(…)
Aquela ninharia de o embaixador ter sido chamado a dar
justificações por declarações de governantes em Portugal não o desviaria do
“foco” no jogo.
(…)
A presença das autoridades está para o Mundial como as
esbeltas pernas de Cândido estão para as meias, segundo Voltaire: foram feitas
para o formato das peúgas que usam.
(…)
Ora, nada que impeça Portugal, país imponente, de mandar toda
a hierarquia do Estado, para habituar aquele regime a negociar, ora vejam se há
um único país que se atreva a fazer desfilar esta galeria de notáveis.
(…)
O biombo internacional é confortável.
(…)
Terá sido por isso [por o PSD estar a marcar a agenda] que,
em dias de Orçamento a que fez a vénia de um acordo indisfarçável, lançou a
ideia da revisão constitucional.
(…)
Ninguém se lembra de nenhuma revisão constitucional que não
tenha reduzido tais direitos [dos cidadãos].
(…)
O biombo político é cómodo.
(…)
Desengravatado e na “província”, foi o primeiro-ministro
alertar a “base” contra as intrigas lisboetas.
(…)
Coisas da “corte”, não espanta que o Primeiro peça que o doce
manto do olvido popular o esconda de si próprio e que, para isso, se atire
contra “Lisboa”.
(…)
O biombo retórico é uma pantomina.
(…)
O problema de Portugal são os biombos.
Francisco Louçã, “Expresso” online
Como acontece quando se quer recontar a história [a direita] para
ganhar um novo lugar nela, este dia [25 de novembro] alimenta emoções que há
muito estavam serenadas.
(…)
[Todos os principais intervenientes no contragolpe de 25 de
novembro sabem] melhor do que ninguém o exato lugar que aquela data teve
na história do processo de democratização começado no dia 25 de abril.
(…)
Não sou dos que acham que a democracia nasceu naquele dia –
as primeiras eleições livres aconteceram antes disso, assim como o fim da
censura, da polícia política e de todos os constrangimentos à liberdade.
(…)
Pensa assim [que o 25 de novembro foi o fim da revolução]
quem desejava que o 25 de abril fosse coisa diferente do que nos prometeu ser:
o primeiro passo para a democracia política e social.
(…)
O 25 de novembro foi, como o PREC, o que tinha de ser.
(…)
Olho para o que veio depois como os principais autores do 25
de novembro: não como início de qualquer coisa, mas como uma correção de
trajetória inevitável.
(…)
A revolução não foi traída, apesar de alguns saudosistas
terem aproveitado o momento para a desforra.
(…)
A fixação anacrónica da direita no 25 de novembro nada tem a
ver com a memória do país, tem a ver com a sua própria memória.
(…)
Por vicissitudes da história, a direita portuguesa foi uma
atriz secundária na construção da nossa democracia.
(…)
No processo revolucionário, participou do radicalismo natural
da época, recebendo hordas de oportunistas que de um dia para o outro passaram
a acreditar numa via para o socialismo.
(…)
O PS nasceu onde o PREC e o 25 de novembro o puseram: na
fronteira entre o comunismo e a direita, mas com uma fortíssima carga
anticomunista.
(…)
A tentativa de transformar o 25 de novembro no que não foi –
um momento fundador e galvanizador –, leva a direita a inventar os seus heróis.
(…)
Não podem [os partidos de direita usar a imagem de Vasco Lourenço],
e por isso inventaram um herói político improvável: Jaime Neves.
(…)
[O
objetivo da linha de Jaime Neves era] ilegalizar
boa parte dos partidos e organizações de esquerda, avançar num processo
revanchista e ficar algures a meio caminho entre a ditadura que morreu de podre
e o que temos hoje.
(…)
A direita precisa de inventar uma data legitimadora do seu
papel na construção democrática, nem que para isso tenha de ignorar o que ela
foi e boa parte dos seus obreiros.
(…)
Mas no 25 de novembro, como antes, a direita foi secundária.
Daniel Oliveira, “Expresso” online
Finalmente,
no início desta semana, diretores de vários jornais
— que publicaram extratos de 250.000 documentos comprometedores para a
Administração norte-americana, resultantes das investigações de Julian Assange
— pediram à Administração Biden para retirar as
acusações contra este.
(…)
Está
em causa julgar Julian Assange num enquadramento penal que foi criado para
punir espiões da Primeira Guerra Mundial e que já existe uma sentença prévia
anunciada de 175 anos de prisão.
(…)
Estamos a falar de um homem que viu a sua vida destruída por
trazer ao domínio público informação confidencial.
(…)
Existe
uma má vontade contra Julian Assange da parte de pessoas que, à partida, o
apoiariam e dariam valor ao seu trabalho, e refiro-me à esquerda liberal ou
centro-esquerda.
(…)
Existe uma coisa que se deve procurar no jornalismo de
investigação: a verdade.
(…)
Só a partir da verdade poderemos encontrar soluções para os
problemas de fundo.
(…)
Não
foi Assange que tramou Hillary Clinton, foi a verdade sobre Hillary Clinton que
tramou Hillary Clinton, e não estamos a falar de assuntos do foro íntimo ou
privado.
(…)
Obter e divulgar informações sigilosas é parte fundamental do
trabalho jornalístico e que criminalizar esse trabalho enfraquece a democracia.
(…)
[Através do trabalho de Assange] tomámos conhecimento de
informação fundamental que, de outra forma, nunca conheceríamos.
(…)
Estamos
a falar de informação séria e rigorosa que contraria a visão benigna e simplista
do mundo, na qual muitos gostam de acreditar.
(…)
Nesse
mundo cor-de-rosa estamos sempre do lado dos bons, aqueles que fazem guerras
para salvar as pessoas e para espalhar a democracia e o respeito pelos direitos
humanos.
(…)
Jornalista, hacker ou espião, Julian Assange tem traços de herói e incomoda que
seja tratado como poucos criminosos foram.
(…)
É por isso que a notícia que tardava em aparecer é uma boa
notícia.
(…)
Está [sobretudo] em causa aquela palavra que tem excesso de
uso, mas falta de boas defesas: a democracia.
Carmo Afonso, “Público” (sem link)
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