O texto que o sociólogo Pedro Adão e Silva assina no ‘Expresso’ de ontem analisa, com objectividade, a posição do prof. Cavaco perante a crise que nos atingiu. Muito interessante e significativo porque vem demonstrar que o PR “nacionalizou integralmente a crise’, abdicando (voluntariamente?) de alertar os portugueses em relação ao que se está a passar para além das nossas fronteiras. A Europa vive, toda ela, mergulhada numa profunda crise e não constitui algo distante para nós. Nós somos Europa. É, contudo, muito importante não alijarmos as extensas responsabilidades que o governo Sócrates teve no agravamento da situação a que Portugal chegou (Luís Moleiro)
UM POUCO MAIS DE POLÍTICA
Por Pedro Adão e Silva
“Em Novembro de 2010, Cavaco Silva afirmava que “não valia a pena recriminar as agências de rating”. Entretanto o mundo mudou, e as mesmas agências tornaram-se uma ‘ameaça’. Quando confrontado com a gritante contradição entre as suas declarações, o Presidente da República recomendou ‘àqueles que sofrem de ignorância na análise, um pouco mais de estudo’.
Foi o que procurei fazer e comecei pelos discursos do Presidente. Focando-me apenas neste mandato, optei por ler as intervenções mais relevantes, procurando apurar o que Cavaco Silva pensa sobre a Europa e a crise das dívidas soberanas – também com a expectativa de encontrar alguma reflexão sobre agências de rating. Para minha perplexidade, nos sete discursos de natureza iminentemente política feitos pelo Presidente, a crise internacional e o modo como esta desafia o projecto de integração e a zona euro é um tema entre o ausente e o marginal.
Ao longo das intervenções de Cavaco Silva encontramos descrições detalhadas do cenário de ‘emergência económica e financeira’; justas preocupações com a instabilidade política como ameaça ao cumprimento do acordo com a troika; defesa da concertação social além das maiorias políticas; apelos a um discurso de verdade durante a campanha eleitoral; definição dos objectivos que não podemos falhar nos próximos anos; e até a afirmação de que ‘há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos’ – uma declaração estranha, tendo em conta que a verdade é que os pacotes de austeridade tenderão a suceder-se. Cavaco Silva não só nacionalizou integralmente a crise, como, sobre a Europa, abdicou de expressar em público a sua opinião, com isso demitindo-se de fazer alguma pedagogia que permitisse aos portugueses ‘ver mais além do que a política do dia a dia’ (para utilizar uma expressão do 10 de Junho).
Se foi preciso esperar pela mudança de governo para se alargar o consenso nacional em torno da necessidade de uma resposta europeia à crise da dívida soberana e expor-se as perversidades das agências de rating, a única coisa que se pode dizer é que mais vale tarde que nunca. Contudo, chegados aqui, era importante que se colocasse fim ao euroconformismo que tem reinado e ao suicídio político que é continuarmos a adoptar, de modo acrítico, a atitude de bons alunos. Hoje, sucessivos pacotes de austeridade de base nacional sem uma solução europeia são contraproducentes.
Esta mudança exige, contudo, que o Presidente da República abandone o registo de mestre-escola que adopta sempre que se sente acossado. É no mínimo estranho que o político profissional no activo há mais tempo olhe invariavelmente para a divergência política como uma impossibilidade e reduza toda a conflitualidade a uma questão de mais ou menos ‘estudo’. A crise europeia com as suas ramificações nacionais é um assunto político, a necessitar de respostas políticas. E na política, parafraseando Cavaco Silva, duas pessoas sérias com a mesma informação não têm de concordar. Bem pelo contrário.”
UM POUCO MAIS DE POLÍTICA
Por Pedro Adão e Silva
“Em Novembro de 2010, Cavaco Silva afirmava que “não valia a pena recriminar as agências de rating”. Entretanto o mundo mudou, e as mesmas agências tornaram-se uma ‘ameaça’. Quando confrontado com a gritante contradição entre as suas declarações, o Presidente da República recomendou ‘àqueles que sofrem de ignorância na análise, um pouco mais de estudo’.
Foi o que procurei fazer e comecei pelos discursos do Presidente. Focando-me apenas neste mandato, optei por ler as intervenções mais relevantes, procurando apurar o que Cavaco Silva pensa sobre a Europa e a crise das dívidas soberanas – também com a expectativa de encontrar alguma reflexão sobre agências de rating. Para minha perplexidade, nos sete discursos de natureza iminentemente política feitos pelo Presidente, a crise internacional e o modo como esta desafia o projecto de integração e a zona euro é um tema entre o ausente e o marginal.
Ao longo das intervenções de Cavaco Silva encontramos descrições detalhadas do cenário de ‘emergência económica e financeira’; justas preocupações com a instabilidade política como ameaça ao cumprimento do acordo com a troika; defesa da concertação social além das maiorias políticas; apelos a um discurso de verdade durante a campanha eleitoral; definição dos objectivos que não podemos falhar nos próximos anos; e até a afirmação de que ‘há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos’ – uma declaração estranha, tendo em conta que a verdade é que os pacotes de austeridade tenderão a suceder-se. Cavaco Silva não só nacionalizou integralmente a crise, como, sobre a Europa, abdicou de expressar em público a sua opinião, com isso demitindo-se de fazer alguma pedagogia que permitisse aos portugueses ‘ver mais além do que a política do dia a dia’ (para utilizar uma expressão do 10 de Junho).
Se foi preciso esperar pela mudança de governo para se alargar o consenso nacional em torno da necessidade de uma resposta europeia à crise da dívida soberana e expor-se as perversidades das agências de rating, a única coisa que se pode dizer é que mais vale tarde que nunca. Contudo, chegados aqui, era importante que se colocasse fim ao euroconformismo que tem reinado e ao suicídio político que é continuarmos a adoptar, de modo acrítico, a atitude de bons alunos. Hoje, sucessivos pacotes de austeridade de base nacional sem uma solução europeia são contraproducentes.
Esta mudança exige, contudo, que o Presidente da República abandone o registo de mestre-escola que adopta sempre que se sente acossado. É no mínimo estranho que o político profissional no activo há mais tempo olhe invariavelmente para a divergência política como uma impossibilidade e reduza toda a conflitualidade a uma questão de mais ou menos ‘estudo’. A crise europeia com as suas ramificações nacionais é um assunto político, a necessitar de respostas políticas. E na política, parafraseando Cavaco Silva, duas pessoas sérias com a mesma informação não têm de concordar. Bem pelo contrário.”
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