Um Orçamento do Estado (OE) elaborado para
poder ser aprovado à direita ou à esquerda é a cara chapada do PS. Como muito
bem afirma Pedro Filipe Soares no artigo de opinião que assina no “Público” de
hoje, “um orçamento que não é carne nem peixe, que tanto pode ser de direita ou de
esquerda, falha certamente nas escolhas essenciais porque falha desde logo na
sua própria coerência”. O PS está a levar a cabo um jogo muito perigoso cuja
principal vítima será o povo português, em particular a parte mais
desfavorecida da nossa população.
O resultado
das eleições de outubro ditou uma clara maioria de esquerda e isso não pode ser
desvirtuado ao longo de toda a legislatura, particularmente na elaboração de
documentos tão importantes como são os OE. O passado recente demonstrou
claramente que um OE “tem de ter um fio condutor que ligue todas as escolhas e
que dê significado a cada uma delas” gerando assim “os alinhamentos políticos
necessários” para a sua aprovação. A chantagem política que o PS está a ensaiar
com a esquerda só pode dar maus resultados e o que até agora chegou ao
conhecimento da opinião pública não augura nada de bom. Pedro Filipe Soares coloca
o dedo nas feridas no artigo que transcrevemos a seguir e do qual retirámos os vários links.
PS com o Bloco de Esquerda ou com o PCP,
ou com os dois. E se for o PS com PSD, ou só com a fatia da Madeira somada ao
PAN e a abstenção do Livre? Ou só o PS, com várias abstenções? Se são estas as
contas que estão a ser feitas para o próximo Orçamento do Estado para 2020, está tudo
errado.
Um Orçamento do Estado deve ter uma
ideia política, ser um passo em direção a um destino que se quer atingir. Não
se resume a uma folha de excel e a um amontoado de quadros com despesas e
receitas. Tem de ter um fio condutor que ligue todas as escolhas e que dê
significado a cada uma delas. É assim que se consegue explicar a escolha de
determinadas prioridades em detrimento de outras opções, que se criam objetivos
coletivos e se motivam as pessoas para os alcançar, a começar pelas próprias
pessoas que estão sentadas à mesa do Conselho de Ministros.
E se um orçamento tiver uma ideia,
aquela que lhe garante uma identidade, ela não é indiferente aos alinhamentos
políticos possíveis, sob pena de não ser boa ou nem sequer ser uma ideia. Um
orçamento que não é carne nem peixe, que tanto pode ser de direita ou de
esquerda, falha certamente nas escolhas essenciais porque falha desde logo na sua
própria coerência.
Se tudo o que escrevi antes assenta numa
lógica simples e de mero bom senso, a atitude do Governo mostra que a lógica,
por vezes, é uma batata. António Costa dizia que queria conversar com Bloco de
Esquerda e PCP as condições para a aprovação do Orçamento do Estado para 2020,
mas fez questão de tornar público que já estava a trabalhar num plano B para o
aprovar com os votos do PAN e do PSD Madeira e uma abstenção do Livre. Diz o povo que quem é
prevenido vale por dois, mas essa ideia nem sempre é válida na política. Quem
anuncia assim um plano B é porque já deixou de estar empenhado no plano A? Se
esta dúvida era legítima antes da apresentação da proposta do Governo para o
orçamento de 2020, depois de conhecermos esse documento já não é uma dúvida, é
uma certeza.
O Presidente da República acha que é só
um problema de falta de diálogo, mas vai para além disso. A verdadeira questão
é de falta de definição política e de projeto para o país.
O período entre 2015 e 2019 ficou
marcado pela reposição da normalidade que tinha sido negada no período da troika pela mão de PSD e CDS. Com virtudes e defeitos (os maiores foram a falta
de investimento público e a manutenção do código de trabalho da troika), havia
uma compreensão generalizada do que se pretendia fazer. Se essa clareza parece
parte do passado, não é mera coincidência.
O toque de finados à “geringonça”
ocorreu ainda não tinham passado 7 dias desde as eleições legislativas. O PS
negou qualquer acordo à esquerda e escolheu o caminho do fio da navalha, com
negociações caso a caso. O que parecia ser uma escolha ponderada, demonstra ser
uma navegação à vista, fuga em frente após a ida às urnas ter negado a maioria
absoluta. O resultado é o impasse nas escolhas estratégicas e a política
resumida ao calculismo partidário.
A proposta de orçamento apresentada por Mário Centeno é filha
deste marasmo. É insuficiente porque falha no essencial: não tem um desígnio.
Sem ideias, resume-se a um objetivo contabilístico: o superávit. Passa ao lado
da crise da habitação, onde não cumpre sequer o que estava no programa do PS e
já era poucochinho. Apouca os trabalhadores do Estado com a proposta de
aumentos salariais e esquece os trabalhadores do privado, em particular quem
trabalha por turnos e a quem já tinha sido prometido mais direitos. Atira para
Bruxelas a decisão sobre a baixa do IVA da energia na tentativa de arranjar
desculpas para deixar tudo na mesma. E se poderão dizer que reforça o
investimento na saúde, a verdade é que prevê gastar em 2020 o mesmo que se
gastou em 2020, o que não é nenhum reforço orçamental.
É possível endireitar o que nasceu torto? É preciso pousar a máquina do
calculismo partidário para passar a discutir as soluções que o país precisa,
sem fantasmas de maiorias absolutas falhadas ou orgulhos feridos. As pessoas
assim o exigem. Será possível?
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