O caso de presumível corrupção que envolve um antigo director do Departamento de Urbanismo da CMP que vem hoje relatado na edição impressa do “Público” foi, há alguns anos tema de conversa dos munícipes. Há tanto tempo – início dos anos 90 – que, muita gente já terá esquecido uma parte da história.
Trata-se de uma situação que configura o famoso triângulo política-construção civil-futebol. O citado director foi também presidente do Portimonense…
Estamos perante mais um caso em que a pena acaba por prescrever, ao fim de anos e anos, sem que o comum dos mortais perceba porquê. Enfim, um epílogo igual a tantos outros já conhecidos.
Não se trata de julgarmos qualquer cidadão na praça pública mas, relativamente ao caso em apreço, o povo de Portimão tem poucas dúvidas sobre o que, de facto, se passou e, parece que uma das instâncias judiciais também não. Daí que se torne altamente revoltante que situações deste tipo acabem, quase sempre, da mesma forma, aparentemente inconclusiva, beneficiando, de uma forma geral, o suposto infractor. E estamos nós entregues a esta gente!
Para aqueles que, por serem muito novos, não conhecem os principais meandros da história e para os que já não se lembram bem dela, aqui vai a transcrição do texto que capturámos na edição impressa do “Público”. E também para nos recordarmos quando formos votar nas próximas eleições autárquicas, daqui a dois anos…
Relação deixou prescrever processo de corrupção da Câmara de Portimão
Um antigo director do Departamento de Urbanismo da Câmara de Portimão e ex-presidente do Portimonense Sporting Clube, Alberto Estêvão, livrou-se em Novembro passado do cumprimento de uma pena de prisão a que tinha sido condenado em Maio de 2006. Nessa altura, recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Évora, mas este demorou mais de quatro anos para decidir que o processo, afinal, tinha prescrito quase três anos depois de ali ter chegado, não se pronunciando sequer sobre o teor do recurso.
Na origem do caso estão várias situações que configuravam a existência, na Câmara de Portimão, no início dos anos 90, de um esquema envolvendo técnicos e dirigentes municipais que exigiam dinheiro para facilitarem a aprovação e concretização de projectos de construção. O pontapé de saída do processo acabou por ser, no entanto, uma queixa apresentada por Alberto Estêvão e dois colegas, em 1995, contra um ex-emigrante que teria gravado secretamente algumas conversas mantidas com eles e relacionadas com o loteamento de um terreno de que era proprietário.
O feitiço virou-se contra o feiticeiro e o Ministério Público acabou por acusar os queixosos e dois empresários de vários crimes, nomeadamente de corrupção. É este processo que anda (porque ainda não acabou) há 15 anos às voltas entre Portimão e Évora, com três julgamentos já realizados, dois deles a serem considerados nulos pelos juízes desembargadores de Évora e com um sem-número de incidentes pelo meio, muitos deles destinados apenas a empatar o caso.
Nos dois primeiros julgamentos efectuados em Portimão, os cinco arguidos foram absolvidos, sendo que um dos crimes de corrupção passiva de que Alberto Estêvão ia acusado foi declarado prescrito, mas, em ambos os casos, a Relação veio a determinar a nulidade das sentenças, ordenando a sua reformulação - por forma a que os respectivos fundamentos fossem claramente explicitados.
Da última vez, em Maio de 2004, o acórdão determinou, contudo, que, além da rectificação da sentença no que toca aos factos julgados - coisa que até hoje não sucedeu -, o tribunal deveria proceder a um novo julgamento, conduzido por juízes diferentes, para averiguar a razão do pagamento de 600 contos (3000 euros) feito pelo ex-emigrante, em 1991, ao então director de departamento Alberto Estêvão.
Proferida a sentença em 5 de Maio de 2006 no 1.º Juízo Criminal de Portimão, Alberto Estêvão, que entrara em licença sem vencimento dois anos antes, foi condenado por corrupção passiva para acto ilícito a três anos e meio de prisão efectiva, sendo-lhe perdoado um ano de pena e sendo absolvidos os restantes arguidos.
Os três juízes deram como provado que o pagamento dos 600 contos, feito nas instalações da câmara, através de um cheque depositado no mesmo dia na conta dos sogros do arguido, era uma parcela dos 1.500 contos por ele exigidos para resolver os problemas com que o homem se debatia para concretizar o loteamento do terreno.
