada tem para apresentar num território muito
mais degradado do que aquele que herdou. É altura de deixar de suportar
politicamente e financeiramente quem cria as condições materiais para a
desertificação e o empobrecimento do país. É preciso sim resgatar as
comunidades e os territórios devastados pelas chamas. Quanto mais tarde vier
esse resgate, piores serão as consequências sociais, económicas e ambientais.
Se não ocorrer em breve, arriscamos a irreversibilidade.
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