Para
além do foguetório lançado pela comunicação social – sabe-se lá a mando de quem
– sobre os resultados da chamada Cimeira do Clima, aquilo que vamos vendo,
ouvindo e lendo não augura nada de bom sobre o futuro da humanidade. Provavelmente
a expressão que sintetiza de forma dramática os resultados da reunião de Paris
sobre as alterações climáticas é aquela que João Camargo (*) redige hoje no
Público, quando afirma que “a Cimeira de Paris e o seu acordo, para o combate
concreto às alterações climáticas, são pouco mais do que uma inutilidade, e
apontam uma catástrofe (3ºC)”. Daqui em diante, é só esperar o pior para que
não sejamos apanhados desprevenidos.
Perante
a inacção dos principais dirigentes mundiais que não podem ou não querem
enfrentar os grandes interesses à escala global, os quais não olham a meios,
incluindo a própria destruição da vida na Terra, para atingirem os seus
objectivos mesquinhos e egoístas, não resta outra solução às populações senão a
luta em defesa da sua sobrevivência como espécie. Não tenhamos dúvidas de que
vai ser uma luta árdua e prolongada, já que estamos na presença de forças
poderosíssimas com tentáculos espalhados nos centros de decisão de todo o
mundo.
É
significativo que um ex-presidente da NASA tenha classificado o acordo de Paris
como uma “fraude”.
Estas
e outras afirmações contidas no texto seguinte, que constituem um sério alerta,
tornam-no de leitura quase obrigatória para quem se preocupa com a sobrevivência
do nosso planeta.
Acabaram
as negociações de Paris e foi fechado um acordo internacional para a questão
das alterações climáticas. Apesar da grande festa e do tom triunfante dos
anúncios de vitória (a que não seriam seguramente alheias as eleições regionais
com Marine Le Pen na frente, no dia seguinte), é importante perceber os pontos
positivos e negativos do acordo. Se há uma aclamação quase geral na imprensa, é
olhando para os pormenores do acordo que o sorriso se desvanece: apesar de ser
anunciado um acordo para uma subida de (apenas) 1,5ºC até 2100, o concreto do
acordo aponta para um aumento de pelo menos 3ºC.
Os
sorrisos da primeira fila, entre o ministro francês dos Negócios Estrangeiros
de um lado, Al Gore e Ségolène Royal do outro, fizeram importantes aberturas de
telejornais e capas de jornais no domingo seguinte, mas ainda estava fresca a
tinta no acordo quando se começaram a fazer as perguntas mais difíceis:
-
Se o acordo é vinculativo e diz que se quer chegar aos 1,5ºC no máximo, porque
é que a soma das propostas individuais dos 185 países que as apresentaram
perfazem entre 2,7ºC e 3,7ºC?
-
A proposta de transferir 100 mil milhões de dólares anualmente até 2020 não
tinha sido já aprovada em 2009 na Cimeira de Copenhaga?
-
Qual é a diferença entre atingir zero emissões de carbono e atingir a
neutralidade de carbono que é o que está no acordo?
-
Os países mais responsáveis pelo aquecimento global e as alterações climáticas
terão de compensar os países mais pobres que já sofrem fenómenos climáticos
extremos?
-
De que forma é que os sectores que mais emitem gases com efeito de estufa são
discutidos neste acordo?
As
respostas a estas perguntas são constrangedoras para a mensagem oficial do
acordo. Apesar do anúncio de que o acordo limitará o aumento de temperatura aos
1,5ºC em 2100, a verdade é que foi já em 2015 que se atingiu mais 1ºC de
temperatura do que na era pré-industrial. Isso significa uma margem de manobra
de 0,5ºC. Apesar disso, a soma das 185 propostas voluntárias de redução de
emissões produzirá um aumento de temperatura acima de 3ºC. Faltam ainda 11
países, alguns dos quais importante emissores, que não apresentaram qualquer
proposta. Para a maior parte dos países, as propostas voluntárias implicam
continuar a aumentar as emissões durante as próximas décadas.
Dos
100 mil milhões de dólares anuais acordados na Cimeira de Copenhaga em 2009,
que serviriam para os países mais ricos apoiarem a transição dos países mais
pobres para a mitigação e adaptação as alterações climáticas, apenas 10 mil
milhões de dólares foram reunidos em seis anos, isto é, 1,67 mil milhões de
dólares por ano, menos de 2% do que estava acordado. O objectivo foi
reafirmado, esperando-se desta vez que o dinheiro seja angariado.
A
diferença entre cortar emissões e obter a neutralidade de carbono é que a
segunda hipótese (a do acordo), não implica mesmo cortar emissões, desde que
isso seja compensado por sumidouros de carbono. É mais um adiamento dos cortes
de emissões, colocando fé em soluções técnicas miraculosas como a captura e
armazenamento de carbono ou através de florestas industriais em extensões
gigantescas.
Os
países mais ricos, a pedido dos Estados Unidos, foram isentados neste acordo de
compensações financeiras futuras caso ocorram fenómenos climáticos extremos.
Os
sectores que mais poluem não são identificados no acordo: a energia para
electricidade e aquecimento (25%), a agricultura, a pecuária e as florestas
(24%), a indústria (21%), os transportes (14%). Por fonte, o CO2 da queima de
combustíveis fósseis e processos industriais (65%), o CO2 que se liberta
durante a deflorestação e mudanças de usos de solos (11%), o metano da
agricultura, da pecuária, da queima de combustíveis fósseis, da queima de
biomassa (16%) também não estão. Contando palavras chega o choque: nas 32
páginas, a palavra energia aparece duas vezes; as palavras combustível, fóssil,
carvão, petróleo, transporte, agricultura, comércio, indústria estão
simplesmente ausentes. O documento é uma cortina de fumo em que as emissões e a
sua origem foram propositadamente omitidas.
A
Cimeira de Paris e o seu acordo, para o combate concreto às alterações
climáticas, são pouco mais do que uma inutilidade, e apontam uma catástrofe
(3ºC). O ex-presidente da NASA, e um dos maiores cientistas das alterações
climáticas, James Hanssen, qualificou o acordo como “uma fraude”. Mas foi do
lado de fora da cimeira, e um pouco por todo o mundo, que se produziram os
maiores efeitos. Para a COP-21 existiu uma mobilização mundial sem precedentes
sobre as alterações climáticas e a justiça social. É essa a grande virtude da
COP-21: criou sementes e raízes para um movimento global pelo clima. Esse é o
acordo que importa aprofundar, que importa solidificar, avançar: criar
concretamente metas, atacar sectores poluidores e as emissões. Para isso, é
preciso negociar longe da mão invisível dos lobbys mais poderosos do mundo: o
do comércio internacional, o do petróleo, o do agronegócio e o dos automóveis.
(*) Organizador da Marcha pela Justiça Climática, Doutorando em
Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável
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