Alberto Estêvão reconheceu ter recebido o cheque, mas sustentou, sem provar, que ele servira para pagar projectos por si efectuados na qualidade de engenheiro. O tribunal rejeitou esta tese, entendendo que o que estava em causa era uma intervenção do ex-director, "em proveito próprio", num assunto que se prendia directamente com as suas funções, "no exercício das quais estava obrigado a prosseguir apenas e em exclusivo o interesse público, mantendo estrita imparcialidade e isenção". De acordo com a sentença, o arguido, "orientado pela ganância, mercadejou com o cargo e o saber, sem demonstrar preocupação ao enlamear a imagem do ente público [Câmara de Portimão] a quem devia fidelidade (...) a troco de dinheiro sujo".
Inconformado, Estêvão recorreu, tendo o processo subido para a Relação no Verão de 2006, onde encalhou em sucessivos incidentes e expedientes, até que o acórdão (nunca divulgado até agora e não disponível na base de dados do tribunal) foi subscrito pelos desembargadores José Simão e Onélia Madaleno mais de quatro anos depois, em Novembro passado.
Sem qualquer alusão à demora registada, os juízes enumeram os argumentos das partes - Alberto Estêvão, Ministério Público e o ex-emigrante, que se tinha constituído assistente no processo e pedira uma indemnização cível pelos danos que diz ter sofrido -, mas não procedem a qualquer espécie de apreciação dos mesmos. Limitam-se a analisar, em dez páginas, a sempre complexa questão prévia da prescrição do procedimento criminal, tendo em conta que o crime - recebimento do cheque - ocorreu em 7 de Maio de 1991.
Isto para concluir que, no caso em apreço, o prazo máximo de prescrição é de 15 anos, aos quais acrescem mais três, correspondentes ao tempo máximo que pode ser contabilizado como sendo de suspensão da contagem daquele prazo por razões processuais. Ou seja, os 18 anos a partir dos quais o processo tem de ser considerado prescrito tinham sido atingidos há 18 meses, em Maio de 2009.
Foi assim que o caso foi declarado prescrito, com a consequência legal da "inutilidade superveniente da análise das questões" suscitadas pelo recurso de Alberto Estêvão. Assunto arrumado, portanto.
Falta apenas, conforme sublinha o acórdão, que os juízes do 2.º Juízo Criminal de Portimão, os que absolveram os arguidos das restantes acusações, reformulem a sua sentença, conforme determinado em 2004. Ao que tudo indica, porém, e como sugerem os desembargadores, também aí a prescrição deverá ditar o fim do processo.
Luís Moleiro
Trata-se de uma situação que configura o famoso triângulo política-construção civil-futebol. O citado director foi também presidente do Portimonense…
Estamos perante mais um caso em que a pena acaba por prescrever, ao fim de anos e anos, sem que o comum dos mortais perceba porquê. Enfim, um epílogo igual a tantos outros já conhecidos.
Não se trata de julgarmos qualquer cidadão na praça pública mas, relativamente ao caso em apreço, o povo de Portimão tem poucas dúvidas sobre o que, de facto, se passou e, parece que uma das instâncias judiciais também não. Daí que se torne altamente revoltante que situações deste tipo acabem, quase sempre, da mesma forma, aparentemente inconclusiva, beneficiando, de uma forma geral, o suposto infractor. E estamos nós entregues a esta gente!
Para aqueles que, por serem muito novos, não conhecem os principais meandros da história e para os que já não se lembram bem dela, aqui vai a transcrição do texto que capturámos na edição impressa do “Público”. E também para nos recordarmos quando formos votar nas próximas eleições autárquicas, daqui a dois anos…
Relação deixou prescrever processo de corrupção da Câmara de Portimão
Um antigo director do Departamento de Urbanismo da Câmara de Portimão e ex-presidente do Portimonense Sporting Clube, Alberto Estêvão, livrou-se em Novembro passado do cumprimento de uma pena de prisão a que tinha sido condenado em Maio de 2006. Nessa altura, recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Évora, mas este demorou mais de quatro anos para decidir que o processo, afinal, tinha prescrito quase três anos depois de ali ter chegado, não se pronunciando sequer sobre o teor do recurso.
Na origem do caso estão várias situações que configuravam a existência, na Câmara de Portimão, no início dos anos 90, de um esquema envolvendo técnicos e dirigentes municipais que exigiam dinheiro para facilitarem a aprovação e concretização de projectos de construção. O pontapé de saída do processo acabou por ser, no entanto, uma queixa apresentada por Alberto Estêvão e dois colegas, em 1995, contra um ex-emigrante que teria gravado secretamente algumas conversas mantidas com eles e relacionadas com o loteamento de um terreno de que era proprietário.
O feitiço virou-se contra o feiticeiro e o Ministério Público acabou por acusar os queixosos e dois empresários de vários crimes, nomeadamente de corrupção. É este processo que anda (porque ainda não acabou) há 15 anos às voltas entre Portimão e Évora, com três julgamentos já realizados, dois deles a serem considerados nulos pelos juízes desembargadores de Évora e com um sem-número de incidentes pelo meio, muitos deles destinados apenas a empatar o caso.
Nos dois primeiros julgamentos efectuados em Portimão, os cinco arguidos foram absolvidos, sendo que um dos crimes de corrupção passiva de que Alberto Estêvão ia acusado foi declarado prescrito, mas, em ambos os casos, a Relação veio a determinar a nulidade das sentenças, ordenando a sua reformulação - por forma a que os respectivos fundamentos fossem claramente explicitados.
Da última vez, em Maio de 2004, o acórdão determinou, contudo, que, além da rectificação da sentença no que toca aos factos julgados - coisa que até hoje não sucedeu -, o tribunal deveria proceder a um novo julgamento, conduzido por juízes diferentes, para averiguar a razão do pagamento de 600 contos (3000 euros) feito pelo ex-emigrante, em 1991, ao então director de departamento Alberto Estêvão.
Proferida a sentença em 5 de Maio de 2006 no 1.º Juízo Criminal de Portimão, Alberto Estêvão, que entrara em licença sem vencimento dois anos antes, foi condenado por corrupção passiva para acto ilícito a três anos e meio de prisão efectiva, sendo-lhe perdoado um ano de pena e sendo absolvidos os restantes arguidos.
Os três juízes deram como provado que o pagamento dos 600 contos, feito nas instalações da câmara, através de um cheque depositado no mesmo dia na conta dos sogros do arguido, era uma parcela dos 1.500 contos por ele exigidos para resolver os problemas com que o homem se debatia para concretizar o loteamento do terreno.
Alberto Estêvão reconheceu ter recebido o cheque, mas sustentou, sem provar, que ele servira para pagar projectos por si efectuados na qualidade de engenheiro. O tribunal rejeitou esta tese, entendendo que o que estava em causa era uma intervenção do ex-director, "em proveito próprio", num assunto que se prendia directamente com as suas funções, "no exercício das quais estava obrigado a prosseguir apenas e em exclusivo o interesse público, mantendo estrita imparcialidade e isenção". De acordo com a sentença, o arguido, "orientado pela ganância, mercadejou com o cargo e o saber, sem demonstrar preocupação ao enlamear a imagem do ente público [Câmara de Portimão] a quem devia fidelidade (...) a troco de dinheiro sujo".
Inconformado, Estêvão recorreu, tendo o processo subido para a Relação no Verão de 2006, onde encalhou em sucessivos incidentes e expedientes, até que o acórdão (nunca divulgado até agora e não disponível na base de dados do tribunal) foi subscrito pelos desembargadores José Simão e Onélia Madaleno mais de quatro anos depois, em Novembro passado.
Sem qualquer alusão à demora registada, os juízes enumeram os argumentos das partes - Alberto Estêvão, Ministério Público e o ex-emigrante, que se tinha constituído assistente no processo e pedira uma indemnização cível pelos danos que diz ter sofrido -, mas não procedem a qualquer espécie de apreciação dos mesmos. Limitam-se a analisar, em dez páginas, a sempre complexa questão prévia da prescrição do procedimento criminal, tendo em conta que o crime - recebimento do cheque - ocorreu em 7 de Maio de 1991.
Isto para concluir que, no caso em apreço, o prazo máximo de prescrição é de 15 anos, aos quais acrescem mais três, correspondentes ao tempo máximo que pode ser contabilizado como sendo de suspensão da contagem daquele prazo por razões processuais. Ou seja, os 18 anos a partir dos quais o processo tem de ser considerado prescrito tinham sido atingidos há 18 meses, em Maio de 2009.
Foi assim que o caso foi declarado prescrito, com a consequência legal da "inutilidade superveniente da análise das questões" suscitadas pelo recurso de Alberto Estêvão. Assunto arrumado, portanto.
Falta apenas, conforme sublinha o acórdão, que os juízes do 2.º Juízo Criminal de Portimão, os que absolveram os arguidos das restantes acusações, reformulem a sua sentença, conforme determinado em 2004. Ao que tudo indica, porém, e como sugerem os desembargadores, também aí a prescrição deverá ditar o fim do processo.
Luís Moleiro
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